Fanfic: Livro dos sonhos | Tema: Adaptação do conto "Felicidade Clandestina"
Um pai dono de livraria. Meu Deus, que sorte! E não era qualquer livraria; ela sim fazia jus ao nome "Mundo encantado." Quantos livros, quantas histórias deviam existir ali. Imagine só: todos os livros de Monteiro Lobato, meu autor predileto. Eu nunca conseguiria comprar todos, mas ela sim. Ela poderia lê-los quando quisesse, caso conseguisse. A coitadinha teve o azar de nascer cega com um mundo todo para desvendar bem debaixo de seu nariz. Será que ela nem folheia os livros, pelo menos para sentir o cheirinho de livro novo, ou mesmo velho? Pensei comigo: sentir o cheiro ela podia.O último livro que ganhei foi no meu aniversário de 9 anos: "a menina do narizinho arrebitado", ganhei de minha avó. Desde então, peguei gosto pelas obras de Monteiro Lobato.
A filha do dono da livraria era estranha. Não, ela não era bonita, parecia estar sempre assustada, era retraida, de corpo largo e dada aos chocolates. Pelo menos sentir o gosto bom do doce ela podia, mas... e o cheirinho do livro? Por que não sentir também?
Ela não tinha amigos, era arisca, não permitia aproximações. Mas eu não resisti. Passando em frente à livraria de seu pai, a vi sentada num banquinho, com a bengala em uma mão e chocolate na outra, comendo desesperadamente. Então, resolvi me aproximar. Ela tinha um ar misterioso, tanto como uma história sem desfecho. Me aproximei e disse timidamente um oi. Ela já foi logo me perguntando se eu era uma criança, e eu disse que sim, e sorri amarelo.
Fui direto ao ponto e a perguntei se não gostava de ler. Acho que foi uma pergunta mal feita. Ela apenas disse: "como posso gostar, se não consigo"? Perguntei se não gostava ao menos de ouvir as histórias; ela me disse que não e argumentou que ouvir era o que ela mais fazia. Já estava cansada de ouvir tudo, o dia todo; ouvir era a única coisa que ela conseguia fazer. Mas não me intimidei e a disse que também havia prazer no ouvir. Aquela menina não era má; era apenas frustrada. Deus tinha lhe dado a sorte e ao mesmo tempo o azar.
Me ofereci para ler para ela. Fui um tanto audaciosa, mas queria mostrá-la o quão são prazerosas as histórias. Livros lidos por pessoas que gostam do que estão fazendo são bem mais interpretados; foi um argumento fatal. Ela topou, sim, ela topou. Eu seria a sua contadora de histórias. No outro dia eu voltei. Seu pai nos permitiu entrar e procurar o livro de nossa preferência; acho que ele gostou da ideia.
Eu olhava prateleira por prateleira, livro por livro, assim como uma criança olha todos os doces do mercado. Meu Deus, era uma prateleira repleta de obras de Monteiro. Até suspirei; era demais para mim. Livro por livro, eu examinava capa por capa, até que, dentre todos, avistei um que me tocou profundamente: "As reinações de narizinho." Num relance lembrei-me de algo.
Era um livro grosso, para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. Aquele livro seria o meu próximo presente de aniversário; ganharia de minha avó quando eu completasse 10 anos, mas ela se foi antes disso. Exatamente a poucos dias do meu aniversário, tive a oportunidade de tê-lo em minhas mãos, nem que fosse por algumas hora para "degustá-lo", e na companhia de alguém, o que era melhor ainda.
O dono da livraria me permitiu voltar todos os dias; senti que ele gostou de vê-la não tão só. Capítulo por capítulo... Pedi a ela para imaginar as cenas das histórias que eu narrava e para sempre colocar-se no lugar do personagem principal, ou seja, que tentasse ser parte da história, imaginar-se vivendo aquilo. Ela era sempre atenta, muito curiosa para saber o desfecho de cada capítulo.
A felicidade transbordava em ambas. A felicidade era clandestina; ela era feliz tendo a oportunidade de me ter "sendo seus olhos" e eu por vê-la me ouvindo com tanto gosto. Suas orelhas permaneciam erguidas como num voo, para me ouvir falar. Íamos devorando capítulo por capítulo. Nada mais gratificante do que despertar em alguém o gosto pelos livros. Para mim, o mais gostoso, além de ler, claro, era poder vê-la "ver com os olhos da imaginação"
Autor(a): dayane_martins
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).