Fanfics Brasil - Felicidade Verdadeira Felicidade Verdadeira

Fanfic: Felicidade Verdadeira | Tema: Amor por livros


Capítulo: Felicidade Verdadeira

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    Havia no fim da rua onde eu morava uma pequena livraria, minha filha adorava entrar ali. Ela olhava os livros com fascínio, aquele brilho nos olhos que ofusca quem está por perto, eu só podia admirá-los junto com ela, nunca tive livros em casa, minha mãe não sabia ler, trabalhávamos na roça, não tínhamos acesso fácil à educação como se tem hoje em dia. Só estudei depois de mudar de cidade, fiz EJA na escola do meu bairro, mas não terminei, engravidei e desisti de estudar, hoje eu trabalho como diarista para sustentar minha filha, somos somente nós duas, ela precisa de mim, por isso me limito a olhar os livros junto com ela, mesmo sabendo que não podemos gastar nosso dinheiro com livros, ela gosta de vir até aqui e passar o dedo nas lombadas, folheá-los, sentir as páginas pouco manuseadas, o cheiro gostoso de baunilha que a acalmava, depois de cerca de vinte minutos ali, admirando os livros eu, com muito esforço e palavras de convencimento, á tirava dali, prometendo que na próxima semana voltaríamos para que ela pudesse ver os livros novos que chegavam todas as sextas.


    Sabíamos que eles chegavam ás sextas porque víamos o caminhão de entrega estacionar próximo ao horário que saíamos. Muitas vezes, minha filha saía da pequena livraria com lágrimas nos olhos, mas ela nunca as deixava cair, ela sabia que se chorasse eu não a levaria mais para a livraria, por mais que aquilo partisse meu coração de mãe, eu gostava de ver aquela felicidade clandestina, por alguns minutos todos aqueles livros pertenciam a ela, e ela os segurava, sentava nas poltronas com eles, folheava, ria dos desenhos que via nas páginas e depois os devolvia ao seu lugar na prateleira, para que alguém com mais recursos financeiros que nós, o levasse para casa e fizesse alguma criança devoradora de histórias feliz. Ás vezes, depois de deixa-la na escola, já dentro do ônibus indo trabalhar eu fantasiava sobre sair daquela livraria com uma sacola cheia de livros, vendo a felicidade nos olhos da minha pequena garota, imaginava ela chegando em casa e colocando todos eles sobre a mesa da cozinha, tocando as capas, cheirando com seus olhos fechados as páginas limpas daqueles livros, um dia eu não aguentei e comecei a chorar dentro do ônibus, uma mulher que estava sentada ao meu lado perguntou se eu estava bem, eu disse que sim e fiquei com vergonha de ter chorado dentro do ônibus cheio, as pessoas ficaram olhando para mim e eu acabei descendo dois pontos antes, pois não consegui ficar ali dentro com todos aqueles olhares interrogatórios em mim.


    Cheguei para trabalhar neste dia bastante cansada, triste e calada, a minha patroa, a dona da casa que eu limpo, é uma mulher muito inteligente, ela é jornalista e trabalha em casa, eu não sei como ela consegue trabalhar em casa, mas ela está sempre sentada em frente ao que ela chama de notebook, mais tarde ela me explicou que aquele computador pequeno era a  ferramenta de trabalho dela. Eu já trabalhava na casa dela havia cerca de três anos e nunca reclamava de nada, sempre que ela me perguntava como eu estava eu respondia que estava muito bem e conversava bastante com ela. Eu nunca tinha trabalhado para uma pessoa tão legal, que conversava comigo com tanta atenção como ela, e naquele dia quando eu respondi que estava bem ela me olhou desconfiada e foi para a cozinha, eu prontamente perguntei se ela queria que eu fizesse algo para ela comer, mas ela se limitou a me dizer não, então comecei a limpar a casa. Alguns minutos depois ela me chamou na cozinha, eu parei de limpar e fui ver o que ela queria.


    Ela estava sentada à mesa com uma xícara de chá à sua frente e do outro lado havia outra xícara, ela pediu para que eu me sentasse e perguntou o que estava acontecendo. Eu não gosto de mentir para ela e acabei contando o motivo da minha tristeza, ela ouviu com atenção, sem me interromper, só murmurando alguns “hum” e “entendo”, quando eu terminei de contar o que me afligia perguntei se não seria melhor parar de levar minha pequena á livraria, minha patroa prontamente me disse que não, que mesmo que nós duas saíssemos tristes de lá, aqueles minutos de felicidade, aquela pose clandestina dos livros que minha filha sentia era importante, que eu deveria sempre incentivar minha menininha a ler e a estudar. Quando eu ouvi isso não aguentei mais e deixei as lágrimas caírem com toda força, até solucei, minha patroa que olhava para mim com olhos cheios de compaixão, esperou calmamente até que eu parasse de chorar e me disse para tomar o chá antes que ficasse gelado, pois era gostoso quente. Terminei o chá e disse para ela que iria começar a fazer o almoço, pois já estava na hora, ela disse que tudo bem e voltou para o computador e ali ficou trabalhando até que eu terminasse e a chamasse para almoçar, quando ela veio estava sorrindo e me olhou com uma expressão engraçada. Enquanto ela almoçava eu fui lavar o quintal, depois guardei a roupa que já estava seca e fui avisá-la de que iria embora, já era minha hora, ela sorriu e como fazia todos os dias agradeceu pelo meu serviço, elogiou minha comida e me pagou. Fui embora e quando cheguei em casa minha filha estava fazendo a lição da escola, perguntei se ela estava bem, ela me disse que sim, comecei então a preparar o jantar, após jantarmos eu a ajudei com a lição de matemática, pois era a que ela mais tinha dificuldade, percebi que ela estava bastante cansada e perguntei o que ela tinha feito durante o dia, ela me disse que tinha ido até a casa de uma amiga da escola, que tinha prometido lhe emprestar um livro, mas a menina já tinha emprestado para uma outra criança, ela tinha chegado tarde.


    Eu lhe disse que não ficasse triste por causa disso, quando a outra criança devolvesse, ela pegaria o livro, minha filha sorriu e foi para a cama, quando fui lhe desejar boa noite, eu perguntei qual era o livro que ela iria pegar emprestado e com um sorriso lindo e um brilho nos olhos ela me disse que era As reinações de Narizinho de Monteiro Lobato, eu não sabia que livro era esse, mas pensei em perguntar ao dono da livraria qual era o preço dele na próxima vez em que fôssemos á livraria.


    E foi o que fiz, na semana seguinte quando entramos na livraria e eu deixei minha filha folheando um dos livros e perguntei ao dono quanto custava o livro, ele me disse que já não o tinha mais ali, todo o seu estoque tinha sido vendido, o próximo lote só chegaria no próximo mês e custaria mais do que dois dias do meu salário. Fiquei impressionada com o preço daquele livro e muito triste, pois minha filha o queria tanto e eu não poderia comprá-lo. Saí da livraria mais triste do que nunca, mas não chorei no ônibus e não deixei minha patroa perceber o quanto estava triste, trabalhei como sempre, e percebi que ela estava bastante feliz. Um pouco depois do almoço a campainha tocou e ela foi atender, eu continuei no quintal, colocando a roupa para lavar e dobrando as que já estavam secas para guardar depois. Quando deu a hora de ir para casa fui avisar para ela, a encontrei na cozinha, sentada á mesa com uma caixa á sua frente, ela sorria olhando para a caixa, e quando me viu seu sorriso ficou ainda maior, avisei que já estava indo para casa e ela pediu para que eu me sentasse ao seu lado, eu sentei sem entender o que ela queria, ela empurrou a caixa para mim dizendo que era um presente para mim e para minha filha, eu olhei para ela sem entender, já ia dizendo que não precisava, mas ela pegou um pequeno envelope que estava no bolso de sua calça e me disse para entregar para a minha filha junto com a caixa quando eu chegasse em casa, ela disse quilo com tanta determinação que eu só consegui agradecer. Peguei a caixa e o envelope e fui para o ponto de ônibus, a caixa era pesada e eu estava com medo de balançar muito, pois não sabia o que tinha lá dentro, o pequeno envelope estava dentro da minha bolsa, eu sentia o peso da caixa com alegria, não sabia o que tinha lá, mas era algo para minha pequena.


    Quando cheguei em casa, com dor nos braços por causa da caixa pesada, encontrei minha filha com os olhos vermelhos, coloquei a caixa em cima da mesa e perguntei o que tinha acontecido, ela me disse entre lágrimas que a menina que tinha prometido emprestar o livro, tinha emprestado ele a outra criança novamente e que ela achava que nunca iria ler aquele livro, eu a abracei, sequei suas lágrimas e disse-lhe para que não chorasse mais e que minha patroa tinha mandado um presente para ela.


    Minha garotinha ficou feliz quando viu que a caixa que estava em cima da mesa era para ela, lembrei-me do envelope dentro da minha bolsa e antes que ela abrisse a caixa eu o entreguei á ela.


    Era um pequeno bilhete, escrito com a letra bonita da minha patroa.


 Espero que goste de Monteiro Lobato, eu adorava quando era criança, minha mãe sempre lia comigo e isso me fazia muito feliz.


    Quando minha filha terminou de ler o bilhete, olhou ansiosa para mim, eu ainda não tinha entendido o que estava acontecendo, mas disse a ela para abrir a caixa e ali dentro estava o que viria a ser o tesouro da minha menininha, vários livros lindos, novos e bem embalados. Ao ver a expressão dela eu chorei e ao me ver chorar ela chorou, mas não de tristeza, uma felicidade nos invadiu, não precisaríamos mais viver uma felicidade clandestina, minha patroa havia nos dado a felicidade verdadeira.



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Autor(a): cleudna_sousa

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).




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