Fanfics Brasil - Falsa Felicidade Falsa felicidade

Fanfic: Falsa felicidade | Tema: Clarice Lispector, Felicidade Clandestina, Intextualidade, Fanfic, Fanfiction


Capítulo: Falsa Felicidade

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              Embora eu fosse uma criança com o senso crítico açugado, as brincadeiras envolvendo bonecas magras, loiras e bem vestidas sempre me agradava. Não era perceptível, mas aquilo não condizia com a minha realidade. Eu era morena, de nariz aduco e com a barriga saliente — característica inerente de quase todas as crianças. A minha subversão em emergência se dissipava, tornava-se quase nula quando contemplava nas lojas a boneca Barbie. Era um devaneio, um sonho que me trazia felicidade.  E é claro, não tinha consciência para discernir que se tratava de uma felicidade efêmera, clandestina, de fator exterior. Não tardou para que eu expressasse meu desejo. Sempre que havia oportunidade, uma brecha que fosse, falava da tal boneca. Só de imaginar na iminência do presente, instalava uma catarse. A felicidade era notada pela minha mãe — como se tratava de uma mulher adulta e madura — também era perceptível que pertencia a um tipo de felicidade clandestina, de pouco tempo. As chances de toda aquela alegria se extiguir, após ganhar a boneca, eram altas.
              Durante o percurso da escola até a minha casa, eu implorava a minha mãe para passar na loja de bonecas. Era a melhor parte do dia, entrar naquele ambiente e adentrar nas prateleiras. A minha mãe se negava a entrar comigo, mas ficava á espreita observando. Havia regras, não poderia incomodar os vendedores e nem demorar muito. Depois de me proporcionar todo aquele devaneio, seguia todo o trajeto até em casa, apresentando atitutes que demonstavam o tanto que eu queria uma boneca. Sim, achava que interromper o caminho para olhar as bonecas não era o suficiente para mostrar o meu desejo.
              Farta de perceber as minhas insinuações, a minha mãe disse que me presentearia com a boneca. No dia seguinte, após o trabalho, eu poderia seguir direto, da escola para casa, e ela chegaria com meu tão esperado presente. A ansiedade tomava conta de mim, voltava da escola pelas ruas, andando e pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Ao chegar em casa, em êxtase puro, não havia índicios da boneca — a minha mãe argumentou que estava cansada, esquecendo-a de comprar. Prometeu que no dia seguinte, eu estaria com a boneca nas mãos. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam. No dia seguinte, sequer quis jantar, estava atônita aguardando a minha mãe. Quando ela chegou, não vi nenhuma sacola e ela abruptamente já foi se explicando, disse que havia muita fila para a compra e estava muito cansada para ficar em pé. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da minha mãe era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu aguardando nas escadas de casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir novamente uma nova justificativa, sem a minha boneca.
             Já havia se passado dias naquele afã. Até que um dia, quando eu estava à porta de casa, esperando a chegada da minha mãe, apareceu a minha avó materna. Ela devia estar estranhando o motivo pelo qual eu tanto cobrava a minha mãe. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. Até que a minha vó se estranha, ao limpar a casa, ela sempre via a boneca acima do guarda-roupa, embrulhada no papel de presente. A minha mãe se explica, diz que não queria cessar a minha ansiedade acompanhada da alegria, aguardando algo que queria muito. Argumentou, explicou que, estava tardando a entrega do presente para não acabar com minha felicidade clandestina.



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Autor(a): letrasheloisie

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