Fanfics Brasil - Verdade oculta na felicidade clandestina Reescrita do conto "Felicidade Clandestina" por Juraci Ferreira

Fanfic: Reescrita do conto "Felicidade Clandestina" por Juraci Ferreira | Tema: Reescrita do conto Felicidade Clandestina


Capítulo: Verdade oculta na felicidade clandestina

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Naquela época, eu era a diferente da turma. Enquanto as outras meninas eram altas e esguias, com cabelos lisos e pele de porcelana, eu me enquadrava no quesito baixinha, gordinha com cachos e sardas. E ainda tinha um busto enorme, o que me destacava (não tão positivamente assim) dentre a multidão. Pelo menos meu pai era dono de uma livraria, uma grande livraria com tantos volumes que qualquer criança devoradora de livros poderia morar naquele lugar pra sempre.


Todas manhãs, levantava da cama, colocava uma máscara perversa, enchia os bolsos de bala e saía parecendo a crueldade em pessoa.


Quando era convidada para as festas de aniversário, presenteava as meninas com um cartão-postal da loja do pai, com a paisagem de Recife. Ver o semblante de decepção acreditando que receberia um livro de presente era meu momento de glória.


Crueldade mesmo foi quando disse que tinha e emprestaria As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Meu coração se enchia quando a ouvia bater na porta e seria o momento de dizer que o havia emprestado a outra criança e não estava comigo. Aquele olhar era uma fotografia e ficava por horas rindo sozinha, pensando até quando continuaria a insistir pelo empréstimo. Quando achava que havia se cansado, lá estava ela novamente, batendo na porta e perguntando pelo livro. Um dia quase a emprestei. Cheguei colocá-lo no criado próximo a porta para dizer: está aqui, pode levar. Foi um leve momento de bondade. Mas veio dentro de mim aquele sentimento de abandono, de desprezo, que sinto todos os dias quando as encontro em algum lugar. Desisti de emprestar e permaneci firme na missão de aborrecê-la.


Talvez passasse a impressão de que não lia o livro. Mas lia sim. Nesse período sagaz de empréstimo não empréstimo, eu o li umas três vezes. Já poderia até mesmo recitá-lo ao invés de emprestá-lo. Talvez fosse essa mesmo a minha vontade. A felicidade clandestina gerada em não emprestar o livro era um sentimento que escondia na verdade um desejo ardente de convidar a aquela menina para entrar e compartilhar do prazer que a leitura me proporcionava.


(LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. In: Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998)



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Autor(a): juraci102017

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