Fanfic: Felicidade Clandestina | Tema: Música, Menino, Fita, Capital Inicial, Acústico Mtv

Havia um menino em nossa escola, a nossa amada escola, que sempre estava rodeado de amigos, ele tinha aparência de limpo, cabelos penteados, dentes escovados, deixava sempre o cheiro fresco de colônia por onde passava, suas roupas estavam constantemente passadas, tênis sempre limpos, quando todos os nossos estavam sujos com a aparência de terem sidos usados por todos os nossos antepassados até chegar em nós, sem nunca terem sido devidamente limpos, a impressão que eu tinha era que todos os dias ele usava um tênis novo, sempre igual, nunca usado antes.

Ele se chamava Pietro, Pietro sempre estava na cantina, nunca na fila da merenda, Pietro tinha um estranho grupo de amigos/seguidores, era esquisito e engraçado ao mesmo tempo, ele me lembrava aqueles vilões de filmes que sempre estão acompanhados dos comparsas, Pietro tinha TV a cabo, e tinha um dispositivo mágico que possibilitava que ele ouvisse música onde quer que estivesse, ele chamava de walkman, eu achava irado, onde quer que você estivesse você podia ouvir música, já pensou ?

Eu podia ouvir o som saindo dos fones do walkman de Pietro, na sala de aula, no refeitório, no nosso ônibus, vi que Pietro segurava em suas mãos a última novidade ''Acústico Mtv Capital Inicial'', que a rádio as vezes tocava apenas uma música, a mesma música, comecei a estar onde Pietro estava, em busca de poder ouvir mais um pouquinho, um pouquinho que seja, poxa, seria legal se Pietro me deixasse ouvir uma música, ou duas, ou toda a fita, ou, sei lá, me deixasse ouvir na hora do almoço, era só um pouquinho, não ia custar nada.

Durante a viagem de volta sentei ao lado de Pietro, ele sentou, colocou os fones do ouvido, ligou e apertou o botão, fez ''clec'' e começou o rapaz cantando ''sou o passageiro, rodo sem parar'', me arrepiei, comecei a cantar, fazendo de forma proposital que Pietro notasse a minha empolgação, ele notou, eu percebi, ele tirou os fones e perguntou se eu gostava, eu disse que sim, começamos a conversar, que legal, e aí eu fiquei pensando se poderíamos ser amigos, será que ele me emprestaria o walkman ?, será que ele me deixaria ouvir ?, ele com um lado do fone e eu com outro ?, afinal de contas a música se chamava ''o passageiro'' e nós ali éramos os passageiros, todos nós somos passageiros desse grande ônibus que é a vida pelo mundo, me senti poeta. Pietro riu, fez cara de que eu estava parecendo um louco, eu estava feliz, Pietro rir foi um bom sinal, eu disse que eu escutava a música pela rádio, ele disse que o canal passava o show inteiro, todos os dias, eu achei um máximo, eu praticamente não tinha televisão, só tinha dois canais, ele disse que mtv era um canal, que só passava música, não acreditei, eu queria ter mtv também, seria ótimo, o walkman desligou antes da música acabar, ele disse que descarregou, ele me convidou pra sentar perto dele no dia seguinte, que assim eu poderia ouvir.

E então no dia seguinte, ele estava se pilhas para poder usar o walkman, e mais um dia eu esperei, e no outro tinha se esquecido de comprar as pilhas, e no outro esqueceu o dinheiro em casa, e comprou pilhas, mas as malditas pilhas estavam ruins, outro motivo, e mais outro, e perdi a noção de quanto tempo fazia da nossa conversa dentro do ônibus do colégio, e fui deixando os dias se passarem, sem tirar a música da minha cabeça, e não esquecia da fita, da mtv passando o show inteiro, todos os dias sem parar, de uma moça que cantava junto, a tal da Zélia, eu não sabia se ainda éramos passageiros, me questionei se em algum momento chegamos a ser passageiros, será que eu fui o escolhido dentre todos os outros para passar por esse martírio, será que estava Pietro a se deliciar em ver a minha expectativa ?, me fazer criar a expectativa e nunca se realizar ?, acreditei em vão na amizade de Pietro ?, será que Pietro não tem dó de mim ?, um dia ouvirei a voz da Zélia ?, aprendi a conviver com a incerteza.

Algum tempo depois, Pietro não estava no ônibus da escola, não estava no lugar de costume do ônibus, não tinha ninguém em seu ponto, onde ele subia no ônibus, nosso ônibus chegou na escola, e tinha um carro em frente ao colégio, um carro muito bonito, que todos olharam, era Pietro, seus pais perderam a hora e tiveram que levá-lo até o colégio, não sabia do motivo fui preocupado falar com ele, poderia ter acontecido algo sério, a princípio foi só um atraso, Pietro falava com seu pai, com os fones ao redor do pescoço, música tocando alta, e a luz vermelha acessa, cumprimentei os dois, olhando para o walkman, e disse para Pietro que estava feliz por ele ter conseguido pilhas novas para o walkman, e que enfim ele poderia me emprestar, o pai de Pietro estranhou quando me ouviu dizer essa frase, e me olhou de cima a baixo, e disse que não entendeu a respeito das pilhas, expliquei toda a odisseia que eu e Pietro atravessamos desde o dia da conversa no banco de ônibus até aquele momento, o tempo fechou para pai e filho, Pietro mudou, ficou de um jeito que eu jamais tinha visto, o pai de Pietro disse que o walkman poderia ficar emprestado comigo, me deu uma embalagem com pilhas extras, e que eu poderia levar emprestado que quando tivesse enjoado de ouvir que eu poderia devolver, e me convidou para um almoço na casa deles, a casa ficava em um lugar que eu nunca tinha ido antes, mas concordei, nesse dia não houve aula, fui embora pra casa, todos fomos, cada um para sua.

Fui para a minha casa ouvindo a fita, ouvi a voz da Zélia, a Duncan, ou seria Dancan ?, ouvi novamente, eles falavam de uma galáxia distante, sobre uma legião, pelo nome deve ser muita gente, muita gente em uma cidade, eles devem ficar em uma parte bem urbana, os dias se passavam, e eu continuava com aquelas músicas, aquelas músicas preenchiam os meus dias, aquelas músicas cantadas viravam filmes dentro da minha cabeça, e mesmo sem sair de casa eu me sentia como se tivesse indo a vários lugares, eu tinha me transformado em uma espécie de passageiro.