Fanfics Brasil - O outro lado Felicidade Roubada

Fanfic: Felicidade Roubada | Tema: Clarice Lispector


Capítulo: O outro lado

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Eu penso como elas me enxergam, muitas vezes eu ficava tão triste porque não sabia definir o que é. Olhares me consumiam até a alma. Tudo as encomodava, menos quando eu tinha algo a oferecer... inclusive como se eu tivesse culpa de meu pai ser dono de livraria e ainda mais por não gostar de ler, ou ter enjoado. Uma época até devorei livros, mas aquelas meninas com o corpo tão retinho faziam eu entender que a vida não era o conto de fadas que eu lia e que elas desejam tanto ler. Assim como soavam os rumores de que eu presenteavas-a com cartões postais sem graça, julgando ser maldade, apostando que eu quem escolhia.


Certo dia chegou o livro mais desejado do momento, As reinações de Narizinho escrito por Monteiro Lobato, ficou semanas no canto de uma mesa em meu quarto, não tive a menor ânsia de ler. Por vontade de ter pessoas que me procurassem, eu fiz isto, entendo que não é assim que se fazem amizades, mas eu queria muito me sentir importante. Deixei saltar da minha boca a notícia de ter em mãos aquele lindo livro, eu sabia admirá-lo, capa dura e com muitas páginas, enchia os olhos de qualquer um.


No mesmo instante choveram olhares desejosos, e um deles saltou pela boca. Ana o pediu, e eu lhe disse que podia ir na minha casa buscar no outro dia. Ao amanhecer a quarta-feira, lá estava ela, observei pela janela do meu quarto, saltitava pela rua com sol batendo aos cabelos lisos (essa era uma coisa que gostaria de ter), não desci, deixei a campainha tocar. Demorei alguns minutos até aparecer, mas minha resposta foi de ter emprestado a outra menina, mesmo desolada achei que iria ter algum convite para conversarmos ou algo do tipo, não ouvi nada, então tentei outra vez: “pode vir amanhã, que já estará comigo outra vez!”.


Hoje é o quinto dia que ela vem consecutivamente e lhe dou similares respostas como as anteriores. Meu plano é que um dia chegue tão cansada e que me peça para conversar, mas em momento algum ela fala, então só chego a uma conclusão, ela não gosta de mim, só dos livros que possuo. Isso dói. Como alguém pode gostar mais de objetos do que de pessoas? As meninas, todas elas me acham esquisita, tem aversão ou inveja do meu corpo, mas nunca me perguntava porque eu as respondia rispidamente, só questionavam o motivo de eu levar balas nos bolsos das blusas.


Mas dias passaram-se e foi no seguinte do qual eu mais senti pena dela, porque o cansaço transparecia em seu semblante, que minha mãe não esperou por me interrogar porque Ana vinha todos os dias a nossa casa depois que ela saía, ao soar a campainha Dona Rosa atendeu a menina, cheguei no mesmo instante e ela nos questionou o porquê dos aparecimentos diários. Atrapalhamo-nos, a verdade era só uma e nós duas sabíamos qual era...


Em explicações mal formuladas, foi relatado toda a situação. Minha mãe emprestou o livro a ela, a mim disse o que eu jamais queria ter escutado: eu iria emprestá-lo. Nunca vi minha mãe com o rosto tão contraído e decepcionado, senti perder o ar por alguns segundos, a decepção de provar meu amargor foi terrível, pensei imediatamente na Ana, sua casa não era tão boa quanto a minha, não tinha oportunidades que eu tinha e ainda a humilhei, ela deveria estar sentindo o fél diariamente da minha falta de compaixão como o que senti naquele instante. Minha felicidade foi roubada, assim como o doce olhar que minha mãe tinha comigo foi transferido para Ana que saiu sem dizer nada, abraçada no livro.


 


 



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Autor(a): juliaa

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