Fanfics Brasil - FELICIDADE CLANDESTINA Felicidade Clandestina

Fanfic: Felicidade Clandestina | Tema: Harry Potter; Clarice Lispector


Capítulo: FELICIDADE CLANDESTINA

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Pandora Flint era esbelta, alta, loira e de olhos azulados. Tinha um porte elegante, enquanto nós todas ainda éramos inteiramente desajeitadas. Como se não bastasse, vivia sempre com os bolsos das vestes, recheados com feijõezinhos de todos os sabores e outras guloseimas do mundo bruxo. Mas, dentre todas as coisas, possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.


E não qualquer livraria. Floreios e Borrões era a maior e mais completa livraria do Beco Diagonal. Um lugar mágico onde as prateleiras estavam abarrotadas até o teto com livros do tamanho de paralelepípedos encadernados em couro, livros do tamanho de selos postais com capas de seda, livros cobertos de símbolos curiosos e alguns livros sem nada.


Pouco aproveitava. Semanalmente recebia corujas enviadas pelo famoso pai livreiro Phinaeus Flint que lhe entregavam no café da manhã toda a sorte de livros, jornais e almanaques. Rejeitava com descuido as páginas do “Profeta Diário”. Descartava com desdém exemplares de clássicos como a “História da Magia” de Batilda Bagshot e não-tão-clássicos como “Os Contos do Chapéu do Sapo”, best-seller de Beatrix Bloxam.


E a bonança literária menos ainda nos atingia: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ou uma caixinha magra com sapos de chocolate, acompanhada de figurinha repetida de Dumbledore, seguramente trocada em sua vasta coleção. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia”, “Feliz dia,”, “saudade”.


 Mas que talento tinha para a crueldade. Basta dizer que era de Sonserina, casa dos engenhosos, dos astutos e ambiciosos, mas também da esmagadora maioria dos bruxos que se envolveram com a Arte das Trevas. Coincidência?


Ela toda era pura vingança, comendo feijõezinhos com barulho. Como essa menina devia odiar criaturas como eu, imperdoavelmente desengonçadas, sabichonas, de Lufa-Lufa e ainda com pais “trouxas”, pessoas sem habilidades mágicas alguma. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Ah Pandora...  Sua seguidora-daquele-que-não-se-pode-dizer-o-nome!!! Quem dera mordesse um feijãozinho de minhoca, ovo podre ou sujeira! Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.


Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía uma edição limitada de “Mil ervas e fungos mágicos” de Filda Spore.


Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. Inestimável para aqueles que, como eu, eram apreciadores da herbologia, mas completamente aquém de minhas posses. Disse-me que eu a encontrasse na entrada do Salão Comunal de Sonserina, tão logo nas masmorras do Castelo de Hogwarts.


Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.


No dia seguinte fui até o local marcado, literalmente correndo, como uma espiã despistando Digory e Mcmillan os monitores de Lufa-Lufa. O sol mal havia nascido nas planícies escocesas de Hogwarts, recobertas pela névoa. Em minha pressa, consegui até mesmo atropelar o fantasma da casa, o Frei Gorducho, roliço, com roupas de monge, mas muito generoso quando se está perdido ou em apuros. Em um piscar de olhos, seu corpo ectoplasmico foi desfeito e refeito rapidamente. “Oh senhorita Marigold, olhe por onde anda!!!”. Pedi desculpas copiosamente e recebi como resposta uns quantos resmungos. “Nesses dias, um fantasma não pode nem mesmo vagar tranquilamente!”, desaparecendo em um puff.


Sai do subsolo do castelo, local do salão comunal de minha casa muito cedo, passando rapidamente através da natureza morta que marca as cozinhas do castelo. Dirigi-me ao cenário sombrio e derradeiro: As Masmorras de Sonserina. Era ainda pior do que imaginava. A atmosfera taciturna e sombria, muito distante da colorida profusão de plantas e flores do salão comunal lufano, dava-me calafrios. Entretanto, é preciso dizer que eu, Marigold Olivia Jenings, persisti. Fiquei esperando ali, na porta, pelo que pareceram horas. Minha mente imaginativa foi inteiramente capaz de produzir todo tipo de criaturas nas sombras esverdeadas projetadas pelo lago.


Uma vez que era quase impossível um aluno que não de Sonserina adentrar naqueles domínios, não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelos corredores, travessas e escadarias do Castelo. Meus próprios pais mal poderiam imaginar qualquer indicio fantástico desse mundo antes de meu aniversário de 11 anos e das cartas que se seguiram convidando-me a escola de magia de Hogwarts. Às vezes, perdia-me ao observar aos quadros vivos, as escadas deslizantes, os fantasmas, os pratos deliciosos que surgiam e desapareciam, sob o céu estrelado, nas intermináveis mesas do salão principal, Entretanto, qualquer devaneio desfez-se de minha mente. Nem mesmo o pensamento de colocar as mãos em uma pequena muda de Mangrágora na próxima aula de Herbologia puderam me distrair de meu propósito.


 Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, em meu retorno andei pulando como sempre pelos corredores até chegar a entrada do Salão Comunal de Lufa-Lufa, escondida em uma pilha de barris em um canto na ala direita do corredor das cozinhas. Repeti a senha com cuidado:


Um tapinha no segundo barril de cima para baixo, bem no meio da segunda fileira, no ritmo de Helga Huffepuff e a porta se abre.


Guarde bem esse segredo, meu amigo, pois somos a única casa em Hogwarts com um dispositivo de repulsão a elementos indesejados. Uma escolha errada quanto a tampa ou um ritmo diferente e você será coberto pelo sabor envolvente de um azedo vinagre. Basta dizer que em mais de um milênio nossos domínios nunca foram violados. 


Enfim, abri o barril e rastejo calmante até retornar a minha confortável, ensolarada e acolhedora morada, com seu teto rebaixado e suas janelas circulares, com vista para a grama ondulante e dentes-de-leão, bem a tempo de me preparar para a próxima aula como qualquer “terceiranista”.


Infelizmente, a impiedade de Pandora não ficou simplesmente nisso, em negar o doce a criança. O plano secreto da filha do dono da Floreios e Borrões era tranquilo e diabólico. Mas como já dizia o lema da minha casa: “Nunca desistir, Sempre batalhar!!!”, e no dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.


E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido. Malévola... Maldosíssima, Pandora!  Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.


Quanto tempo? Eu visitava diariamente o lugar sombrio das Masmorras de Sonserina, sem faltar um dia sequer. Pirraça, outro dos fantasmas de Hogwarts, debulhava-se em risos ao testemunhar  minha miséria, vendo-me peregrinar sem pudor na busca pelo objeto de meu anseio. “Marigold-é-uma-boba! Marigold-é-uma-boba!”, era sua cantilena, “Por que não busca-o na biblioteca?”, “Por que não pede a outra pessoa?”, “Por quê?”


Nem eu mesma saberia dizer. Estava em uma cruzada. Era uma questão de princípios receber aquele livro desta fonte amaldiçoada!


Ah Pandora...  Sua seguidora-daquele-que-não-se-pode-dizer-o-nome!!!


Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados. Até que um dia, enquanto estávamos saindo da sala de aula de Feitiços, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, e os seus risos suaves dissimulados, um elemento improvável apareceu. Ele o próprio pai, o livreiro. A casualidade dos astros havia conduzido o ilustre Sr. Flint até a escola de magia de Hogwarts naquela data para uma reunião com o novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, Gilderoy Lockhart, afim de tratar da seção de autógrafos do lançamento de seu novo livro. O pai amoroso quis aproveitar a oportunidade de matar a saudade da queridissíma  filha.


Ah... complicação!!!


Ao ouvir o final da conversa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. Phinaeus Flint achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que esse bom pai entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro foi devolvido para casa por você na mesma coruja, minha Pandora, você nem quis ler, disse que odeia Herbologia!


E o pior para esse senhor não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha.


Ah Pandora...  Sua seguidora-daquele-que-não-se-pode-dizer-o-nome!!! Ah... se não fosse perder minha varinha! Teria lhe transformado.... Teria lhe transformado... nem sei...


O pai, indiferente aos meus pensamentos turbulentos, nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina em pé à porta da sala de aula, exausta e diminuta. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro para sua colega. Vou estar em casa daqui a algumas horas, porque não posso desaparatar nestas imediações. Assim que chegar, enviarei uma coruja com o livro, e você, Pandora, você deverá entregá-lo a ela em mãos. Imediatamente! E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser."


Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.


Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada.


Na manhã seguinte, no café da manhã, bem a tempo das corujas chegarem, um pacote foi depositado em frente a Pandora Flint na mesa de Sonserina. Eu observei boquiaberta a coruja cinzenta em seu voo rasante. Empoleirada em um dos lustres baixos, senti como se ela piscasse para mim.


Mal podia, eu, imaginar que o pacote estaria acompanhado por um bônus, destinado especialmente a remetente. Sim... ele mesmo. Um berrador. O pesadelo a todo o aluno de Hogwarts.


Se ela não o abrisse só ficaria pior. E então, corajosamente, devo dizer, ela o abriu, o envelope fatídico, e uma voz contundente e verborrágica começou a jorrar do papel, em alto em bom tom, para qualquer um em um raio de 5km.


 


“PAAANDOOORAA FLIIIIINT! AQUI LHE FALAM SEUS PAIS. ESPERAMOS QUE VOCÊ APRENDA COM ISSO UMA IMPORTANTE LIÇÃO. NÃO CRIAMOS VOCÊ PARA SER EGOÍSTA! TENHA A HUMILDADE DE PERCEBER OS SEUS ERROS E ENTREGUE O LIVRO IMEDIATAMENTE PARA SUA COLEGA. NÓS SABEREMOS! ANSIAMOS PELO DIA QUE PERCEBA A IMPORTÂNCIA E A BELEZA DOS LIVROS. BEIJOS AMOROSOS, PAPAI E MAMÃE!”


 


Ah... vingança, que prato saboroso!


E assim, enquanto terminava comer uma deliciosa torta de abóbora na mesa de Lufa-Lufa, recebi, de uma cabisbaixa Pandora, o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Baixando os talheres, saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar no meu dormitório, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.


Chegando lá, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui para a aula de Poções, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.


Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.


Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.



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Autor(a): mariaed

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