Fanfic: Felicidade Clandestina | Tema: releitura
Ela era bonita, dizia ter muitos amigos, mas nunca vi longos contatos sociais além de mim e de sua família, tinha sorriso largo, tocava piano lindamente, tinha uma voz doce ao cantar, porém não cantava, pois dizia ter vergonha (eu ainda penso ser por gostar da bajulação das pessoas requisitando para que cantasse) e além de tudo era minha amiga, crescemos juntas, era minha confidente.
Toda menina quer ser notada, quer ter um relacionamento e isso não era diferente para nós. Ela teve um namorado quando bem novinha e terminaram, conversou com outro garoto e foi frustrante (para ele) e logo chegou ao fim. O tempo foi passando e a idade avançando e começaram as piadinhas de “vai ficar pra titia hein?”. Embora ela sempre tenha tido relacionamentos frustrantes, e quando digo frustrante coloco frustração de ambas as partes, porque na maioria dos casos ela teve uma grande parcela de culpa para o fim trágico. Mas, era sagrado, sempre que aparecia algum garoto demonstrando interesse, seja por qualquer uma das duas, nós contávamos uma para outra.
Certa vez, um garoto de outro estado, que sempre foi muito meu amigo, me mandou mensagem depois de muito tempo que não nos falávamos, a partir desse dia mantivemos a conversa durante um ano, todos os dias, só encerrando o papo na hora de dormir. Então, por experiência própria, comprovei que a linha entre amizade de homem e mulher e relacionamento amoroso dos mesmos é muito tênue. Sendo assim, a conversa tomou um outro patamar, mais séria, satisfações começaram a ser dadas, apelidos carinhosos apareceram, ligações aleatórias “só para saber como você está! ” E por consequência, certa noite, numa ligação, a primeira declaração, o primeiro ‘eu te amo’, que logicamente, foi reciproco. Desliguei o telefone e em seguida, esbaforida e radiante, passei a mão no celular e contei para minha amiga, que por sua vez vibrou pela minha felicidade.
Sempre valorizei minhas amizades antes de qualquer relacionamento e acreditava receber o mesmo de meus amigos, até porque sempre repugnei o tipo de pessoa que após início de namoro se afasta do ciclo de amizade e esquece totalmente que existem outras pessoas que também se importam com ela além de seu namorado (a). E como sempre deixei esse meu pensamento bem claro diante de todos os que me conheciam, me portar de tal maneira seria hipocrisia. Sendo assim, todo final de semana eu e Joana saiamos juntas, conversávamos, dormíamos uma na casa da outra, apesar do meu relacionamento, nada havia mudado entre nós, aparentemente.
Era de meu desejo passar o recesso de duas semanas em julho, junto com meu namorado. Então planejei, comprei as passagens e ajeitei tudo. Logicamente, Joana sabia que eu iria à Brasília e soube por uma amiga em comum que ela e mais algumas meninas também iriam nessa mesma época por conta de um festival que estava acontecendo lá. Achei estranho ela não ter compartilhado a novidade comigo, afinal de contas poderíamos ter marcado as passagens juntas, mas não liguei muito para isso, pois como estava encerrando o semestre o trabalho estava sugando todo meu tempo e energia, as poucas horas que me sobravam tinha que dividir entre uma vídeo chamada para a matar a saudade e dormir.
Obviamente a minha ansiedade fez com que os 20 dias que faltavam para a viagem, tornassem-se 100, mas por consequência, o dia chegou. Entrei no avião e antes de decolar mandei mais uma mensagem pra Jo, esperando iludida que talvez a quinta mensagem enviada fosse por fim respondida, e adivinha? Nenhum um mero sinal de vida recebi. Fiquei com a pulga atrás da orelha, porem tomei para mim que tentaria ligar quando pousasse e que não deixaria isso abalar as minhas férias.
Chegando no aeroporto de Brasília, uma grande amiga minha foi me buscar como combinado (comprei as passagens um dia antes do que havia combinado com ele, a fim de fazer uma surpresa), ela me levou a casa dela, conversamos, nos arrumamos e fomos para o chá de bebe de outra amiga nossa, onde ele estaria.
O que era, pelo menos para mim, apenas um chá de bebe, virou um pesadelo. Desci do carro, confiante, sorridente e em expectativa, adentrei ao salão e meu caros, a surpresa foi minha. Não sei descrever o que senti ao ver o que estava na minha frente. Leonardo sentado ao lado de Joana, conversando consideravelmente perto, aos sorrisos, carinhos, compartilhando um prato de quitutes e um copo de suco de laranja. Se tem algo que nem que eu faça força eu conseguirei entender, foi aquela cena. Respirei, cumprimentei a mamãe do ano e minhas amigas (que assim como eu não estavam entendendo o que viam) e que logo me chamaram para sentar com elas.
Não lembro de nada do que aconteceu naquele chá de bebe, porque tudo o que conseguia pensar era no que estava acontecendo. Durante a conversa na mesa com as meninas, informações foram chegando e coisas começaram a se encaixar, porem eu não queria aceitar por nada nessa vida. Como assim ela já estava em Brasília há uma semana? Como assim ela estava dormindo na casa dele? Como assim eles estão de rolo? Eles estão de “conversinha” há mais de dois meses? Como assim?
Me senti sem chão. Sem rumo. E por incrível que pareça, não pela traição daquele que dizia me amar, mas por ela, que cresceu comigo, que me conhece melhor que ninguém, ela que eu pensava ser minha amiga, mas na verdade estava me apunhalando pelas costas. E eis ai a maior surpresa: mantive-me plena, não briguei, não chorei, não explodi, só conseguia pensar “tudo que se planta se colhe”! E não no sentido de vingança, até porque nunca fui vingativa, mas porque se você planta o bem, por consequência colherá o bem, e se planta o mal, por consequência...
Passaram-se os quinze dias de férias e eu permaneci na casa da minha amiga, onde conversamos, saímos, até porque não deixaria que minhas férias fossem destruídas por duas pessoas que não tinham o mínimo de consideração por mim.
Voltei a minha cidade e o assunto do momento no grupo das meninas era a reviravolta que havia acontecido na minha vida. Joana nunca mais me respondeu, o que se por acaso um dia houvesse existido uma amizade, hoje havia se esvaído em decepção, tristeza e raiva.
Um mês se passou desde o acontecido e volta e meia eu ouvia algo sobre o relacionamento deles, do quanto ela estava radiante, do quanto ambas as famílias estavam felizes e que até papo de casamento já teria aparecido entre as conversas. Bastava eu estar no recinto que ela fazia questão de demonstrar ainda mais os efeitos do seu relacionamento bem sucedido (que custou o meu e nossa amizade).
Aquela dor que eu achei que jamais fosse ir embora, o fato de desacreditar que as pessoas podiam e podem sim ser ruins, podem sim te desejar o mal, a realidade de encarar as coisas com resiliência, mostrar que você não responderá atitudes erradas com atitudes erradas, que um erro não justifica o outro e que as coisas que um dia me fizeram sentir invalida e traída, com o passar do tempo, explicam-me que serviram para tornar-me quem sou hoje.
Um, dois, três, cinco, oito meses se passaram, minha vida já havia encontrado os trilhos novamente há algum tempo e tudo estava normal. Após um dia de trabalho comum, cheguei em casa, realizei minha rotina de sempre e quando pensei em pegar um livro para ler meu celular tocou e me assustei ao ver a ligação, era Joana. Atendi e ela estava desesperada “ele me traiu! ” ”as meninas me mandaram fotos dele com outra, como ele pode fazer isso? ” “amiga, me desculpa, eu não quis que nada disso tivesse acontecido entre a gente”. Eu escutei tudo, respirei fundo e pensei na melhor forma de ser sincera sem ser mal educada, aceitei as desculpas, concordei que o sentimento de traição é péssimo, desejei melhoras, mas não poderia fingir que nada havia acontecido e que ainda havia uma amizade entre nós, sendo que isso teria sido consequência de uma escolha dela, e somente dela.
Desliguei o telefone, deitei no meu travesseiro, olhei para o teto e sorri. Sorri como cientista que fica orgulhoso de si mesmo ao realizar um grande projeto, porque foi assim que me senti. Orgulhosa de ter errado e aprendido com meus erros, de ser uma pessoa boa e ter feito as escolhas certas. Dentro de mim eu sei que não senti vingança, mas esperança, de que talvez após tanto sofrer ela tenha compreendido que o que é feito de maneira errada, termina errado. Mas se eu relatasse, quem de fato compreenderia? Então fiquei ali, eu e minha felicidade clandestina.
Autor(a): madu_lamas
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