Fanfic: Felicidade Clandestina | Tema: conto
FELICIDADE CLANDESTINA
Mente Fabulosa
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente ondulados, meio acastanhados. Tinha um busto bem desenvolvido, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Era a pura maldade em pessoa, com uma mente fabulosa, cheia de criações imaginárias e ainda possuía o que qualquer devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Rebeca aproveitava com satisfação os variados livros que tinham na livraria de seu pai. Tudo que nós queríamos é que pelo menos no nosso aniversário, já que fazíamos parte do mesmo grupo de amizades de infância; em vez de um cartão-postal da loja do pai, nos presenteassem com pelo menos um livrinho barato. Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança chupando balas em barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas de cabelos lisos. Comigo, principalmente exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: costumava a implorar-lhe emprestados os livros que pra mim eram fabulosos e um deles era: "A Reforma da Natureza" de Monteiro Lobato. Era um livro com 168 páginas, meu Deus era um livro para ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o, meu sonho de consumo, viajar na minha imaginação juntamente com Tia Anastácia e o Visconde de Sabugosa que na história foram convidados a participar de uma conferência de paz na Europa; infelizmente, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que me emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam. O tão esperado dia chegou, com toda alegria, meu coração parecia sair do peito de tanta emoção fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava numa casa simples de 3 cômodos como eu, e sim numa casa cheia de cõmodos, linda, que pra mim parecia um sonho. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina que veio de madrugada vestida de fantasma perdir o livro e ela foi obrigada a emprestar, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, achando estranho o que ela me disse sobre a menina que veio pegar o livro e fui embora com meu coração menos acelerado, desanimado e triste. Eu recomeçava a andar pelas ruas do Rio de Janeiro pensando agora que o dia seguinte viria. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte eu estava lá à porta de sua casa bem cedinho, com um sorriso e o coração batendo cheio de esperança, para ouvir a resposta calma: o livro de novo não estava no seu poder, uma bruxa sem cabeça veio na noite anterior e levou o livro, que eu voltasse no dia seguinte. E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer, e ela sempre com uma nova desculpa de que alguém da sua imaginação criativa estava com o livro. Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua vózinha, era uma senhora velhinha, com o rosto cansado; mas com olhos brilhantes. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecoberta de palavras pouco elucidativas. E finalmente aquela boa vó, voltou-se para a neta e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você já leu ele várias vezes! E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da neta que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua neta desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas do Rio de Janeiro. Foi então que finalmente se refazendo, disse firme e calma para a neta: você vai fazer uma boa ação agora mesmo, presentear essa perseverante menina com este livro. Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro com as duas mãos comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Cheguei em casa, logo comecei a ler o livro e viajava através da minha imaginação criando situações fabulosas. Era como se eu estivesse lá com os personagens do livro participando de tudo; me sentia alegre, realizada pude ver que saí do meu mundinho limitado e ganhei novos horizontes. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante. Então compreendi, que não era só Rebeca que tinha uma mente fabulosa; porque com a nossa imaginação podemos estar em qualquer lugar.
Autor(a): ligiangeli_soares_vieira_gomes
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