Fanfic: felicidade clandestina-eternidade | Tema: felicidade clandestina Clarice lispector
Elisa era o seu nome; aquela menina gorda, baixa, sardenta de cabelos crespos, a última coisa que soubemos dela é que foi aceita em uma universidade fora do país onde só vão os melhores, não soubemos mais nada sobre ela, até que ela se mudou para uma casa do lado da minha em recife.
Antes uma garotinha fora dos padrões que olhava por cima dos ombros com postura debochada e depois uma adulta, casada e com um filho de mais ou menos cinco anos de idade. Seu olhar de desdém não mudou muito.
Eu não sabia ainda, mas em casa sozinha Elisa pensava na sua infância, de como não entendia seus sentimentos e como gostava de maltratar as garotas por se sentir diferente, acreditava que por não estar dentro dos padrões era inferior e que sendo assim as pessoas a menosprezaria por isso, então antes que a maltratassem ela se defendia, assumiu a postura de vingativa e impiedosa, falando pouco, expressão vazia e parecendo não se importar com ninguém além de si mesma, gostando de ver as garotas sofrerem só assim aliviava sua dor. A dor de não se aceitar como ela era de verdade.
Depois que se casou muita coisa mudou, ela veio morar ao meu lado, continuava calada, mas o olhar que antes intimidava estava mais triste que apavorante.
Um dia não muito diferente dos outros, nos encontramos no caminho da escola dos nossos filhos, disse “bom dia” ela não respondeu, limitou-se a balançar a cabeça, como se não se importasse comigo ou com a gentileza de cumprimentar alguém, logo ela; tão fina e educada, com muita etiqueta, nunca se importou em ser a melhor aluna da escola.
Já fazia dois meses que ela morava do lado e eu não conhecia ainda o sortudo que se casara com ela. Até o infeliz dia que a encontrei discutindo com alguém no portão da sua casa, pareciam estar voltando de algum lugar e que não foi possível evitar a briga antes de entrar em sua casa, vi que o sujeito a segurou pelo braço e forte e abruptamente a puxou do carro, eu não sabia o que fazer, mas sabia que algo não estava certo, fui até eles perguntei se ela precisava de ajuda, pedia a ele que a soltasse e que chamaria a polícia, olhei para ela e perguntei sobre seu marido, ela ergueu seus olhos, que antes pareciam chamas vivas, naquele momento só haviam fumaças e disse forte: “ele é o meu marido, vai embora”. Eu não soube o que fazer, eram casados afinal e nem éramos amigas nem nada.
Ela merecia, eu pensava, mas no fundo do meu coração eu não parava de pensar que algo estava muito errado.
Muita coisa havia mudado desde nossa infância, eu me tornei uma escritora com algumas obras publicadas, sempre fui apaixonada por livros que decidi escrever, tomei inspirações dos milhões de livros que devorei, casada, um filho que pode ter uma excelente educação e formação profissinal o que mais eu poderia querer? Já não era mais a garotinha que sofria por querer ler “As reinações de narizinho de Monteiro Lobato” Ah! como ela me torturou. “eu não lhe devo nada”, ficava repetindo para mim mesma, para não me preocupar com ela, até que essas palavras não tinham mais efeito e não acreditava mais nisso; eu estava sim muito preocupada.
Não a via desde o nosso último encontro, aliás, não a via quase nunca, porém calculei a melhor hora para encontrá-la “casualmente”; esperei o horário da escola e me preparei uma hora antes para levar meu filho e deixando ele lá esperei por ela, de longe a avistei, agora ela estava magra, usava um penteado que prendia todo o cabelo, com um busto enorme, porém olhava para baixo, mas ainda tinha uma presença muito forte, isso não mudara nela.
Deixou o filho na escola e já saiu apressada, como se soubesse que eu iria falar com ela, corri até ficar à sua frente de modo que não pudesse fugir, interpelei-a sobre seu bem-estar e nessa situação me convidou para um café em sua casa, caminhando, conversando, ela me contou como conheceu e se apaixonou pelo seu marido quando estavam na universidade, ele era ambicioso e muito exigente, queria ser advogado se identificaram em muitas coisas, logo começaram a namorar pouco tempo depois ela engravidou, eles se casaram ainda cursando a faculdade e mesmo estando grávida, porém tudo mudou. Depois que o bebê nasceu ela quis parar de estudar mesmo com o curso chegando ao fim para cuidar do filho e de casa, para ele, ela já não era mais a garota forte e intensa que intimidava e obstinada a conquistar seu lugar no mundo, que antes queria deixar sua marca.
Aquela garota temida por todas nós deu lugar á uma mãe que todos os dias se preocupava com o filho, nunca se arrependeu da decisão que tomou pois sabia que era necessário cuidar do bebê, com o tempo o casamento foi desgastando, até ele se transformar ou exteriorizar um homem violento. A pouco tempo Elisa descobriu que estava doente e por isso pediu que se mudassem para perto dos pais em Recife. Quem poderia imaginar? Senti um aperto no peito e uma lágrima querendo escorrer dos meus olhos. Essa mulher na minha frente era uma desconhecida e sofria. Como eu deveria agir diante disso? Fiz o que podia fazer, coloquei minha mão sobre a dela que estava estendida na mesa da cozinha da sua enorme casa e disse animada “você não está sozinha” “não precisa se esconder, nem me afastar”.
Com o tempo ficamos amigas; melhores amigas, costumava ir à sua casa todos os dias, conversávamos, acompanhava seu tratamento, levava nossos filhos para escola quando ela não podia, aos poucos conquistei o seu coração tão profundo que ela me pediu certa noite, que cuidasse do filho dela caso ela partisse, esse era seu sonho.
Enquanto o tempo passava vi pouco a pouco ela crescer; em generosidade, lealdade como ninguém mais no mundo. Pôs um fim em seu casamento, assumiu novamente sua força e decidiu que não queria e não precisava sofrer por algo irremediável. Reestabeleceu sua força e autencidade de um modo glorioso dessa vez com uma leveza inédita, já não fazia ninguém sofrer por causa do seu sofrimento, a invés disso ela se identificava com a dor do outro, o fogo brilhava novamente em seus olhos, mas de uma maneira diferente.
Mas o inevitável aconteceu, eu estava saltitante por uma publicação nova e estava tendo muito sucesso, corri como uma criança quando ganha um doce, fui até à casa dela para contar, sorriríamos, tomaríamos um bom vinho lembrando da infância e com certeza brindaríamos nossa amizade, nesse horário nossos filhos estavam na aula, quando girei a maçaneta vi seu corpo ali no chão, estirado, frio e sem vida, eu não sabia o que fazer, fiquei inerte por um tempo.
Fomos tantas coisas uma da outra ao longo da vida e agora ela se foi. Vendo ela ali no chão, minha primeira reação foi segurar a mão dela, eu havia entendido afinal, desde sempre ela não queria estar só, mas queria ser livre e marcar as pessoas de alguma forma, fosse positiva ou negativamente, não queria parecer fraca, ela queria tudo e eu sabia naquele momento, por isso me deitei ao lado dela no chão, ainda segurando sua mão, pensando em seu filho e como ela tinha penetrado a minha alma, cheguei perto do seu ouvido e sussurrei baixinho “você não está só, descansa em paz, seu sonho vive, você é eternidade”.
conto baseado na obra de LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. In: Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998
Autor(a): irai_dos_santos
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Loading...
Autor(a) ainda não publicou o próximo capítulo
Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 3
Para comentar, você deve estar logado no site.
-
isaquers Postado em 10/10/2019 - 22:38:10
Meus parabéns, Iraí. Na minha opinião, muito bem escrito, e acredito que no tipo Angst. Li o conto da Clarisse e o seu, e ficou muito bom. Novamente, meus parabéns.
-
yasminyfs Postado em 10/10/2019 - 13:45:45
muito linda
-
escritor_samuel_sam Postado em 10/10/2019 - 13:27:32
Meu Deus, que inspiração!!!! Eu sou homem, mas tudo bem se eu derramar umas lágrimas? 😢😢😢❤👏👏&am p;#128079;👏👏👏👏❤