Fanfic: O livro que mais almejava ter | Tema: Felicidade Clandestina - Clarice Lispector
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda eramos achatadas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Isso seria o maior sonho que eu consideraria alcançar na vida com onze anos de idade. Mas o máximo que poderia em minhas condições dentro desse contexto, era observar e tocar os livros de diversas cores e espessuras que se alinhavam em altas prateleiras enfileiradas, no lugar que era meu refúgio no mundo, onde todas as tardes depois da escola eu ia visitar. Nessas visitas rotineiras era inevitável não ter desenvolvido um contato mais próximo e espontâneamente amigável com seu respectivo dono, que estava sempre atrás do balcão, me recepcionando com um sorriso alegre e contando mais uma das novidades literárias que haviam chegado naquele dia. E, pelo que não demorei muito a perceber, isso não agradava nem um pouco a minha colega de classe descrita acima. O que veio a se tornar mais evidente no dia do meu aniversário. Se eu soubesse o que estaria a preceder naquele dia!
Voltando da escola e caminhando rumo ao meu destino de sempre, a mesma passa á minha frente a passos largos buscando chegar primeiro ao mesmo lugar que eu. Quando chego lá, me deparo com uma pilha de livros novos sob o balcão e o dono da livraria os conferindo e retirando o plástico que os protegia, com sua filha o abraçando apertado ao seu lado direito, me lançando um olhar sério e sem qualquer expressão facial. Ele me cumprimentou com um alegre "boa tarde" como de costume e disse: - E aí quer saber as novidades de hoje? E eu confirmo enquanto me voltava a prateleira ao lado, o ouvindo falar os títulos que haviam chegado. - "O cortiço" ," O peregrino", "A menina que roubava..." Nesse instante paralisei. Fiquei parada por segundos absorvendo a ideia de que o livro que mais almejava ter estava ali sob aquele balcão. Me dirigi novamente á passos lentos ao dono da livraria e proferi as seguintes palavras meio que sem acreditar: - " A menina que rouba livros"? Ele confirmou o pegando e mostrando para mim. Meus olhos brilharam. Parecia um sonho. Enquanto olhava aquele livro era como se o chão fosse de leves plumas flutuantes. Porém, tudo isso desmoronou junto com o sorriso que havia se formado em meu rosto, quando me lembrei do fato de que não poderia comprá-lo, me trazendo de volta a dura realidade. O dono da livraria logo percebeu o repentino desânimo que se estampou em minha face. Me perguntou o que houve, e eu expliquei. Tão perto de um sonho e ao mesmo tempo tão longe. Mas eu não sabia o que estava por vir. Aquela sensação boa começou a aparecer novamente quando ele me perguntou "Qual é o dia do seu aniversário?". Quando falei que era naquele mesmo dia, ele me estendeu o livro e disse: - É seu, como meu presente de aniversário! Uma explosão de alegria e gratidão tomaram conta de mim, não pude me conter, senti meus olhos marejando de lágrimas e quando me dei por mim estava dando pulos com o livro agarrado em meu peito. Quando me voltei para agradecer ao dono da livraria, sua filha ao lado estava comprimindo os lábios, com os braços cruzados. O agradeci com todo meu coração e fui. Ah que doce alegria! Aquele era definitivamente o melhor dia da minha vida. Aproveitei cada minuto com meu precioso tesouro, dormi com ele ao lado do meu travesseiro, onde ia o levava. Até que em um fatídico dia, após o recreio da escola voltando a sala ele não estava sob a mesa como havia o deixado. O desespero foi se instalando a medida que o procurava e não o encontrava. A tristeza substituiu o desespero quando me dei conta que não havia o encontrado, e não havia outro lugar para ele estar se tinha certeza que o tinha deixado ali pela última vez. Voltei pesarosa para casa, devagar, sem qualquer expectativa. Até que avistei a seguinte cena ao passar pela casa do dono da livraria: sua filha colocando um livro rasgado e amarrotado no saco de lixo em frente a sua casa. Reconheci as cores e a capa que fora destruída. Ela me viu. Levou um susto e foi para dentro. Anos se passaram, e cá estou eu, trabalhando em uma livraria, cuja dona vos fala. Meu maior sonho se tornou realidade. Momentos de tristeza passam, eles não duram para sempre. Agora sou eu que estou atrás de um balcão conferindo e vendendo livros. E num desses momentos do meu dia-a-dia, entra pela porta da livraria, uma menina gorda, baixa, sardenta e de cabelos crespos meio arruivados. Me veio a lembrança de alguém em minha memória. Atrás da menina entra esse alguém que havia acabado de me recordar. A reconheci, e ela também. Ambas em uma versão mais velha. Ela levou um susto. Revivi aquela velha cena. A menina á sua frente me dirigiu a seguinte pergunta: - Tem " A menina que roubava livros"?
Autor(a): micaele_correa
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