Fanfic: Satisfação Ilícita | Tema: Adaptação Felicidade Clandestina - Clarice Lispector
Ela era linda, magra, alta de cabelos excessivamente pretos brilhosos e compridos, chegava na altura do quadril, sua pele era de uma tonalidade parda, parecida com uma índia, chamava a atenção por onde passava. Ela causava inveja em todas garotas do colégio, mas o que eu realmente tinha inveja era do trabalho de seu pai, dono de uma loja de quadrinhos.
Ela muito aproveitava, sempre ia pra escola com roupas caracterizadas, levava actions figures e deixava exposta em cima da mesa para que todos vessem o que ela tinha acesso. Mas o que não sabíamos é que tudo isso não passava de um marketing de seu pai, ela sempre pedia para presentear os amigos com HQ’s e Mangás em datas comemorativas, porém seu pai não permitia, dizendo que esses objetos estavam a venda e não poderia ser “dados”.
Mas que talento tinha para bondade. Sempre que seu pai viajava para buscar mais produtos, ela nos convidava para passar o dia na loja de seu pai, lendo HQ’s, mangás e até assistindo animes na televisão gigantesca que havia na loja. Seu irmão mais velho que ficava no controle enquanto o pai saía, era tão bondoso quanto a irmã, e sempre que possível deixava nos desfrutar da magnitude que era aquela loja.
Até que chegou o dia em que nossa alegria foi por água abaixo, um de nossos amigos levou para casa um HQ de edição especial do meu anti-herói favorito, o Deadpool, era um quadrinho maior do que o habitual tinha a capa dura e de cor cintilante. Ela não costumava emprestar, pois tinha medo que seu pai descobrisse, porém nesse dia na euforia do momento acabou emprestando e o combinado seria que ele entregaria no dia seguinte no colégio.
No dia seguinte ele faltou à aula.
Ela me convidou para fazer companhia até a casa do garoto, para buscar o quadrinho, chegamos e não havia ninguém, chamamos por horas, mas nem sequer sinal de alguém na casa. Combinamos de voltar dia seguinte, pois estava com medo de seu pai retornar.
No dia seguinte fomos literalmente correndo até a casa do garoto, que nos atendeu com ar de incrédulo, “afinal é só um gibi bobo” ele afirmou. Dissemos que precisaria devolve-lo senão iria estragar o esquema de leitura escondida na loja de quadrinhos, já que se seu pai descobrisse ele ficaria furioso. O garoto com cara de pouco interessado disse que havia emprestado ao seu primo, e que assim que ele devolvesse entregaria nos. Saímos de lá boquiaberta, mas sem muito saber o que fazer.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Mas o garoto já não ia mais as aulas com tanta frequência, porém frequentemente íamos a sua casa, onde ele raramente nos atendia, e quando atendia fazia pouco caso do “tal gibi bobo”. Para nossa sorte o pai dono da loja de quadrinhos, prolongou sua viagem por conta de um megaevento que teria no Japão onde lançaria novos Mangás. Mas a preocupação não nos deixava nem um só minuto. A única coisa boa que aconteceu nesse período, foi a amizade que criei com a garota que era tão invejada na escola, e percebi o quão legal ela era, pois só notava suas roupas e privilégios e nunca tinha notado como ela realmente era legal.
Até que um dia estávamos á porta do garoto, ouvindo mais uma vez o seu rodeio, então apareceu a sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição diária daquelas meninas a sua porta. Pediu explicação a nos três. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para o filho e com enorme surpresa exclamou: mas esse gibi nunca saiu daqui de casa, e você me afirmou que era um presente!
E o pior para essa mulher não era a descoberta que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada do filho que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a porta, exausta, ao vento das ruas de São Paulo. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para o filho: você vai devolver esse gibi agora mesmo. E para nós “eu quero pagar pelo gibi, por mais que ele não vá ficar, bastava ele me falar que queria e eu compraria”.
Entendem? Valia mais do que pagar pelo HQ que não será dele. “bastava ele falar que queria” é tudo que uma pessoa grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que seguiu? Estávamos estonteadas, a mãe entregou-lhe o dinheiro, mas ela recusou de imediato, então ela entrou pegou o HQ e devolveu com os sinceros pedidos de desculpas, fomos caminhando bem devagar, aquela euforia havia passado. Porém a felicidade de recuperar o HQ não estava presente. Seguimos caladas e pensativas, no caminho ela abriu o livro e dentro havia um envelope com o dinheiro.
Quando íamos nos separando, ela me entregou o HQ e disse “pegue-o sei o quanto gostaria de ter esse HQ” eu totalmente sem graça nunca tive um livro para dizer que era meu, e ela sabia da dificuldade financeira da minha família. Aceitei o HQ mesmo sem saber se deveria.
Chegando em casa não comecei a ler. Fingia que não o tinha. Horas depois abri li alguns maravilhosos quadrinhos, e fechei, não sabia se era o certo estar com ele, ainda mais depois de tanta confusão que ele proporcionou, quando o abria lembrava do garoto e sua adorável e entristecida mãe, e me vinha uma tremenda amargura, mas ao mesmo tempo sentia uma pontada de satisfação por tê-lo em minhas mãos. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa ilícita que era a satisfação.
Autor(a): paulamayaraf
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