Fanfics Brasil - Felicidade Felicidade

Fanfic: Felicidade | Tema: Felicidade Clandestina


Capítulo: Felicidade

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FELICIDADE


 


Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas, não tinha amigos, ficava sempre sozinha no canto. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.


E como ela aproveitava. Quando a convidavam para festas de aniversário, ela sempre levava um livrinho de presente, mais não interagia com ninguém, sempre só.


Mas quanta generosidade ela tinha guardada. Ela toda era pura timidez, sempre quieta com seus livros. Como essa menina devia se sentir só, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo despertou uma vontade de me aproximar, eu gostava de fazer amizades e adorava ler. Na minha curiosidade e ânsia de ler, eu me aproximei e pedi emprestados os livros que ela já tinha lido. Ela nem me respondeu.


No dia seguinte ela apareceu com um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o, era As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Eu não me segurei, aproximei dela novamente e falei o meu nome, ela levantou a cabeça, me olhou e falou o seu nome também, então eu perguntei sobre o livro que ela estava lendo e para minha surpresa ela disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte que ela o emprestaria.  Eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.


No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Sua mãe me mandou entrar, estranhou a minha visita e ao mesmo tempo ficou contente, pois sua filha não costumava receber ninguém.


Ao entrar, percebi que ela ainda não havia terminado de ler o livro, mais mesmo assim iria me emprestar, então me veio a ideia de ao invés de pegar emprestado, começássemos a ler juntas e ela aceitou a minha proposta. Lemos algumas páginas e nos divertimos muito, então chegou a hora de ir embora e antes que eu perguntasse se podia voltar no dia seguinte, ela me pediu que voltasse, então eu perguntei se podia trazer uma amiga e ela meio tímida disse que sim. 


Boquiaberta, saí devagar, mas não consegui me conter e recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro e a possibilidade de ajudar aquela menina a se libertar e a fazer amizades. O dia seguinte viria e eu retornei à casa dela, dessa vez com uma amiga e lemos juntas novamente. Os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.


Mas não ficou simplesmente nisso. Comecei a levar um colega novo a cada dia e assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Só sei que ela estava mais solta e feliz, nem parecia mais a menina triste e solitária de antes. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu ser sua melhor amiga, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito. Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Lemos não só esse, como diversos outros livros.


Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, sua mãe me abordou e falou do bem imenso que eu havia feito à sua filha, pediu que eu levasse todos os colegas que já havia levado comigo à sua casa que ela faria uma confraternização em agradecimento e que me daria um livro de presente, pois sua filha havia superado a timidez, feito amizades e estava mais feliz.


Eu sai pulando de alegria, pois além de tudo, ainda iria ganhar um livro, um livro só para mim, valia mais do que me dar o livro: era um sonho a ser realizado, é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.  Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim fomos à confraternização e recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Era o livro: As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, aquele dos meus sonhos.


Chegando em casa, não comecei a reler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, reli algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa que era a felicidade. Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.  Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo, sem contar que além do livro, conquistei também a amizade daquela garota, tudo era felicidade.


 



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Autor(a): livia_rosa_alcantara

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