Fanfic: Felicidade Clandestina | Tema: A garota cruel
Felicidade Clandestina – Clarice Lispector
Flávia Viana dos Santos.
Tudo se passa na pequena cidade chamada Xinguara. Cidadezinha onde morávamos. Nós que éramos todas arrumadinhas, esquias, altas, de cabelos lisos. E ela. Coitada dela. Garota gorda, de busto enorme, baixa, arrogante e de cabelos excessivamente cacheados.
Ela possuía uma habilidade exclusiva para a crueldade, era toda pura implicância. Como era filha de dono de livraria, os amantes da leitura coitados eram seu principal alvo. O passa tempo predileto dela era implicar.
E a mim não foi diferente. Garota cruel submeteu-me com toda sua calma crueldade e seu sadismo. Eu que estava eufórica e para ler, nem notava as implicâncias a que ela me submetia: assim eu continuava a pedir emprestados os livros que ela possuía.
Até que veio para ela o grande dia de começar a exercer sobre mim uma grande crueldade quando me informou que possuía o livro Pollyanna, de Eleanor H. Porter.
Era um livro grosso, bonito, meu Deus, era um livro para se ficar comendo-o e dormindo com ele. Era muito além de minhas posses, pois eu uma menina pobre, não teria condições de compra-lo. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela me emprestaria.
Até o dia seguinte me transformei em um mar de esperança e alegria: eu não vivia, sonhava com aquele momento, ficava em êxtase só imaginando o grande dia.
No tão sonhado dia, fui a sua casa logo cedo, apressadamente correndo. Ela não morava em uma pequena casa como eu, mas em uma casa grande e bonita com um grande jardim. Não deixou eu entrar. Olhando fixamente em meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro para outra menina. Disse-me que voltasse no outro dia para pega- ló. Decepcionada, sai devagar, mas logo à frente a esperança de novo começou a voltar, e aquela euforia dentro de mim me fez acreditar que no dia seguinte aquele livro eu iria pegar.
Mas não era apenas isso. Como eu poderia imaginar o plano secreto daquela garota cruel. No dia seguinte lá estava eu entusiasmada e eufórica em sua porta. E ouvi simplesmente uma resposta calma: dizendo que o livro ainda não estava com ela, pois a outra garota ainda não tinha o lido. Disse-me outra vez para voltar no dia seguinte. Mal sabia eu que a promessa do dia seguinte seria mais tarde a minha vida inteira. No decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.
Tudo isso continuou. Por quanto tempo? Não sei. A cruel garota sabia que era por tempo indefinido, enquanto seu fel não escorresse todo pelo seu corpo grosso. Eu já começava a desconfiar que fosse a escolhida para sofrer as crueldades dela. Contudo mesmo adivinhando, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando urgentemente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu não sabia. Ia todos os dias em sua casa, sem faltar um dia se quer. Tinha dia que ela dizia: o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, então emprestei a outra menina. E de tanta angustia e agonia, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia voltei a sua casa. De repente apareceu a porta a mãe daquela cruel garota. Ela com certeza estranhou meu aparecimento diariamente em sua porta. Pediu-me que explicasse o motivo. Eu a disse que apenas queria o livro emprestado. Ela não entendeu nada, pois não era motivo de ir todos os dias em sua porta. Eu disse a ela que sempre que ia a sua casa o livro estava emprestado a outra menina. Até que voltou-se para a filha com enorme surpresa disse: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler! Foi ai que percebi o tão cruel ela era.
O pior para aquela doce mãe era a descoberta que havia acabado de fazer sobre a filha. Como ela iria saber o tão cruel era a filha. Ela ficou em silêncio por um tempo. Foi então que, finalmente se recompondo, ela falou firme e tranquila com a garota cruel: você vai emprestar o livro agora mesmo. E me disse: você pode ficar com o livro por quanto tempo precisar. Aquilo valeu mais do que me dar o livro de presente, era tudo que uma pessoa, grande ou pequena, poderia ter a audácia de querer.
Como dar sequência agora? Eu uma menina pobre e humilde, estava pasma, ai recebi o livro em minhas mãos. Naquele momento não consegui dizer nada. Peguei aquele livro e sai devagar como se estivesse carregando tudo de mais valioso nas mãos. Quanto tempo levou até conseguir aquele tão sonhado livro.
Quando cheguei em casa, não fui logo ler. Fingi que não o tinha pegado o livro ainda. Só para mais tarde ter a alegria de o ter. Horas depois comecei a ler algumas linhas maravilhosas e parei. Fiquei adiando a leitura só para ter a emoção de ler cada traço daquele livro. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa toda clandestina chamada felicidade. A tal felicidade sempre seria clandestina para mim. Parece que eu já sabia. Como demorei! Vivia a sonhar. Eu era uma jovem a fantasiar.
Às vezes sentava-me na rede, pensando com o livro aberto no colo em êxtase.
Não era apenas uma menina com um livro: era uma jovem a sonhar.
Autor(a): flavia_viana
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