Fanfics Brasil - A ILÍCITA FELICIDADE A Ilícita Felicidade

Fanfic: A Ilícita Felicidade | Tema: Infancia, adolescência, família e amor.


Capítulo: A ILÍCITA FELICIDADE

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               Ele era gordo, alto, branco e de cabelos excessivamente loiros, meio castanhados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todos ainda éramos achatados. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos de seu casaco, por cima do busto, com diferentes tipos de doces. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de livros e histórias gastaria de ter: um pai dono de livraria.


                Pouco se aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário em vez de pelo menos qualquer um livro barato, ele nos deixava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era a paisagem da ponte de Manhattan mesmo, perto de onde morávamos, com seus prédios mais do que vistos. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "Dia de Ação de Graças" e "saudade".


               Mas que grande talento tinha para a maldade. Ele todo era puro vingativo, mastigando fazendo barulho. Como esse garoto devia nos odiar, Nós que éramos imperdoavelmente gentis, educados, e buscávamos sempre ser amigos de todos. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ansiedade de leitura, eu nem notava as humilhações a que ele me envolvia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ele não lia.


              Até que veio para ele um magno dia de começar a execer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía Hamlet, de William Shakespeare.


               Era um livro pequeno, meu Deus, era um livro para ficar lendo e relendo e para se viver com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pelo seu apartamento no dia seguinte e que ele o emprestaria.


               Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperaça de alegria: eu não vivia, nadava lentamente num oceano calmo, as ondas me levavam e me traziam .


               No dia seguinte fui à seu apartamento, literalmente correndo. Ele não morava numa casa de classe média-baixa como eu, e sim num apartamento. Não me mandou entrar. Olhando bem para os meus olhos castanhos, disse-me que havia emprestado o livro a outro garoto, e que eu voltasse no dia seguinte para busca-lo. De queixo caído, saí lentamente, mas em breve a esperança de novo me tomava todo e eu recomeçava na rua a andar dançando, que era meu modo estranho de andar pelas ruas do Brooklyn. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei dançando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.


               Mas não ficou simples assim. O plano secreto do filho do dono da livraria perto de Manhattan era simples e cruel. No dia seguinte lá estava eu à porta de seu apartamento. com um sorriso e o coração quente. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, ao passar do tempo, o drama do "dia seguinte" com ele ia se repetir com meu coração quente e pulsando de ansiedade.


               E assim, continuou. Quanto tempo? Não sei. Ele sabia que era tempo sem definição, enquanto o fel não escorresse todo seu corpo grosso. Eu ja começara a adivinhar que ele me escolhera para sofrer, as vezes penso e adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer tal maldade esteja precisando danadamente que eu sofra.


               Quando tempo? Eu ia diariamente a seu apartamento, sem faltar um dia se quer. Às vezes ele dizia: pois o livro estave comigo ontem a tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outro garoto. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob meus olhos castanhos espantados.


               Até que um dia, quando eu estava à porta de seu apartamento, ouvindo humilde silenciosamente a sua recusa, apareceu seu pai. Ele devia estar estranhando a aparição muda e diária daquele garoto de aparentemente 12 anos de idade à porta de seu apartamento. pediu explicações a nós dois. Houve uma silenciosa confusão, entrecortada de palavras pouco elucidativas da parte de seu filho. O senhor achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que esse pai claramente entendeu. Voltou-se para o seu filho e com enorme surpresa afirmou: mas esse livro nunca saiu de nosso apartamento e você nem quis ler!


               E o pior para esse homem não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorisada do filho que tinha.  Ele nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de seu filho desconhecido e o garoto de cabelos pretos em pé à porta, extremamente cansado, ao vento e chuva das ruas do Brooklyn.  Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calmo para o filho: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendam? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo que uma pessoa, criança, adolescente ou adulto, pequeno ou grande, pode ter a ousadia de querer.


               Como contar o que se seguiu? Eu estava estatalado, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí dançando como sempre. Saí andando bem lentamente. Sei que segurava o livro fino e pequeno em minhas mãos, comprimindo-o em meu peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, pouco me importa. Meu corpo estava gelado com os ventos e chuva forte que Nova York derramara em seus bairros , mas meu peito estava quente, e meu coração pensativo.


               Chegando em casa, não comecei a ler. Realmente fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui andar pela casa, adiei ainda mais indo comer macarronada, fingi que não sabia onde guardava o livro. achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa ilícita que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser ilícita para mim. Parece que eu ja pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho em pudor em mim. Eu era um rei delicado.


               Às vezes sentava-me em um banco qualquer do Central Park, respirando fundo com o livro aberto em meu colo, sem tocá-lo, êxtase puríssimo.


               Não era mais um garoto com um livro: era um homem com um grande amor.



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Autor(a): matheus_leal

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