Fanfics Brasil - 1 Pedacinho de Felicidade

Fanfic: Pedacinho de Felicidade | Tema: Amizade


Capítulo: 1

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PEDACINHO DE FELICIDADE


 


Seria um sonho, se podia imaginar, para qualquer um que amasse livros viver cercado por eles, ter um pai dono de livraria e passar horas e horas na companhia de heróis, viajando para outros mundos dentro das páginas de um livro, mas não para Ana. A menina baixinha, um pouco acima do peso com freqüência era vista lançando olhares de esguelha desinteressados, às vezes de desdém, para todo e qualquer livro que lhe aparecesse no campo de visão, embora sua falta de interesse em qualquer livro, fosse ele um romance ou livro ilustrado fosse mais do que evidente, era de conhecimento de todos que a menina era detentora de uma exuberante coleção de livros nunca tocados. Era também de conhecimento de todos a personalidade maldosa e quase cruel, que a menina possuía.


Clara por outro lado não podia ser mais diferente, um perfeito oposto da menina malvada que calhou de ser sua vizinha de mesa em quase todos os anos de escola. Completamente apaixonada por livros, Clara ouvia extasiada enquanto a outra lhe contava sobre todos os livros novos que ganhava do pai, dos embrulhos coloridos e do cheirinho de papel novo, com palavras enfeitadas e sorrisos egocêntricos ela destilava sua maldade crua sobre aquela pobre alma sonhadora que não tinha condições de possuir nem uma pequena porcentagem daquilo, finalizando com a promessa de que os emprestaria a ela um dia, e esse dia nunca chegava. Com o coração palpitando de desejo velado por devorar cada uma daquelas histórias, Clara se via a cada dia pedindo a Ana que lhe emprestasse os livros que não lia, ela mal se importava com os olhares feios, o maxilar tenso da outra menina enquanto mastigava chicletes que nunca oferecia a ninguém e a expressão desdenhosa em seu rosto sardento e rechonchudo sempre que se recusava a se desfazer de qualquer um de seus livros, mesmo aqueles já esquecidos na estante há muitos anos.


Mas Clara era uma leitora esperançosa e a cada dia com um sorriso ainda mais largo fazia uma nova tentativa de aproximação, ela oferecia uma bala ou um chiclete ou um pirulito, sabia que a outra amava doces, em seguida lhe perguntava como havia passado desde o dia anterior, obtendo uma resposta relutante e mal-humorada lhe perguntava sobre as novas aquisições da livraria de seu pai ou sobre os livros intocados que a mesma possuía. A reação era sempre a mesma, uma nova recusa de empréstimo, um olhar aborrecido e um suspiro irritado antes de se virar e ignorar Clara até que novamente sentisse vontade de exercer sua pequena tortura sobre Clara, perguntando-lhe qual de seus livros a menina mais queria ler.


Um dia calhou de chegar às mãos de Ana um livro que Clara almejava há muito tempo, um sonho brilhante aquecendo seu coração apaixonado pela leitura. Com pesar, sabia que a menina baixinha, muito ruiva e mal-humorada jamais o emprestaria, principalmente se chegasse aos seus ouvidos a realidade do quanto Clara o desejava. Foi com imensa surpresa e felicidade, no entanto que em certo dia Clara ouviu dos lábios arroxeados pelo corante de um pirulito de uva a promessa de Ana de que o livro lhe seria entregue no dia seguinte para que pudesse tê-lo em sua posse pelo tempo que desejasse. Clara mal podia se conter de tanta felicidade e expectativa, mal sabendo da mais nova tortura que a menina gorda de cabelos ruivos e crespos tinha planejado para ela, voltara para casa naquele dia saltitando, com um enorme sorriso no rosto e seus longos e lisos cabelos loiros esvoaçando a sua volta. A noite passou lenta, o sol pareceu demorar mais do que o normal para surgir no dia seguinte diante da ansiedade de Clara em finalmente ter em mãos o tão sonhado livro. Clara se sentou animada em seu lugar de sempre na sala de aula naquela manhã aguardando por Ana e pelo livro, qual não foi sua decepção quando a menina apareceu e o livro não estava com ela.  Esquecera-se, dissera com um falso sentimento na voz prometendo-lhe em seguida que no dia seguinte o levaria.


No dia seguinte, no entanto, se esquecera novamente, e no outro acabara por emprestar o livro a uma vizinha, no outro dissera que estivera em posse do livro e estava determinada a emprestá-lo para Clara, mas outra menina o pedira emprestado quando estava para sair de casa e pensando que Clara não se importaria em esperar um pouco mais o emprestara para a outra. Clara em sua ânsia e expectativa pelo livro tão almejado, mal se dava conta das humilhações a que estava sendo submetida pela outra menina e mesmo que guardasse certa mágoa pela demora e pela recusa, continuava a quase implorar para Ana por aquele pedacinho de felicidade que seria o livro novo em suas mãos.


Os dias se estenderam, vieram e se foram e Clara já perdia as esperanças de ter aquele livro em sua posse, mesmo que fosse por um curto período, até que diante do inicio das férias de meio de ano, recebeu um convite inesperado da garota ruiva. No intento de provocar-lhe um pouco mais antes que passassem o próximo mês sem se verem, Ana lhe disse que passasse em sua casa naquela tarde após a escola, pois o livro estava em sua posse e até aquele momento ninguém mais o pedira. Com a esperança renovada e o coração palpitando de alegria, Clara concordou imediatamente, sequer se importando que a casa da outra garota ficasse tão distante da sua. Naquela tarde Clara se encaminhou para a casa de Ana com um enorme sorriso no rosto e o coração saltando no peito de tanta expectativa, ao chegar à porta da casa, uma construção muito bonita, com um gramado verde bem cuidado e canteiros de flores coloridas, foi recebida pela ruiva, que exibiu um pequeno sorriso de falsa simpatia antes de contar-lhe que alguém havia procurado pelo livro pouco antes de Clara, que se a menina tivesse aparecido mais cedo talvez o tivesse encontrado. Clara, que sempre fora conhecida por ser uma garota calma não conseguiu formular uma resposta que fosse capaz de expressar sua indignação e frustração enquanto sentia seus cabelos castanhos úmidos de suor e a pele grudenta do calor que sentira ao caminhar de um lado a outro daquele bairro debaixo de um sol escaldante apenas para ver aquele fiapo de esperança ser novamente levado pelo vento.


Clara naquele momento estava disposta a ir embora e desistir, tristemente de seu sonho de leitora, mas talvez para manter uma pequena luz de esperança em Clara o pai de Ana chegava naquele momento em casa, um amante de livros como todo dono de livraria deveria ser, sentiu-se indignado quando ao questionar as duas meninas tomou conhecimento do tipo de comportamento que a filha demonstrava. Movido talvez pela indignação ao ver a filha negar a alguém algo pelo qual nunca se interessou ou talvez por uma estranha e singela ligação que só poderia existir entre duas pessoas que se entendiam e compartilhavam da mesma paixão, o homem alto com grandes óculos de armação marrom ordenou à filha que emprestasse para a outra menina o tão falado livro, que em realidade nunca nem mesmo havia saído do quarto de Ana, com a promessa de que poderia mantê-lo pelo tempo que desejasse. Relutante, mas de certo modo intimidada pela expressão dura do pai, Ana entregou para Clara o livro ainda embrulhado em plástico transparente e com uma expressão ressentida e irritada assistiu seu livro ser abraçado por Clara fortemente junto ao peito, viu o sorriso deslumbrante da menina mais alta e magrinha ao agradecer ao pai dela e então como uma criancinha feliz voltar caminhando lentamente e com cuidado pela calçada, desfrutando de sua mais nova e querida companhia.


Naquele momento de puro êxtase, Clara talvez não tivesse notado ou dado a devida importância para a cena que presenciara, apenas vários dias depois de ter desfrutado da companhia de seu livro emprestado, de tê-lo admirado na prateleira de seu quarto, desfrutado de tardes tranquilas em sua companhia na varanda de sua casa, lendo-o lentamente com o vento bagunçando-lhe os cabelos e fazendo as folhas do livro farfalharem levemente como se também desfrutasse daquela calmaria, apenas depois de passar cada minuto que podia em companhia do livro carregando-lhe fosse em seus braços ou em seu coração como uma mulher carrega seu amante que Clara se deu conta da expressão triste que nublava o rosto da outra menina diante da repreensão do pai e do sorriso gentil que o mesmo havia lançado a Clara pouco antes da menina sair. Por um instante Clara parou para pensar sobre isso, distraindo-se pela primeira de seu amante fiel para focar seus pensamentos em Ana. Com uma pontada percebeu de repente que nunca vira a outra menina parecer tão triste ou aborrecida com algo como se mostrou ao ver Clara se afastar sorridente com o livro naquele dia. Por um tempo pensou que a menina nutrisse algum tipo de ódio velado por ela e pelas outras meninas por serem diferentes, mais altinhas e bonitas do que ela, magrinhas e com cabelos lisos e sedosos, pensava que ela se ressentisse por isso, mas pensando seriamente sobre isso percebeu que talvez estivesse interpretando de forma errada os sentimentos e atitudes da outra menina. Deu-se conta pelo que parecia ser a primeira vez que nunca vira Ana em companhia de outras crianças, salvo nos momentos que tirava para praticar alguma maldade, a menina ruiva não pertencia a nenhum grupo de amigos, não conversava verdadeiramente com ninguém na escola e em todos aqueles anos em que se conheciam Clara era, provavelmente a pessoa mais próxima de Ana, mesmo que fosse na condição de alvo para suas crueldades, ela de certa forma era provavelmente a única presença constante para a outra menina, era a única que ainda se mantinha por perto, ignorando as crueldades da outra, mesmo que secretamente e ela nunca admitiria nem para si mesma, houvesse certo interesse por trás disso. Também havia a forma ressentida que Ana olhou para o pai quando o mesmo sorriu para Clara, foi uma situação estranha, quase parecia que a menina ruiva estava com ciúmes daquela singela e breve interação e então havia o próprio livro em suas mãos, tão bem cuidado, nunca sequer desembalado, mas também não havia sequer uma pequenina camada de poeira na superfície da embalagem transparente, por mais que Ana aparentasse pouco interesse pela leitura, o livro parecia bem cuidado demais para pertencer a alguém como Ana, que não se importava com livros de forma geral.


Naquela noite, sozinha em seu quarto e com os pensamentos longe, Clara sequer conseguiu se importar ou mesmo desfrutar da companhia de seu amado livro emprestado. Pela primeira vez em dias, ela sequer o tocara antes de deitar para dormir. A principio, quando o tocara pela primeira vez com a promessa de que poderia mantê-lo pelo tempo que quisesse Clara não tivera pressa em concluir a leitura, mas agora faltando poucas páginas para concluir o livro e com o pensamento preso na idéia de que talvez Ana amasse mais os livros que ganhava do pai do que demonstrava Clara só conseguia pensar em terminar logo sua leitura e devolver seu amado companheiro para a verdadeira dona.


Poucos dias se passaram, nos quais Clara se dedicou a terminar sua leitura e a pensar numa forma de se aproximar da outra menina, quando perdida em pensamentos, deitada em sua cama antes de dormir, se lembrou que ouvira certa vez a mãe de Ana dizer após uma reunião escolar para a mãe de uma de suas colegas que o pai da menina trabalhava demais com seus livros e nem sempre tinha tempo para a filha como costumava ter quando a mesma era pequena, se deu conta então de que talvez ela apenas quisesse um pouco mais da atenção e companhia que os livros haviam lhe tirado. Talvez Ana não odiasse livros, afinal, apenas a atenção do pai que eles haviam lhe roubado.


Com o coração acelerado e um sentimento novo e quentinho no peito, Clara saiu de sua casa no inicio da tarde, faltavam poucos dias para o fim das férias, o tempo estava quente e ela mantinha um sorriso tenso e ao mesmo tempo esperançoso durante todo o caminho até a casa de Ana. Ela abraçou o livro com força contra o peio como se pudesse retirar coragem de seus novos personagens favoritos, tocou a campainha e aguardou nervosa enquanto ninguém aparecia para atender, até que uma cabeleira ruiva, bem cheia e encaracolada surgiu de trás da porta. Ana, como sempre parecia aborrecida, Clara hesitou por um instante antes de estender o livro para a outra com um sorriso largo, a menina o pegou rapidamente passando os olhos pela capa como se o avaliasse para ter certeza de que havia sido bem cuidado. Percebendo que Clara ainda não havia feito menção de se afastar lhe lançou um olhar duro e questionou irritada se a outra queria mais alguma coisa. Está quente hoje, Clara respondeu, estava pensando em tomar um sorvete, gosta de sorvete? Poderia me acompanhar, o convite foi feito com um sorriso esperançoso. Ana hesitou por longos minutos avaliando Clara, buscando saber se o convite era verdadeiro ou um truque da outra menina pra se vingar pelo que ela havia feito. Foram longos minutos aguardando uma resposta e Clara já começava a desanimar quando Ana, ainda meio relutante pediu que ela esperasse, entrou na casa, guardou o livro de volta na prateleira com todos os outros e saiu para encontrar Clara ainda a esperando com um sorriso no rosto.


Naquela tarde elas tiveram um momento estranho, ambas ainda relutantes e desconfortáveis na presença da outra. Nos dias que se seguiram elas continuaram se encontrando no inicio da tarde, caminhavam até uma praça próxima e conversavam por longas horas. Com o tempo Clara percebeu que Ana não era tão ruim quanto fazia parecer e Ana estava mais feliz agora que não se sentia mais tão sozinha, já não se importava em compartilhar com a nova amiga os livros que não lia e até mesmo se sentia contente em ouvir Clara narrar as histórias emocionantes que lia para ela.



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Autor(a): sabrina_lacerda

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