Fanfic: Felicidade à moda antiga | Tema: livros, drama, leitura
O ano era 1994. Não havia na cidade muitas livrarias. Era uma cidade pequena, de poucos comércios e meu pai era o dono de um deles. E que comércio poderia ser? Uma livraria.
Todos os anos, especialmente no mês de outubro, mês das crianças, a procura por brinquedos e afins crescia muito. Por ser uma cidade pequena, ainda pouca ligada à modernidade e à tecnologia que já pipocava nas grandes metrópoles, os pais, na sanha de presentear prazerosamente seus filhos, ainda procuravam jogos de montar, carrinhos daqueles que se puxa com cordinha, bicicleta e, por que não dizer, livros. Na verdade, para alguns, ganhar livros de presente era uma grande honra. Mostrá-los aos amigos e parentes então, era um grande feito, tudo isso porque boa parte das famílias sonhavam com filhos que se destacassem nos estudos e que, ao crescer, viajariam “para fora” para seguir os estudos e prosperar financeiramente.
Havia, porém, naquela bucólica cidade, famílias sem muita condição para presentes, fossem brinquedos ou livros. A realidade destas era conseguir fazer com que houvesse alimento sobre a mesa todos os dias, principalmente em datas comemorativas e ainda mais em outubro, o mês da criança.
Uma dessas famílias era a da pequena Raquel, aluna da 7ª série de uma escola pública da cidade. Pequena, magra, mas muito esperta, essa menina não recebia presentes em datas importantes, exceto uma vez, quando, de uma professora, recebeu o livro “Reinações de Narizinho” de Monteiro Lobato. Era um livro velho, com algumas páginas bem surradas, mas que continham nele histórias incríveis, que saltavam aos olhos daquela tão simples e humilde criança. Ela se imagina no livro, se via nele, como se fosse a própria Narizinho, brincando, traquinando cozinhando, como diz o autor do livro, cozinhando “uns bolinhos de polvilho bem gostosos”.
A única coisa triste é que este era o único livro que possuía. Enquanto as outras crianças tinham em casa dez, vinte ou mesmo incontáveis livros, Raquel possuía apenas aquela, cujas histórias conhecia de cor, pois já o havia lido inúmeras vezes.
Havia também na cidade uma outra menina, Cecília, sim, eu mesma, a filha do dono da livraria mais equipada do lugar. Nessa livraria, se encontrava de tudo, de enciclopédias a pequenas agendas e canetas tinteiro. Raquel e eu éramos amigas e estudávamos juntas, mas desconhecíamos por completo a realidade que cada uma vivia quando nos despedíamos no portão da escola.
Um belo dia, a professora de Português pediu que escrevêssemos sobre pelo menos dois livros que tivéssemos lido ou que gostaríamos de ler. Eu havia lido vários e tinha à disposição quantos livros quisesse, pois podia ir à livraria do meu pai e folear à vontade. Raquel, contudo, só tivera acesso a um único e sofrido exemplar. O que faria, então, para cumprir com a tarefa proposta pela professora?
Ao final da aula, desesperada, seguiu para casa a contar aos pais o que lhe fora proposto. A mãe, igualmente triste, disse à menininha que não tinha como ajuda-la, pois todo o dinheiro conseguido naquele mês já tinha sido gasto ou estava empenhado para despesas urgentes. O que fazer diante de tão sofrido quadro, pensou a desolada garotinha.
No dia seguinte, Raquel não foi à escola. Acordara com febre, tamanha era a preocupação com o trabalho. Como não era de faltar, sua ausência foi sentida por todos, principalmente por mim, que sempre me sentei ao seu lado na sala.
Terminada a aula, pedi ao meu pai que passasse na casa de Raquel para saber o que tinha acontecido. Ao chegar, encontrei-a deitada, ainda febril e sonolenta e logo a questionei sobre o motivo de sua ausência. Raquel, então, levantou-se da cama, abriu um pequeno armário, pegou o livro que possuía e guardava com zelo e, já quase chorando, me disse: ‘- Não fui à escola por causa deste livro’. Sem entender, pedi mais explicações à coleguinha, que logo me falou sobre o caso, o que comoveu a todos que ouviram sua narrativa, especialmente meu pai que ouvia atônito ao relato, encostado na porta do quarto de Raquel. Passado aquele momento triste, sem dizer muitas palavras, nos despedimos e segui para minha casa.
No caminho de casa, meu pai tem uma brilhante ideia, a qual guardou em segredo até que a colocasse em prática: havia na livraria inúmeras coleções de livros que não foram vendidos no ano anterior. Mesmo contendo as mesmas informações e histórias, é normal que as pessoas se interessem por edições mais recentes, que geralmente vêm com novas ilustrações. Sem me dizer, empacotou vários volumes, escreveu uma carta, assinou como se fosse Cecília e mandou entregar na casa de Raquel. Ao receber os pacotes e descobrir seu conteúdo, sua surpresa foi tão grande que quase adoece de novo e volta para a cama. Juntos com as caixas, seguia também um incrível bilhete que dizia: Querida amiga, sua paixão por livros comoveu toda nossa família. Que estes que você agora recebe lhe sejam não apenas motivos de sorrisos e boas notas, mas uma porta para um futuro grandioso!
Passados alguns dias e alguns outros exemplares tendo sido lidos, o temeroso trabalho foi feito e Raquel obteve a maior pontuação da sala.
Os anos se passaram, nós, as meninas da pequena cidade crescemos e tomamos caminhos diferentes. Eu, Cecilia, tornou-me médica e atendo os moradores da minha cidade natal. Raquel tornou-se escritora. Viaja o mundo divulgando suas obras e contando histórias que mudam a vida de outras pessoas através dos livros que nunca mais parou de ler e escrever.
Autor(a): suzynobre19
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