Fanfic: FELICIDADE DIVIDIDA | Tema: “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector

Não sabíamos muito sobre ela, exceto o que não tinha como esconder, era maior do que todas da nossa turma, gordinha, sardenta, cabelos cacheados e ruivos. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Todos os dias no intervalo da escola ela sentava sozinha no canto e devorava cada página do livro da mesma forma que devorava os doces que carregava nos bolsos. Ela sempre nos olhava com aqueles olhos grandes e eu pensava, como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, loiras de cabelos lisos. Embora nunca tivesse trocado uma só palavra com ela, compartilhavamos uma paixão em comum, a leitura. Eu não tinha um pai dono de livraria, então, me restava ser amiga da filha do dono. E assim começou minha saga pela amizade de Coralina, eu tentava me aproximar a todo custo dela e ela simplesmente me ignorava, como se fosse impossível nascer qualquer laço de amizade. Mas eu, Clarice, estava decidida e nada me faria desistir. Pegávamos o mesmo ônibus escolar, e comecei a sentar ao seu lado. Ela passava a viagem toda lendo e comendo suas balas, nem sequer me oferecia um doce ou uma leitura compartilhada. Até que um belo dia, Coralina precisou se juntar a mim em uma atividade escolar, era a oportunidade que eu precisava para me aproximar dela. Ao conversar com Coralina, descobri que ela possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. Fui para casa aquele dia flutuando só de pensar na hipótese de ler aquele livro. Eu precisava fazer com que ela me emprestasse. Começamos a ter mais contato, a conversar e sorrir juntas. Coralina tinha um coração lindo por de trás daquela cara emburrada. Sem que eu percebesse, estava deixando a missão de tentar ser amiga de Coralina por interesse e passando a querer ser amiga de coração. Certo dia, Coralina me convidou para ir visitá-la quando quisesse. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Ela me convidou para entrar e foi como andar nas nuvens, tinha uma estante enorme de livros prontos para serem lidos, parecia um sonho. Coralina me pegou pela mão e disse que eu havia me tornado sua melhor amiga e que gostaria de compartilhar algo comigo, me arrastou até um cantinho silencioso e aconchegante da casa e quando olhei, havia um lanche delicioso na mesinha e um lindo livro de capa vermelha escrito As reinações de Narizinho, parecia que eu estava no céu. Ela me olhou e disse: vamos fazer uma leitura juntas?! e eu imediatamente sem conseguir dizer uma sequer palavra, acenei repetidas vezes com a cabeça dizendo que sim, fiquei estonteada. A partir  daquele dia, eu e Coralina compartilhamos muitos momentos juntas, nos tornamos melhores amigas dia após dia e no horário  do intervalo da escola tínhamos nosso momento de felicidade, Coralina já não era mais a menina sozinha com um livro, era a menina que fazia leitura com sua melhor amiga, era a menina com a felicidade dividida.

*Reescrita do conto “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector.