Fanfic: Fanfic Felicidade Clandestina - O prazer de uma vitória | Tema: Literatura infanto-juvenil
Felicidade Clandestina - O prazer de uma vitória
Quando acordei naquela manhã, sem atrativos e rotineira, para ir à escola, não imaginava que travaria uma árdua batalha para obter êxito em uma conquista, que se tornaria quase uma obsessão.
Na saída de casa já encontrei com a turma de sempre, sentindo a mesma preguiça matutina que o novembro nos trazia junto com o calor, vencida apenas pela disposição para a bagunça que fazíamos até a escola.
Ela fazia o mesmo trajeto que nós, ia pelo outro lado da calçada e apenas observava, sempre com uma expressão de reprovação no rosto. Quando íamos pra outra calçada ela atravessava e fazia um muxoxo, provocando muitos risos em todos nós.
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos meio arruivados, e fazia questão de armá-los para parecer mais alta. Sempre estava sozinha, pois assim desejava, suas únicas companhias eram seus bolsos cheios de balas que carregava no peito da camisa, deixando os peitos enormes, não bastasse o tamanho natural, já nós, éramos lisas como tábuas.
Nossos caminhos se cruzaram quando a escola organizou um concurso de textos literários para as séries finais, no qual, a melhor redação produzida baseada em uma obra literária, receberia um prêmio do Ministério da Educação. Claro que todas nós queríamos participar e ganhar. Talvez não possuíssemos o talento para escrever, mas teríamos o auxílio dos professores.
Todavia eu tinha um pequeno empecilho em minha empreitada: um bom livro não se enquadrava em minhas posses.
Na escola não se falava em outra coisa, nem eu mesma cabia em mim na esperança de produzir um bom texto e foi aí que tomei uma decisão: fui procurá-la.
De todas, ela era a única que tinha acesso total à bons livros já que possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter, um pai que era dono de uma livraria. Pouco aproveitava, também não presenteava ninguém nem ao menos com um livrinho de bolso. Em aniversários, nos entregava apenas um cartão postal da loja do pai, enquanto chupava balas com barulho, que também não dividia.
Tomei coragem e fui até sua casa. Quando me viu um estranho brilho surgiu em seu rosto, possivelmente já imaginando como faria para me humilhar da melhor maneira, me fazendo implorar pelos livros que ela não lia. De pronto perguntou o que eu queria e respondi, esperançosa, se me emprestaria um livro para a redação. Estranhamente a resposta foi sim, e ainda me perguntou se poderia ser as Reinações De Narizinho de Monteiro Lobato.
Meu Deus! Fui às nuvens, era um livro grosso, rico, cheio de histórias e que eu nunca poderia comprar. Era um livro para se viver, comer, dormir e sonhar com ele.
Disse-me que fosse no outro dia buscar e não contasse a ninguém da escola senão todos iriam querer, e que emprestaria somente para mim.
Até o dia seguinte eu era o retrato da alegria. Já me imaginava escrevendo as partes da história que mais gostei e recebendo o prêmio de primeiro lugar, que se tratava de uma viagem com acompanhante, quem levaria?
Na tarde seguinte enfrentei o calor de 40 graus e fui correndo à sua casa. Bati, me atendeu, porém não mandou entrar. Olhando bem nos meus olhos disse-me que havia acabado de emprestar o livro à outra menina, que eu voltasse outro dia para buscá-lo. Desconfiada, saí devagar mas, em seguida, a esperança me tomava conta e lá ia eu, sonhando feliz com o momento de ter o livro em minhas mãos.
Mas não ficou apenas nisso, seu plano era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu na porta de sua casa com o coração esperançoso, tornando-me cúmplice e vítima quase voluntária de sua maldade.
E assim, quantos dias se passaram? Não sei, mas faltava duas semanas para o concurso de redação e percebi que por ela continuaria até que todo o rancor escorresse, como um fel de seu corpo grosso e malvado.
Pensei em desistir, e já realizava outras leituras, entretanto, ela me procurava e com voz angelical dizia: “estou com o livro, pode ir pegar mais tarde”. Mas quando ia buscá-lo, a resposta era sempre uma negativa: “você demorou, de modo que emprestei à outra menina”. Numa dessas visitas, apareceu de surpresa sua mãe, que me viu à porta implorando mais uma vez. A senhora era muito bela, parecia um anjo com cachos ruivos e tinha uma expressão de surpresa em seu olhar que, ao me ver, sorriu de maneira bondosa e perguntou se eu era amiga de sua filha. Ficamos confusas sem saber o que responder, então a mãe pediu que eu entrasse e exigiu uma explicação, dizendo que há dias via alguém chegar em sua varanda. Não sabíamos como explicar, eu por não ser delatora e ela para não assumir que estava me enganando. Em meio a palavras desconexas, a senhora finalmente entendeu, e quando entendeu, falou que o livro sempre esteve em poder de sua filha, que por sinal, não quis lê-lo.
A boa mãe mostrou decepção em seu semblante quando entendeu a maldade de sua filha, entretanto disse que emprestasse o livro agora mesmo e que eu ficasse com ele pelo tempo que eu quisesse.
Neste momento, percebendo a decepção de sua amada mãe, a menina desabou em lágrimas e confessou a nós duas seus sentimentos mais intrinsicamente íntimos. A verdade, que nem ela mesma antes tivera coragem de admitir, era que seu coração estava tomado pela inveja e rancor. Éramos um grupo muito unido e composto de amigas imperdoavelmente bonitinhas para os padrões sociais. Vendo a pobre moça naquele estado, não tive outra opção senão abraçá-la e deixar para trás os momentos de infortúnio que ela havia me feito passar.
Depois daquela cena, recebi o livro das mãos de minha algoz que, depois de se recompor, praticamente me implorou para que não contasse à ninguém o que eu havia presenciado. Depois de receber o livro, nada mais importava e não sei nem ao menos descrever o sentimento que se apossou de meu jovem e cansado corpo, apenas agradeci e saí caminhando em nuvens, com o peito transbordando felicidade.
Cheguei em casa e fui direto ao meu quarto para lê-lo. Devorei, lia na escola, na rede, no chão, enquanto comia e à noite ainda adormecia com ele em minhas mãos. Lia e relia os capítulos para prolongar o prazer proporcionado. Às vezes o escondia para encontrá-lo em breve e seguir com o deleite.
Minha relação com ela não teve alteração nenhuma, pois nos dias posteriores até tentei uma aproximação, mas fui tratada secamente. Infelizmente algumas pessoas não conseguem deixar de lado os maus sentimentos.
Mas voltando ao assunto principal, fiz uma boa redação, mas não ganhei o concurso. Não importou muito, o que poderia ter sido uma derrota foi esquecido com a vitória que veio a seguir. Quando fui finalmente devolver e agradecer o livro, a boa mãe me disse que a filha teria imenso prazer em emprestar outros livros se assim eu desejasse. Claro que aceitei, e por muito tempo tive o prazer de realizar boas leituras, promotoras de minha felicidade, e até ganhei alguns livros de aniversário.
Autor(a): neiva
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