Fanfic: Felicidade ao avesso | Tema: Felicidade Clandestina C Lispector
Felicidade ao avesso
Imagine uma criança tipo essas representadas pelo artista colombiano Fernando Botero! Acrescente a esta imaginação cabelos excessivamente encaracolados e os olhos esbugalhados por doces ela um cabelo excessivamente encaracolado e os olhos esbugalhados e ansiosos por qualquer tipo de doce! Pois assim era a filha do dono da livraria – status invejado por todas as magrelas achatadas do bairro.
Todas as garotas do bairro sonhavam em ser filha do dono da livraria. Contudo nem a própria filha nem ninguém aproveitava desse status. As que muito gostavam de ler não tinha acesso algum e a que cresceu no dos livros pouco se interessava. As mais cândidas e fissuradas por livro sonhavam em receber um livrinho qualquer de presente. Mas em vez disso o que recebiam eram cartões postais sem novidade alguma com dizeres bobos. O que enchia a todos de tédio e decepção.
O prazer da filha do dono da livraria era maltratar e humilhar a todas, principalmente as que se sacrificavam em troca de empréstimos de livros. Livros estes que nem ela mesmo se dava ao trabalho de ler, preferia gastar seu tempo chupando pirulito e fazendo barulho nos mais diversos tipos de onomatopeias. Mas todo sacrifício valia a pena. Logo que as magrelas e bonitinhas do bairro tinham acesso às leituras esqueciam todos os tipos de humilhação.
As Reinações de Narizinho, escrito por Monteiro Lobato era um dos mais desejados por todas. Um livro grosso, denso, do tipo para se ler com calma, vivendo e vivenciando página a página. Quando por acaso, ela revelou que dispunha deste livro, foi como se uma enxurrada de olhares virasse instantaneamente para ela, olhos incrédulos... todas pensando: “meu Deus, que tipo de humilhação eu vou ter que me submeter para ter acesso a esse mundo encantado de Narizinho? ”
A garota linda que muito queria ter acesso ao livro de Monteiro Lobato quase não dormia só em pensar que teria em tão pouco tempo um oceano de imaginação em suas mãos. A real possibilidade de ler as peripécias de Narizinho representava para ela estar mais leve na vida e todos os problemas e indagações de uma adolescente sumiriam de sua cabeça.
Mal sabia ela o que a filha malvada do dono da livraria panejava para ela: uma tortura diária e diabólica. Todos os dias ela inventava uma história. Mas ela sabia disso e aceitava como se fosse um sofrimento necessário e obrigatório de se passar para poder ter acesso ao livro. Uma hora o livro estava com outra pessoa, no outro dia a fulana chegou fora do horário, em um outro ela havia esquecido até que sua mãe intuitivamente percebeu algo estranho no olhar cândido da nova vítima de sua filha e resolveu intervir. “Empreste logo este livro, você nem sequer interessou-se por ele”. E tudo se revelou para a jovem vítima da gordinha má. Uma cortina de fumaça se desprendeu e ela entendeu o que estava acontecendo.
A mãe da jovem avantajada por sua vez, em sua mente também se revelou o caratê de sua filha. Calmamente ela percebeu que não havia nada de errado em emprestar ou não ou livro, mas algo profundo, delicado e diabólico teria que ser resolvido em sua filha. – Tome! Leve o livro! Fique com ele o tempo que quiser!
De posse do livro e pelo tempo que ela quisesse foi tudo o que ela mais almejava. Das mãos da mãe da garota má, ela recebeu aquele livro praticamente em estado êxtase, ainda mais pelo tempo que ela quisesse.
Em vez de sair correndo para ler o livro, saiu calmamente como se tudo estivesse parado ao seu redor e somente ela e o livro existia no mundo. Devagarinho e com olhar e gesto de contemplação ela caminhava com o livro em suas mãos.
Chegando em casa, ela contemplava o livro, sentia-o em suas mãos. Por vezes fingia não o ter, mas imaginava e sentia uma felicidade constante ao ver por perto aquele livro maravilhoso. Assim foram-se dias de absoluta felicidade, mas sem ainda ler o tal livro. Absorta em seus pensamentos de repente ela se viu não mais como uma adolescente com um livro mão, mas sim como uma mulher com desejos ardentes e dividida entre cuidar da casa ou se perder no mudo literário.
Fanfiction de Felicidade clandestina. LISPECTOR, C. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998
Autor(a): hermes
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