Fanfics Brasil - O caminho e suas marcas Felicidade por pouco tempo

Fanfic: Felicidade por pouco tempo | Tema: Felicidade Clandestina


Capítulo: O caminho e suas marcas

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Felicidade por pouco tempo


 


Ele era durão, dono da verdade, autoritário, sisudo, não gostava de conversar nem de demonstrar afeto (não me lembro de ter brincado comigo, nem de ter me colocado no colo nem de me fazer sorrir), era ultraconservador, católico, do tipo medieval, aos domingos nos deixava em pé por mais de uma hora ouvindo a missa através do rádio dentro de um quartinho cheio de imagens de santos recortados ao final do ano das  folhinhas; nos fazia todos os ir trabalhar na roça sem que pudéssemos questionar, ia à frente e ai de um de nós que não o seguisse; mas mesmo assim no final do dia aproveitávamos para correr atrás de uma bola velha de futebol, torta e ressecada do sol, que de tão dura, parecia era feita de madeira, mas naquele curto espaço de tempo que o escuro da noite em meios aos chamados da nossa mãe para irmos tomar banho nos obrigava a interromper a brincadeira, mesmo assim, ainda dava tempo de brincar de faz de conta de ser o Taffarel ou o Romário... E também arrancar a cabeça do dedão que ao chutar a bola acertava primeiro o chão.


Mas ele fazia algo que qualquer criança que vivesse sob seu olhar controlador e repressivo adorava ter: Sua ausência, é que toda semana ele saía de casa na sexta-feira e só voltava no sábado à tarde. É que morávamos na zona rural, na roça, mas ele toda semana ia a cidade para “pegar a feira” era como falava quem vendia produtos na feira livre e na minha cidade eram dois dias, na sexta-feira e no sábado.


Era um período de alívio, mas pouco aproveitávamos, corríamos para cumprir logo a tarefa que ele nos deixava para o período de sua ausência, mas ele sabia calcular o trabalho e o tempo que gastaríamos para realizar, por mais esforço que fazíamos o tempo que nos restava livre era curto.


A noite sem ele por perto tudo era mais leve, relaxado, ouvíamos a estação de rádio que gostaríamos(na verdade só queríamos ter o prazer de ouvir e saber que existiam outras estações de rádio sem ser a Rádio Globo RJ; tínhamos uma tia que nos ia fazer companhia durante a noite na sua ausência, nos contava causos, jogava dominó (ele tinha um dominó, mas não podíamos brincar, por ser considero algo proibido por Deus), mas como ele não estava presente cometíamos esse pecado e parecia ser algo do outro mundo, de tão divertido. Mas logo o dia amanhece ele retorna da cidade e a contagem regressiva para sua nova ida a cidade recomeça.


A escola era um lugar onde se encontrava um pouco de descanso depois de uma manhã intensa de trabalho, plantando mandioca ou carpindo em meio ao pedregulho, ao meio dia voltávamos para casa, subindo e descendo ladeiras em meio ao mato montados no lombo de um jumento percorríamos cerca de uns 3 quilômetros para chegar em casa, para poder tomar banho, almoçar e ir para escola, onde aprendíamos a ler, a escrever e ser feliz por um tempinho, pois logo ao término da aula nada de ficar de conversa ou de brincadeira com algum colega, porque se a professora na volta da escola, passasse pela aquela estradinha enfrente a nossa casa, trajeto que ela fazia todos os dias para ir e vir à escola, e demorássemos um pouquinho a mais para chegarmos para cumprir as tarefas pós aulas, pode ter certeza que algo muito agradável não nos esperaria, mas não fazíamos isso, se não nos era permitido nem argumentar o contrário de suas determinações imaginar transgredi-las.


O tempo foi passando e aquela escola multisseriada já não podia mais suportar os meus irmão mais velhos, pois ali se ensinava apenas até a quarta séria, depois disso muitos davam o seu tempo escolar como encerrado e iam dedicar seu tempo integral aos trabalhos da roça em suas propriedades ou na diária para ganhar um dinheirinho ou iam embora para São Paulo ou outro lugar, onde já havia um parente. Foi nesse momento que vi o meu tempo de felicidade, que já era pouco ter a possibilidade de diminuir ainda mais em pouco anos à frente. Mas aquela professorinha que conhecia a nossa rotina tomou coragem e foi conversar com ele e disse: Senhor seus filhos já não têm condições de frequentar esta escola, já concluíram a quarta série, eu sugiro que o Senhor os matricule em uma escola na cidade. Foi nessa época que os nossos destinos começaram a mudar, ele concordou e meus dois irmãos mais velhos vieram morar na cidade na casa da minha vó, que era a mãe dele.


A partir desse dia eu comecei a sonhar em ter longos períodos de felicidade, invejava e imaginava meus irmãos na cidade, e somente eu e minha irmã caçula naquela vida dura ao lado dele sem liberdade para fazer quase nada que nos deixaria felizes e continuamos a percorrer aquela estradinha de casa para a escola juntamente com a professora.


Nos períodos de férias o sofrimento aumentava todos se juntavam novamente e os períodos de felicidade se resumiam entre ao entardecer e ao anoitecer, tempo em que nos transformavam em Taffarel e Romário com a velha bola dura.


Com o passar dos anos todos fomos para na cidade para poder dar continuidade aos estudos, mas mesmo longe fisicamente de sua presença, seu aspecto controlador, autoritário, que nos transmitia mais medo do confiança permaneciam intrínsecos em cada um de nós.


Todo feriado, recesso, férias tínhamos que pegar um transporte e ir trabalhar junto a ele na roça. Se não fossemos, era como ver a professora passar enfrente a nossa casa e não chegássemos para cumprir as tarefas pós aulas.


As férias de final de ano, os recessos juninos eram períodos que rezamos para poder passar depressa, mas parece que demoravam mais do que o ano letivo. Nessa época ele já não vinha mais a cidade “pegar a feira” isso já era responsabilidade nossa. Dessa forma, nessas ocasiões que não havia aula contávamos os dias para chegar à sexta-feira e vir para cidade. Na verdade já na quinta-feira à tarde caminhávamos cerca de três quilômetros até a pista para poder pegar o ônibus até a cidade, eram os três quilômetros mais felizes que caminhavam debaixo do sol quente, mas também eram os três quilômetros mais agonizante que faríamos aos domingos para recomeçar a labuta na segunda-feira até que essas malditas férias se findassem.


Assim o tempo passou, ele já não se faz mais presente no nosso meio, nunca falou se era feliz e nem o que era a felicidade e também nunca tive abertura nem coragem para perguntar.


Hoje brinco e converso com meus filhos, escuto e sou ouvido, peço e sou atendido. Brinco, reclamo, ponho de castigo, mas também beijo abraço e amo.


Já não é mais um menino com medo do pai, é um homem proporcionando felicidade aos filhos.


 


 


 


Fanfic – Baseada no conto intitulado “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector –


 


Autor: Luciano Maia dos Santos


 



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