Fanfic: FAZENDO O BEM A RECOMPENSA VEM | Tema: Adaptação do texto “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector
FAZENDO O BEM A RECOMPENSA VEM
Adaptação do texto “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector
Laura era alta, magra, cabelos lisos e meio arruivados. Tinha um corpo invejável, com bustos grandes e uma cintura fina, enquanto todas nós ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, o pai dela era dono do maior parque aquático da cidade repleto de piscinas, tobogãs e escorregadores.
Ela organizava diversas festas naquele lugar maravilhoso e nunca fomos convidadas. Nos nossos aniversários, ela nos entregava e mãos um panfleto do parque do pai dela que anunciava os pacotes e preços, algumas vezes oferecendo um desconto de 10%, ao invés de nos dar um passe livre por um dia, ou ao menos por uma hora que fosse naquele lugar.
Quanta maldade habitava naquele coração, se é que ela tinha algum diante tamanha frieza e arrogância. Como ela devia nos odiar, sempre debochando da gente, nos olhando com desprezo e superioridade. Só pode ser inveja, sei lá. Mas como aqui em Minas é muito quente, eu continuava a agüentar as humilhações dela na ânsia de receber um convite para o seu aniversário que seria no parque aquático e poder me refrescar e conhecer aquele lugar que tanto sonhei em ir.
Eis que se aproximava a data do aniversário dela e por acaso do destino, Laura estava com dificuldades em português e se não recuperasse das notas ruins no teste de recuperação seus pais iriam cancelar sua festa no parque. Eu tinha assumido há pouco tempo o posto de monitora da disciplina de português, sempre gostei de escrever histórias e amava livros, obtia excelentes notas e tinha um comportamento exemplar.
Laura veio ao meu encontro propondo que se eu a ajudasse a se recuperar na disciplina de português, ela me levaria para o seu aniversário e eu poderia passar o dia inteiro no parque juntamente com minhas amigas. Meus olhos brilharam e sem pensar muito aceitei a proposta.
Então combinei de encontrar com ela todos os dias na parte da tarde para estudar a matéria. Naquele dia me transformei na própria esperança, estava alegre, me imaginava descendo os tobogãs com bóias, sem bóia, mergulhando e me divertindo muito. Laura me mostrou várias fotos e vídeos que só cresciam minha vontade de ensiná-la e fazer de tudo para que ela aprendesse a bendita matéria.
A saga durou duas semanas intensas de estudo. Desdobrei-me para conciliar meus compromissos com os estudos na casa da Laura. Até que chegou o dia da prova. Laura estava nervosa, pois sua festa de aniversário estava em jogo. Tentei ficar tranqüila e passar tranqüilidade pra ela, estava segura que tinha feito o melhor possível e estudamos muito, ela entrou na sala para fazer a prova e eu fiquei aguardando ansiosamente no pátio da escola. Laura termina a prova e sai feliz com suas amigas, passa por mim e não diz uma palavra. Saí correndo atrás dela e perguntei: E aí, como foi? Passou? Ela respondeu: Sim, passei. Depois passe lá em casa para pegar seu convite. Após aquele momento me senti nas nuvens, fui pra casa com passos leves, na certeza de que iria usufruir daquele lugar maravilhoso.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da parque aquático era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso largo e o coração batendo forte. Para ouvir a resposta calma: Os convites ainda não estavam em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou por um tempo. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a entender que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Mas ainda estava com minha esperança.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: A gráfica responsável pelos convites teve um problema na impressão, eles até me deram metade dos convites, mas já foram distribuídos nessa tarde. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas eu preenchi o convite dela, aliás, foi o primeiro convite a ser feito como convidada de honra, em forma de gratidão pela ajuda que ela lhe deu na escola, e todos os convites já foram entregues! Porque não a entregou?
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta. Foi então que,finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai pegar o convite dela agora mesmo. E para mim: “E você, me desculpe! Lhe darei além do convite para o aniversário um passe livre para voltar ao parque e usufruir de tudo com direito a acopanhante.”
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o convite e o passe na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei os dois. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o passe em minhas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não abri o convite nem li o que tinha no passe. Fingia que não os tinha, só para depois ter o susto de tê-los. Horas depois os abri, li algumas linhas maravilhosas, fechei-os de novo. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Chegou o grande dia, era uma sexta feira, dia do aniversário da Laura. Me arrumei e pedi para que meu pai me levasse uma hora mais cedo. Chegando lá meu coração palpitava, fui muito bem recepcionada pela sua mãe e dei algumas voltas no parque para conhecer o lugar. Aquele dia foi incrível, fiz novas amizades, me diverti muito e só de estar lá já me encontrava em grande euforia.
No final de semana, acordei bem cedo, liguei para minha amiga e fomos para o parque aproveitar o dia com o passe livre que a mãe da Laura me deu. Estava um dia perfeito, o sol brilhava e nós nem acreditávamos que aquilo tudo era realidade, pois não tínhamos condições de pagar para ir naquele lugar. Foi tudo melhor que imaginava, fomos a todos os brinquedos, almoçamos lá e tiramos muitas fotos. Naquele dia entendi que fazer o certo e ajudar alguém vale à pena, mesmo que essa pessoa não quer o nosso bem. A recompensa vem no tempo certo e da melhor maneira possível.
Autor(a): janatha
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