Fanfics Brasil - FELICIDADE CLANDESTINA FELICIDADE CLANDESTINA

Fanfic: FELICIDADE CLANDESTINA | Tema: FELICIDADE CLANDESTINA


Capítulo: FELICIDADE CLANDESTINA

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          Ele era meio entojado, baixinho, de cabelos levemente arrepiados, pele morena. Tinha pernas um tanto finas para alguém que manjava no futebol, enquanto nós todos ainda éramos pernetas. Como se não bastasse, fazia embaixadinhas como ninguém . Mas possuía o que qualquer garoto da escolinha gostaria de ter: um pai milionário, jogador de fultebol.


          Sabia aproveitar. E nós? Nada! Nem para aniversário nos convidava. Mas que talento tinha para a crueldade. Ele todo era puro egoísmo, exibindo bolas e uniformes oficiais, chuteiras de grandes marcas e tudo mais. Como esse menino se achava, nós que éramos inevitávelmente de classe média, sem muito a oferecer. Comigo, às vezes, trocava algumas palavras. Na minha ânsia de conhecer o seu mundo, eu nem notava as humilhações a que ele me submetia: continuava a buscar um espaço em seu círculo de amigos.


          Até que veio para ele o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que seu pai o levaria para entrar no campo no jogo da Copa do Mundo e que permitiu levar alguns amigos.


          Entrar com a seleção no campo na Copa do Mundo, com tudo pago, ao lado de Neymar, meu Deus, era um sonho para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me para que passasse pela sua casa no dia seguinte.


          Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.


          No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ele não morava num sobrado como eu, e sim numa mansão. Não me mandou entrar, veio até o portão. Olhando bem para meus olhos, disse-me que ainda não sabia quem iria levar junto com ele, e que eu voltasse no dia seguinte. Boquiaberto, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava todo e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas do Rio. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do sonho, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.


          Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto do filho do jogador milionário era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu no portão de sua mansão, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: ainda não decidi, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” se tornaria “tarde demais”.


         E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ele sabia que o grande dia estava chegando. Eu já começara a adivinhar que ele me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.


         Insisti, fui mais algumas vezes à sua mansão. Às vezes ele dizia: acho que você poderá participar, mas não sei, são tantos meninos, só posso escolher dois. E eu, que não era de chorar, sentia os olhos inchando.


          Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silencioso a sua ladainha, apareceu seu pai. Entrei em choque. Ele devia estar estranhando a aparição muda e diária daquele garoto ao portão de sua mansão. Pediu explicações a nós dois. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. O jogador achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que esse pai bom entendeu. Voltou-se para o filho e com enorme surpresa exclamou: porque nunca convidou o garoto para entrar?


          E o pior para ele não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada do filho que tinha. Ele nos observava em silêncio: a potência de perversidade de seu filho e o garoto em frente aos portões, exausto, ao vento das ruas do Rio. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calmo para o filho: você vai convidar o garoto para entrar agora mesmo. E para mim: “E você fica convidado para entrar com a gente no primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo.” Entendem? Era mais do que eu podia imaginar. Fiquei extasiado. É tudo o que um garoto da minha idade, pode ter a ousadia de querer.


          Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteado, e assim recebi o envelope com o passaporte. Acho que eu não disse nada. Peguei o passaporte. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o envelope com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.


          Chegando em casa, a ficha não caía. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, olhei, fechei-o de novo, fui passear pela casa,adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia do que se tratava, achava-o,abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era “o cara”, me achando.


          Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o passaporte no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.


          Não era mais um garoto comum: era um garoto que conhecia Neymar e entraria no campo ao seu lado.



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Autor(a): academicojoel

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