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Fanfic: Amante dos livros | Tema: o amor pela leitura


Capítulo: Amante dos livros

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AMANTE DOS LIVROS


Vanda Medeiros Santos da Luz



Na minha turma do 9º ano, conheci uma garota que para resumir as apresentações, o que sobrava nela, faltava em nós. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas que pareciam mais dois airbags. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pena que ela não dava a devida importância a este tesouro. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Já estávamos manjados de suas lembrancinhas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.
Não demonstrava nenhum interesse pelos livros, mas seu talento para a crueldade esse era de arrepiar. Ela toda era pura vingança, chupava balas e fazia bastante barulho para chamar nossa atenção, nunca nos ofereça um pedaço se quer. Como essa menina devia nos odiar. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu suportava e ignorava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía Alice no País das Maravilhas de Charles Lutwidge Dodgson.
Era um livro que mexia com a minha imaginação, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Esperar pelo dia seguinte, foi uma mistura de sensações que eu não conseguia explicar, estava literalmente nas nuvens: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, fiquei admirada pela beleza da casa. Ela, porém, nem me convidou para entrar. Fixou aqueles olhos arregalados em mim e com toda naturalidade, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Fiquei em choque que não esbocei nenhuma reação e saí caminhando lentamente, nos primeiros passos, começara a sentir que a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, e nem imaginava o que ainda estava por vir pois, a minha vida inteira, a minha paixão pelos livros só aumentava.
Então começou minha saga. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E se passaram semanas e só aumentando muita angústia. E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Então comecei a desconfiar das suas reais intenções, pois cada vez que me dizia o que não queria ouvir, percebia em sua face tamanha satisfação em me desagradar.
Mas nunca desistir, jurei para mim mesma que a venceria pelo cansaço e todos os dias batia na porta da sua casa. Cada dia com uma desculpa esfarrapada. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Mas chegou o grande dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Que observava minha presença em sua casa diariamente. E logo pediu explicações a nós duas. Ouviu-se apenas meu suspiro profundo, e as falas gagas de sua filha que tentara justificar minha presença ali todos os dias. Mas como a senhora conhecia muito bem a filha que tinha, logo percebeu o que estava acontecendo. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser. ”

Será que eu estava sonhando? Pois isso é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. O sorriso estampava em meu rosto. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade que sempre procurei e agora estava ali diante dos meus olhos, o livro era meu amante e só eu o possuía. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.


(LUZ, Vanda. Medeiros santos da. Amante de Livros. Senhora da Glória: Ed. Rocco, 2019)



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Autor(a): vanda_medeiros

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