Fanfic: A FELICIDADE PODE SER OCULTA | Tema: CONTO FELICIDADE CLANDESTINA DE CLARISSE LISPECTOR
FELICIDADE CLANDESTINA II
Ele era magricela, alto para sua idade moreno e de cabelos excessivamente lisos, um corte da moda. Tinha um porte juvenil, enquanto nós todos ainda éramos infantilizados pela estatura apesar de não nos considerarmos mais crianças porque a partir dos doze anos já nos sentíamos quase adulto. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da calça, com balas, guloseimas compradas na venda. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: uma casa bonita com uma estante enorme com livros de todos os seguimentos literários, culinários, tratados médicos usados por sua mãe que era nossa mestra, e seu pai que era médico e produtor de café ,aquela estante parecia as flores dos cafezais abertas em pleno deserto de
casebre ladeira abaixo a como eu suspirava ao ver aquela estante.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: uma vez por ano éramos convidados a ir a sua casa a qual aguardávamos ansiosamente todos os dias do ano marcados na folhinha como era chamado os calendários pois o dia de seu aniversário era um evento grandioso e para mostrar que eram caridosos e bons patrões convidavam a vila , a colônia de lavradores inteira e ele fazia questão de fazer turismo conosco dentro daquela enorme casa somente para olhar com desdém nossos olhares e suspiros de admiração de tamanha grandiosidade a qual nem ousávamos sonhar se deleitando nas nossas ingenuidades .
Particularmente eu nada via a não ser a estante no quanto da sala com suas prateleiras cheias de livros alinhados meu único sonho era poder tocar -lá em vez de pelo menos um livrinho pequeno eu pudesse folhe-a- ló já seria o ápice da minha existência. Mas o que mostrava era aquelas fotos horríveis das viagens dele com os pais nos safaris que faziam anualmente depois da colheita do café enquanto nos continuávamos a ajudar os pais a limpar as ruas de café para a próxima colheita onde morávamos.
Mas que depressa a crueldade trespassou o seu olhar quando cruzou com os meus ao notar que eu somente tinha olhos para aqueles livros e não estava nenhum pouco interessada nas suas fotos e historias miraculosas de caçadas o que acho hoje que era um pouco falsa e mentirosas somente para impressionar as meninas pobres da colônia por algum motivos escuso ou simplesmente para ser cruel. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que me submetia então me arrisquei e pedi a ele se me emprestava algum daquele livros e ele disse não a primeira vez , e depois começou a me chantagear pedindo para eu fazer seus trabalhos escolares já que modéstia minha eu era bem mais avançada do que toda a turma e eu sempre fazendo suas tarefas e ao mesmo tempo implorando emprestados os livros que ele não lia.
Até que veio o dia dele começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía as reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que antes da aula e levasse um saco de manga rosa acabadas de cair pois ele adorava aquelas mangas daquela qualidade já que não tinha fiapos para incomodar entre os dentes ele o emprestaria.
Até o dia seguinte eu nem dormi direito de tanta ansiedade ,não senti o peso do saco de manguá nas costa pois minha alegria era tamanha que qualquer sacrifício valeria a pena somente para ter entre minhas mãos aquele objeto precioso que era meu sonho de consumo como um poder absorvido dentre suas páginas já me fazia viajar nas asas da imaginação e ao mesmo tempo nas plumas da felicidade. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Mas agora o que faço com essas mangas? Deixa ai disse ele amanhã não precisa de traze-las mas me tragas goiabas bem vermelhinha se não ,não vou te emprestar o livro .Saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar cabisbaixa pensando: fica triste não ,amanhã tudo valera a pena quando você tiver o livro assim dizia comigo mesmo no meu pensamento. A esperança da promessa do livro, o dia seguinte viria, a noite seguinte enfim outro dia chegaria e eu poderia me deleitar nas palavras assim cheguei na escola e meu dia começou.
Mas não ficou simplesmente nisso. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, mas que quando tivesse eu seria a próxima a quem ele emprestaria mas que desta vez eu trouxesse goiaba branca já que ao contrário da vermelha dá para ver melhor os bichos da goiaba em tempo de não come- lós assim ele disse ,atordoada e sem entender direito eu disse sim mas a vontade era de falar uma palavra feia ,mas como não e de meu costume ofender ninguém em palavras porque eu amo as palavras então em pensamento eu falei poucas e boas para ele dei gargalhadas de contentamento e fui seguindo meu caminho para a escola e meu dia começou .
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ele dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, incansavelmente apanhando todas as frutas existente na colônia e levando para ele as vezes pensava o que ele quer com tanta fruta se ele pode comer todas as guloseimas lá da venda enquanto nos temos que nos contentar com alguns caramelos vai entender essa gente rica e assim foi transcorrendo meus dias a procura do conhecimento, do poder que as palavras tem de nos levar para longe da vidinha triste e medíocre a que uma menina pobre e filha de colonos está fadada a ter e isso não era o que eu queria ,suportaria tudo ,levaria todas as frutas necessárias com o único intuito de obter o poder que as palavras contidas naquele livro poderia me proporcionar.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa que trazia todos os dias frutas estas que sempre ia para os porcos (assim fiquei sabendo )porque manga e goiabas são frutas destinadas aos colonos porque nós comemos uvas, maças ,pera outras frutas vinda da capital disse ela ao filho , a quanta desigualdade pensei e além do mais o que me importa ter que carregar alguns sacos de mangas para os porcos se no final com certeza vou ter o livro. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filho e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada do filho que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de seu filho foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filho: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” E não precisa mais trazer frutas que ninguém aqui come olhando enviesado para o filho e ele todo murcho aquela audácia havia desaparecido. Ah como sorri por dentro ...
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, sai cabisbaixa como sempre devagar parecia que eu estava flutuando. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar não consigo lembrar só sei que naquele dia não fui a aula me escondi numa rua de café deitei me debaixo da sua sombra e adormeci de tanta felicidade ,não consegui ler uma palavra pois os olhos pesarão de sono por ter acordado tão cedo meu peito estava quente, meu coração tranquilo adormeci de repente num sobressalto acordei com uma ardência nas pernas era minha mãe dando umas varadas com a vara de goiabeira brava ,espumando pelos canto da boca dizendo em vez de ir para escola está aqui a dormir? É assim que você quer ser professora, se não for para aula será como eu uma burra uma analfabeta e não vou ficar me matando no sol quente para filha minha ficar dormindo debaixo dos pês de café, levantei depressa ,meio zonza estava tão feliz que ao contrario de outras vezes que minha mãe me deu um corretivo que não contestei simplesmente sai andando a passos largos em direção a casa.
Chegando em casa, não comecei a ler. Tinha obrigações a cumpri lavei a roupa ,lavei a louça, varri o terreiro, fiz o almoço enfim tudo dentro do tempo para sobrar tempo poder me deliciar com a leitura enquanto ouvia minha mãe dizer para meu pai o que havia sucedido naquele dia :viu Zé como as vezes umas varadas de goiabeira da resultado olha só nossa filha como está empenhada hoje depois de fez toda a suas obrigações esta lá na rede com um livro novo na mão essa minha filha não vai ser como eu não Zé ela vai ser doutora das letras. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais só para manter aquela sensação de liberdade apesar do cenário contrário. Criava as mais falsas dificuldades. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Como demorei para devolver o livro a minha vingança contra ele de poder me deliciar com o som das palavras enquanto com sua mesquinhez e egoísmo não poderia compreender o êxtase de tanta alegria somente por um livro a qual ele não valorizava. Acredito que somente uma pessoa sensível e capaz de se entregar as delicias que um livro possa trazer, ele não entendia, não era sensível.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, devorando suas páginas, capítulos, frases, palavras e letras reli-as inúmeras vezes, valeu a pena todos os sacrifícios só para tê-lo entre minhas mãos.
O poder que as palavras tiveram sobre mim foi demais para ser absorvido somente com aquele livro, depois outros e mais outros que aquela colônia se tornou pequena, mas também acolhedora para meus momentos futuros de busca ao conhecimento.
Autor(a): silvianeia_alves_de_siqueira
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