Entretanto, Dulce sentia que lhe restava pouca. O pouco que lhe
restava rapidamente escoava por entre seus dedos. — Eu me pergunto o
que sua avó diria se o visse agora.
Ele puxou os cordões do corpete com muito mais força que o
necessário, como se fosse uma dama de companhia extremamente
rabugenta e incompetente. — Tenho certeza de que ela teria palavras de
sobra, independentemente do que dissesse. Dulce riu. Ele não.
Quando ele ajoelhou, com uma perna de cada lado das dela, ela deu
um pulo, com a sensação de sua masculinidade tocando seu traseiro. O
calor podia até derreter o tecido fino da combinação. — Acho bem difícil
acreditar que você nunca tenha desamarrado o corpete de uma mulher,
Uckermann — ela reclamou e agarrou o travesseiro com os dois braços.
— Eu nunca desamarrei o seu corpete — ele respondeu. — Por
algum motivo, neste caso, estou todo sem jeito.
Surpresa pela confissão ingênua, ela ficou parada, suas reclamações
mergulharam no travesseiro, seu corpo atento ao toque das pontas dos
dedos dele, querendo que fossem mais velozes, querendo que tivessem
uma destreza súbita. A expectativa podia matá-la lentamente, porém ela
tinha certeza de que poderia reviver da morte. A forma como ele a
beijara era diferente de tudo o que ela conhecia. O deleite irracional que
a percorrera, com seu olhar azul fogoso, provavelmente lhe causaria
danos se ela não fizesse algo a respeito, e logo.
Ele pressionou os lábios no ombro dela enquanto soltava os cadarços.
Sua respiração estava agitada, cada beijo que ele dava era um pouquinho
mais forte, demorava um pouquinho mais, acelerando no fim. Enquanto
afrouxava o corpete, ele puxou sua combinação para baixo, deixando sua
pele das costas à mostra, uma vértebra de cada vez.
O último cadarço estava quase solto e seus beijos tinham chegado à
base da sua coluna, quando subitamente ocorreu a Dulce que o som de
batidas não era de seu coração, nem do granizo que caía no telhado.
Tinha alguém esmurrando a porta.
Christopher escancarou a porta depois de apressadamente vestir a calçola e
a camisa, com a cabeça fervendo, pronto para enforcar quem estivesse
perturbando sua noite.
Era Grieves.
— Desculpe, senhor — disse o mordomo —, mas surgiu algo muito
desagradável.
Atrás do mordomo, ele ouviu o som de Dulce se mexendo para sair da
cama, apressando-se ao biombo. A frustração borbulhava em suas veias e
aquecia, de forma incômoda, algumas partes de sua anatomia.
— O que é? — Ele estrilou. — A outra saiu?
— Não, senhor. — Grieves baixou o tom de voz para um sussurro.
— Aquele item está seguramente guardado e dormindo como um
cãozinho depois de um jarro de sidra.
— Graças a Cristo! Então, que diabo...?
— Eu tive a ideia de ficar mais seco na carruagem, senhor, porém,
ao entrar, fiz uma descoberta alarmante.
Christopher percebeu que seu mordomo estava com alguém ao seu lado.
Sob a luz fraca, seus olhos levaram alguns momentos para se ajustarem,
então a sombra olhou-o e exclamou — Eu lhe disse que não estava
fugindo. Os homens nunca ouvem.
Ele xingou baixinho.
— De fato, senhor — comentou Grieves. — Um ronco ruidoso me
alertou quanto à presença da jovem e, quando ergui o assento, lá estava
ela, dentro do compartimento de bagagem, toda encolhida, como um
bicho carpinteiro.
Lady Mercy Danforthe bocejou enquanto os dois homens olhavam
para ela, um, abismado, o outro, em desespero.
— Pelo amor de Deus, não posso acreditar nisso — murmurou
Christopher. Ele já estava com problemas suficientes em ficar de olho na tal
Saviñon, que podia ou não fazer parte de alguma trama de chantagem
usando seu corpo, seus lábios e olhos para iludi-lo totalmente. Ele já
estava de mãos cheias e a última coisa que precisava era dessa criatura
problemática colada no seu pé. Ele passou a mão nos cabelos. Seu sangue
aquecido ainda não tinha voltado ao normal e o monstro temerário do
desejo ainda tinha algum controle sobre sua voz. — O que devemos
fazer com ela? — Perguntou ele.
— Posso mandá-la de volta para Londres, senhor, com um
acompanhante. Se alguém de confiança puder ser encontrado. Talvez o
item guardado na despensa possa ter alguma utilidade.
— Meu bom Deus, não! — Ophelia Southwold era a última mulher
em quem ele confiaria os cuidados de uma criança.
— Eu mesmo vou cuidar disso, senhor.
Mas Christopher também não queria isso. As coisas tendiam a desandar
quando seu mordomo não estava por perto para ajudar e era um longo
caminho para mandá-la de volta. Ele não queria a culpa recaindo sobre
seus ombros caso acontecesse alguma coisa com a garota vilã. — Não,
não. Deixe que seu irmão venha buscá-la. Está na hora de ele assumir a
responsabilidade.
A jovem baixinha ficou olhando para Christopher com olhos enormes, mas
não disse nada.
— Muito bem, senhor, mandarei um mensageiro ao conde de
Everscham para comunicá-lo que sua irmã está segura e bem.
— E precisando de uma carona para casa. Ele certamente pode
abandonar seus prazeres na cidade pelo tempo necessário para vir buscá-
la.
Grieves fez uma reverência. — Desculpe incomodar sua noite,
senhor, mas eu não sabia onde mais colocar a jovem. Ela não podia
permanecer no compartimento de bagagem.
— Não vejo por que não.
— Porque era muito apertado — exclamou a criança. — Tenho
certeza de que estragou minha melhor musselina e a borda de pele do
meu casaco está toda amassada.
Subitamente, uma voz suave emergiu por trás do biombo. — Está
tudo bem, Grieves, de qualquer forma, nós já terminamos. A jovem pode
entrar e comer alguma coisa.
Grieves, que raramente mudava de cor, agora parecia uma lagosta
fervida.
Christopher começou a enfiar a camisa para dentro das calçolas e uma
onda de irritação irrompeu por ele. Ela achava que eles tinham
terminado, é mesmo? Ao contrario! Ele agarrou a clandestina com o punho
fechado e a trouxe para dentro do quarto. — Lady Mercy, essa é minha
noiva, a senhorita Dulce Maria Saviñon.
A garota ficou encarando o biombo. — Noiva? Noiva?
Vitória! A danadinha já não o olhava com os olhos caídos de
adoração.
— Muito prazer em conhecê-la, lady Mercy. — Ellie estendeu a mão
pela lateral do biombo.
Houve um momento de silêncio.
Então, a criaturinha abriu a boca, fechou os olhos e soltou um grito
horrendo, de estourar os tímpanos. Temendo que fosse acordar cada alma
da hospedaria e atraí-las à sua porta, Christopher tentou cobrir-lhe a boca com
a mão. O resultado foi uma mordida com tanta força que ele girou a
mão para afastá-la e quase atingiu Grieves, que teve a presença de
espírito de dar um passo atrás, porém, ao fazê-lo, derrubou a armadura
decorativa. Christopher estava xingando, curvado sobre a mão, quando a
armadura caiu sobre ele, seguida pela lança, que o mandou para o chão
com um estrondo.
A última coisa de que ele se lembrava, antes que alguém apagasse
todas as velas e a escuridão total viesse, era o gosto da poeira, os gritos
de clamor de lady Mercy e a aproximação veloz dos chinelos de Dulce.
— Ele está morto? — Lady Mercy deu um gritinho ao cair de
joelhos. — Oh, meu amado Christopher! Eu o matei!
Grieves ajudou Dulce a erguer as peças da armadura de cima do
homem prostrado. Ela não podia acreditar que fosse pesada o suficiente
para derrubá-lo daquele jeito, pois ele não era um homem pequeno, mas
a lança tinha batido com bastante força atrás de sua cabeça. Alarmada,
ela viu sangue em sua testa no local que bateu contra o chão. Ele estava
pálido, de olhos fechados, sem se mexer.
— Precisamos de um médico, imediatamente — ela exclamou.
— Serei enforcada por crime passional — Lady Mercy estava aos
prantos, as lágrimas rolavam por seu rosto. Dulce não tinha ideia de quem
era aquela criança nem o motivo para que ela estivesse seguindo Christopher,
mas não era nada chocante descobrir mulheres de todos os formatos e
tamanhos andando em seu rastro. Ela tinha certeza de que metade delas
também nem sabia por que o fazia.
Ela estendeu o braço para tranquilizar a criança, mas lady Mercy se
encolheu, como se ela tivesse lepra. — Pessoa horrenda! Ele deveria se
casar comigo.
— Não vamos nos preocupar com isso agora. Precisamos cuidar do
Christopher, você não acha?
A garota fungou e uma lágrima pingou de seu queixo. — Coitadinho
do querido Christopher.
Com a ajuda do senhor Grieves e o impedimento de lady Mercy,
Dulce conseguiu colocá-lo na cama. Ela limpou o sangue usando um de
seus lenços e um pouco de água da bacia que estava atrás do biombo.
Lady Mercy ficou ao pé da cama, remexendo as mãos de remorso.
Assim que Grieves saiu correndo para arranjar um médico, o paciente
abriu os olhos.
— Opa, minha cabeça está doendo — ele gemeu.
— Não estou surpresa. — Agora que ela limpara o sangue, só havia
um calombo minúsculo na testa dele e um pequeno arranhão, nada
monstruoso. Os homens sempre faziam mais estardalhaço que o
necessário por um pequeno ferimento. — Fique deitado quieto.
— Obrigado, milady — murmurou ele, e suas pálpebras fecharam-se
novamente. — Acho que farei isso, se não se importa, milady.