Fanfics Brasil - FELICIDADE CLANDESTINA CLANDECLANDESTINA FELICIDADESTINA FELICIDADE

Fanfic: CLANDECLANDESTINA FELICIDADESTINA FELICIDADE | Tema: DRAMA


Capítulo: FELICIDADE CLANDESTINA

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Ela era pobre, negra, franzina e de cabelos excessivamente crespos. Tinha um corpo pequeno e magro aparentava uma fragilidade incomun é como se ela não se alimentasse direito, suas roupas eram finas e rasgadas e os chinelos em seus pés, nem serviam direito eram muito grandes. Como se não bastasse, possuia um gosto muito incomun para as crianças de hoje em dia, enquanto nós amavamos redes sociais smartfones e tablets ela amava ler livros. Suspeito que ame até hoje.


Pouco aproveitava as brincadeiras conosco e nós menos ainda: até para aniversários, em vez de pelo menos um joguinho eletrônico barato, ela nos entregava em mãos livros, ainda por cima eram usados, mesmo estando bem conservados ainda assim aparentavam ser usados. Atrás escrevia com sua letra borbadíssima palavras como “data natalicia” e “saudade”.


Mas que talento tinhamos para a maldade. Eu então era pura vingança, chupavamos bala com barulho, aprotavamos birra na escola. Como essa menina devia nos estranhar, nós que eramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas de cabelos livres, sempre bem vestidas, sempre arrumadas.


Eu particularmente exercia uma especie de sadismo. Na ânsia de ler, eu nem notava as humilhações que a submetia quando ela me pedia livros: continuava a me implorar livros emprestados os quais eu não lia mais possuia porque eu tinha o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter. Um pai dono de livraria.


Até que veio para mim o magno dia de começar a exercer sobre ela uma especie de tortura japonesa. Casualmente informei-lhe que possuia “As reinações de narizinho”, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro pra se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o e completamente acima das posses dela. Disse-lhe que se ela passasse pela minha casa no dia seguinte eu o emprestaria.


Até o dia seguinte em que me transformei na própria esperança da alegria: eu percebi qu ela não andava, ela nadava devagar num mar suave, as ondas levaram-na e trouxeran-na.


No dia seguinte veio a minha casa literalmente correndo. Ela não morava em uma casa como eu, e sim num sobrado. Não a mandei entrar. Olhei para seus olhos, e disse-lhe que havia emprestado o livro a outra menina, e que voltasse no dia seguinte para buscá-lo.


Boquiaberta, ela saiu devagar, mas aparentava esperança nos olhos e ela recomeçava na rua a andar pulando, que era seu modo estranho de andar pelas ruas de Maceió. Dessa vez nem caiu: guiava-lhe a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a sua vida inteira, o amorpelo mundo a esperava, andou pulando pelas ruas como sempre e não caiu nenhuma vez.


Mas não ficou somente nisso. Meu plano secreto era tranquilo e diabólico no dia seguinte lá estava ela à porta de minha casa, com um sorriso e o coração batendo, para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em meu poder que ela voltasse no dia seguinte. Mal sabia ela que mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia ser repetir com seu coração batendo e assim continuou. Quanto tempo? Nao sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fio da esperança não escorresse do seu corpo. Eu já começara a perceber que ela sabia que eu à escolhera para sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes eu aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente sofrer.


Quanto tempo? Ela vinha diariamente a minha casa, sem faltar um dia sequer. As vezes eu dizia: pois o livro esteve comigo ontem a tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E ela, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras cavando sob seus olhos espantados.


Até certo dia, quando eu estava à porta de minha casa, ouvindo humilde e silênciosa a sua petição, apareceu minha mãe. Ela devia esta estranhando a aparição discreta e diaria daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco eluicidativas. Ela achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo, até que minha boa mãe entendeu. Voltou-se para mim e com enorme surpresa exclamou: Mas este livro nunca saiu de casa e você nem quis ler!


 E o pior, para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Acredito que sua principal frustração deveia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina negra em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Maceió. Foi então que, se refazendo, disse firme e calma para mim: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para ela: “E você fica com o livro por quanto tempo quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.


Como contar o que se seguiu? Alguns anos depois ela me contou...


Foi um daqueles momentos em que a vida parece suspensa, etérea, a felicidade pendente como uma gota de chuva em uma folha trémula. O que quer que acontecesse, eu me lembraria desse dia para sempre. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.


Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo em êxtase puríssimo.


Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.


 



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Autor(a): adriano_pereira

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