Fanfic: Contente às Escondidas | Tema: Felicidade Clandestina
O que lhe faria feliz? Mas bem feliz mesmo, de sorte que você se achasse a pessoa mais cheia de dentes do mundo? Só para arriscar um palpite, lembrei do sujeito que deixou um cadilac para conserto na oficina e ficaria uns poucos dias rodando com um calhambeque até que lhe devolvessem seu carro reparado. Pensou naquela musica que contava essa história, com a imitação de buzina marota? O cara numa felicidade mais que perfeita, recusando entregar o calhambeque.
Nada me faz tão feliz quanto um livro de boa prosa. Nada. Barra de chocolate, batata doce, playground, dia de chuva, palhaço no circo, leãozinho no zôo? Nada disso. Livro é que mexe com meus afetos, me empolga, me silencia para ouvi-lo, me deixa quieto por horas, me distancia do mundo pobre de novidades. Com aquele cheirinho de folhas novas, melhor ainda, mas livro pode já ter perdido seus melhores odores e continuar irresistível, só de escolher a história perfeita com baita escolha de palavras que só se acham e se associam quando coelhos arremessam suas cartolas.
Aconteceu. Não exatamente na estante fácil lá de casa. Rodolfo, um dos amigos que preferem celular e spotify, me disse meio distraído que seu pai recebera de brinde ao menos três livros de Orígenes Lessa. E acrescentou- suprema heresia!- que a mãe resolvera usá-los para ocupar um banquinho de canto. Não segurei:
- Rodolfo, cês não se dão conta? São Orígenes Lessa!
- E daí? Reagiu impávido.
- Rodolfo, me empresta! Apelei num sofrimento que não se devia ignorar.
- Sei não, passa lá em casa, amanhã cedo?
Quais são as horas que a gente pode chamar de cedo? Não dormi. Iria já as sete. Desisti. No sábado as famílias- por acordo- não acordam. E se eu fosse as nove? Fui. A mãe me recebeu um tanto incomodada, Rodolfo ainda dorme, volta mais tarde? Quase concordava, não fosse enxergar a dois metros de mim os três livros de Lessa. Não respondi e dirigi-me para o banquinho de canto. Ali estavam “O Feijão e o Sonho”, “A Escada de Nuvens” e “As Memórias de um Cabo de Vassoura”.
- Posso esperar que ele acorde?
A mãe apenas sorriu. A moça que ajudava nos serviços da casa logo apareceu, munida de panos. Poderia trabalhar a casa inteira, mas feito bruxa veio exata e ferinamente pro banquinho de canto. Recolheu os três livros numa mão absurdamente larga e sem intuir que precisava pedir desculpas levou-os dali. Precisava sair? Confiscar? Demorou-se noutros cômodos, e aí me senti sozinho de vez, numa sala sem barulho e sem Rodolfo.
Até que ele veio. Cara inchada de hibernauta. Sabe da última, perguntou. Da última mesmo eu é que sabia. Eu que tava acordado e sofrido antes.
- Saiu a nova do Kanye West! Disse tomado dum riso que lhe arredondou todinho.
- Ah, tá, respondi mais entediado que tartaruga suicida. Tomei coragem:
- Rodolfo, pode me emprestar os livros?
- Que livros? Ah, os do canto? Minha mãe não vai deixar. Precisa deles pra fechar o canto.
Caramba! Pensei. Livros pra dissimular defeito? Livro decorativo?
Eis que a mãe voltou. Rodolfo lhe disse:
- Esse menino cheio de vontades quer saber se pode levar os seus livros do canto...
- Por que você quer? Perguntou-me a mãe.
- São Orígenes Lessa. Seus textos me prendem como grude. Inventa belezuras e conta como ninguém, foi tudo que soube reagir, não sem exibir uma cara de pidão...
- Leva rapaz. Um hoje, outro depois...
Trouxe comigo. Nem demorei. Deixei Rodolfo com suas preferências e precisei de pretextos na rua para a minha cara alucinada. Nada não, era que o dia até que tava bonito, era por causa das acácias, era menos por isso, era impressão. Fiquei contente às escondidas. Era por causa da imaginação caprichosa de Campos Lara e dos pés no chão de Maria Rosa. As minhas manhãs foram de feijão e de sonho. De sonho do que levar para oferecer como qualquer coisa que bem fizesse o remate de um tamborete num cantinho de sala, sem que fosse a desmedida solução de empoeirar justo três Lessas.
Autor(a): Hiago_N
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