Fanfics Brasil - A Felicidade Clandestina Continua... Peripécias da Felicidade Clandestina

Fanfic: Peripécias da Felicidade Clandestina | Tema: Literatura, Clássico


Capítulo: A Felicidade Clandestina Continua...

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       É curioso como o mundo dá voltas. Feito o redemoinho no parque, o qual lança as folhas das árvores. Diferentes folhas, que pelo capricho do vento, vagam no espaço entre os bancos, barcos voadores à deriva. Ora resolvido de destino, ora ao relento caótico das forças físicas. Ainda, essas folhas bem diferentes, simples ou compostas, paripenadas ou imparipenadas, encontrando e se desencontrando no ar, ao sabor das estatísticas naturais. Afastam-se, colidem-se, sobem e descem de nível, indefesas ao destino.
       Talvez eu sempre fosse a composta ou a paripenada, ou talvez nem fosse folha. Poderia muito bem ser uma flor advinda de um ipê, que sempre tivesse conhecido a majestade da pureza. Isso até me encontrar com aquela folha ressecada de ressentimento e inveja. Isso mesmo que pensaram leitores e leitoras! Aquela sádica rancorosa, herdeira da livraria que viria a ser grande e famosa em Recife.
       Lembro-me, ainda hoje, do prazer de procrastinar a leitura do que se tornariam uma das minhas primeiras e melhores experiências da literatura. Lembro-me das páginas que eram ainda alvas como minha ingenuidade, do cheiro de livro novo, não que não amasse os velhos, que são vinhos em cascos. Recordo-me de viajar pelo mundo imaginário, de fazer, o impossível e incrível, o pensar diário. Até que descobri pela primeira vez a dor do término de leitura. A dura ressaca de uma festa que durou um mês. O prazer das descobertas recolhido ao armário da realidade.
       Vesti-me com a roupa própria às competições vividas por quem não abandona a vida, reconhece o perigo, se defende e sai lá na frente, dizendo que a guerra não está perdida. O episódio ao qual me arrependo hoje foi de uma fase bélica de minha vida. Era uma criatura singela que foi exposta a seleção natural na sociedade humana. Não queria apenas sobreviver às maldades infantis infligidas a mim. Queria estar no topo da cadeia alimentar. Não que essa fase não tenha deixado úteis experiências de vida, mas o arrependimento existe.
       Como todas as estórias às quais tiramos lições começam em um belo dia, o meu não foi diferente desses contos. O dia era de sol, mas folhas e flores caídas na praça pareciam protestar por não achar um lugar fora do abrigo das árvores. O vento empurrava minha determinação. A criatura singela franziu a testa ao passar em frente do lugar que era a fonte dos sentimentos não queridos por ela. A placa imponente, todos aqueles livros esteticamente dispostos na vitrine, até o piso da calçada era convidativa. Um lindo e delicioso pasto, mas minha fome, naquele momento, não se saciaria daquilo.
       Vaguei pelos corredores, passeei pelos didáticos, acenei com bons olhos para alguns lançamentos, fitei os clássicos, machado me olhou de volta incógnito até chegar em monteiro. Habitava às vizinhanças de monteiro, concentrada em suas anotações uma certa gorda, baixa, sardenta e ruiva dos cabelos crespos. Combinações de todos os possíveis traços que podem levar uma pessoa a se achar feia. Estava tão distraída que não me viu tirar um creme transparente que tinha da bolsa e jogar aos pés de uma escada retrátil atrás dela.
       Chamei-a umas duas vezes antes que percebesse que não estava sozinha. Pedi-a que me pegasse um livro acima da tal escada. Ela me olhou com expressão de indagação, depois com a de reconhecimento. Recolheu o seu semblante, cumprimentou-me formalmente e começou a se desculpar pelo episódio do livro. Disse que sentia muito, que sua mãe lhe dera um castigo daqueles e que iria se redimir comigo me dando livre acesso aos livros da livraria por um ano.
       Tive que conter a minha fala para evitar que meu coração saísse por lá. Contive minhas lágrimas e só me obriguei a me mover quando ela disse que iria pegar o livro para mim. Segurei a pelo antebraço e disse que alguém tinha derramado algo no chão onde estavam os pés da escada. Ela olhou assustada e me agradeceu. Conversamos muito aquele dia. Entreguei finalmente As Reinações de Narizinho.
       A partir daquele dia, tornamo-nos excelentes amigas e apesar de não compartilharmos o interesse por literatura, descobri que tínhamos muitos gostos em comum. E a alegria que insiste em nos intentar suas peripécias de clandestina, esteve em longa viajem dentro de nos. Ora repousava ludibriante no meu coração rude de adolescente, ora no grande caráter em construção de minha futura melhor amiga.



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Autor(a): m.melo

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