Fanfic: Minha Felicidade Clandestina | Tema: Felicidade clandestina - Clarice Lispector
MINHA FELICIDADE CLANDESTINA
Eu sou gorda, baixa, sardenha e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados, é o que minhas colegas dizem sobre mim. Tenho um busto que considero enorme, enquanto todas as outras meninas são achatadas e magricelas. Como se não bastasse, adoro encher os bolsos com balas, talvez, como forma de adoçar a minha vida, que em muitos momentos, diante das minhas frustrações, se torna amargurada.
Há quem diga que sou mal agradecida pelo que tenho, uma vez que possuo boas condições financeiras e tenho tudo o que preciso e um pouquinho mais. Além disso, tenho algo que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de uma livraria. O que ninguém sabe é que esse é um dos meus piores pesadelos.
Com uma mãe professora de literatura e o pai dono de uma livraria, meu destino não poderia ser outro, na visão deles, que não fosse uma leitora nata.
Gosto de música e tenho um violão, minha maior alegria é compor canções, dessas que mexem com o coração da gente. A cada cifrão que ouço quando deslizo suavemente meus dedos sobre as cordas do violão sinto uma emoção tão profunda que meu coração entra em um ritmo aceleradamente incontrolável.
Eu gosto de música, inclusive, já compus várias e toco-as com maestria, esse é o meu don, a minha vocação, a coisa que mais amo e sei fazer.
Na última quinta-feira fui elogiada pelo professor de música do coral da escola, meus olhos brilharam quando ele disse que eu tenho grande talento para a música, me convidando, por fim, para participar do evento de música que acontecerá aqui no bairro.
Inquieta e ao mesmo tempo estonteante de tanta felicidade, fui saltitando pelas ruas de recife até chegar em casa para pedir aos meus pais que me deixassem participar do evento em que eu acabara de ser convidada. Porém, sem qualquer reflexão acerca da assunto, imediatamente, recebi um não como resposta que despedaçou meu coração.
O que meus pais não entendem é que eu sou música, essa é minha felicidade, que apesar de clandestina, em meu coração é evidente.
Eu não tenho amigos, meu único amigo é meu cachorro, chamado Eurico. Apesar de tentar ser legal, meu jeito “diferentão” afasta um pouco as outras meninas. Mas eu tenho a música e eu já disse que gosto dela?!
Triste, por ter meu sonho barrado bruscamente pelos meus pais, fui para a escola, momento em que a professora Soraia dividiu nossa sala em duplas cujas quais deveriam desenvolver um trabalho relacionado a poesia. Considerando que eu nunca conseguia formar dupla com ninguém, a professora resolveu intervir.
Então, ao meu encontro veio Helena, uma menina bem diferente de mim, alguém com quem eu nunca havia conversado. Ela era imperdoavelmente bonitinha, esguia, alta e com os cabelos livres. Como se não bastasse tanta formosura, ela era ”nerd” e amava ler, seja qual for o gênero literário, características essas que eu gostaria de ter.
Após conversarmos alguns minutos percebi que além de tudo, ela ainda era muito simpática, me confessando que a sua leitura favorita era As Reinantes de Narizinho de Monteiro Lobato, livro esse que eu tenho há mais de três anos e nunca sequer folheei as suas páginas.
Dialogando com ela dei várias risadas e, por alguns instantes, me senti enturmada, sentimento esse que jamais tive. Contudo, em minha cabeça, o medo de decepcionar Helena me angustiada. Será que Helena seria minha amiga?!
Então, me surgiu uma brilhante, porém cruel, ideia: emprestar meu livro a Helena, a modo que lhe faça ir até a minha casa brincar e talvez até frequentá-la.
Quando sugeri o empréstimo, um belo e brilhante sorriso surgiu no rosto de Helena que, imediatamente, concordou com a proposta me informando que naquela mesma tarde iria até a minha casa para buscar o livro.
Feliz, mas nervosa, já que nunca nenhuma menina quis me visitar, fui correndo para a casa. Almocei com tanta pressa que sequer comi o bolinho de carne que tanto amo. Estava tão ansiosa pela chegada do Helena que sequer encostei no meu violão. Quando escutei a campainha tocar, sai correndo para abrir o portão, convidando Helena para entrar.
Distraída com os vários objetos interessantes que estabeleciam em minha casa, Helena até esqueceu do livro que vinha buscar. Aproveitei para convidá-la para brincar de bonecas. Eu e Helena brincamos a tarde inteira, como se não houvesse amanhã. Em nossas brincadeiras, desenvolvemos vários dramas, romances e comédias, histórias dignas de novelas televisivas. Nunca havia me divertido tanto. Seria Helena minha primeira, única e grande amiga? Logo eu, que sou a chatice em pessoa, cheia de manias, a esquisita que é gordinha e sem graça? Poderia eu ter uma amiga?
O medo de perder minha grande amizade em eminência fez eu cometer a pior crueldade: dizer a Helena que já havia emprestado o livro a minha prima. Em minha imaginação, isso faria com que Helena retornasse mais vezes a minha casa para buscar o livro, assim, eu poderia reviver outras tardes maravilhosas como essa.
O semblante de Helena mudou completamente após a minha maquiavélica fala. Mas a garota concordou e afirmou que retornaria no próximo dia. Esse brilhante dilema durou por duas semanas incessantes. Helena retornava todos os dias com a esperança de sair com o livro contra seu peito e eu brincava contente todas as tardes com aquela que já era uma grande amizade.
Ocorre que Helena já não brincava como antes, estava frustrada com a ideia de ainda não ter o livro que tanto almejava ler, por isso, já não confiava mais em minha palavra.
No sábado de manhã quando tocou a campainha, por infelicidade, quem atendeu foi minha mãe. Quando Helena contou-a o porquê vinha todos os dias até a minha casa, mamãe olhou ferozmente para mim e disse a Helena que o livro nunca havia saído da nossa casa.
Por conseguinte, minha mãe entregou o livro nas delicadas mãos de Helena e a parabenizou pelo seu gosto pela leitura, diferentemente de sua filha que amava mais a música do que qualquer outra coisa e ignorava os livros, infelizmente.
Esplendidamente contente, Helena agradeceu e saiu saltitando com o livro em seu colo.
Novamente eu me encontrava sozinha, triste e solitária. Helena não seria mais a minha amiga, eu não sou quem os meus pais gostariam que eu fosse e a minha única felicidade, apesar de ser clandestina, voltou a ser a música, sonho esse que, pelos meus pais, jamais se concretizará.
Autor(a): amandarochamachado
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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