Fanfic: Biblioteca Mario Jorge | Tema: Conto
Biblioteca Mario Jorge
Camila Lemes
Ele era magro, alto com uma pele rugosa, cabelos ralos totalmente grisalhos. Como se não bastasse, era cego. Mas possuía o que qualquer pessoa devoradora de histórias gostaria de ter: uma biblioteca particular. Mas que infelizmente não podia mais aproveitar, desde que um glaucoma afetou sua visão.
Aquela biblioteca deveria ter mais de mil exemplares dos livros mais vendidos e conhecidos, de diversos gêneros. Eram livros grossos, meu Deus, para se ficar vivendo com eles, comendo-os, dormindo-os. Eram completamente acima de minhas posses, pois só ele tinha a chave dos armários que os guardavam. Sim, eles eram guardados a sete chaves, ele não emprestava para ninguém, eram preciosidades, raros e inestimáveis.
Mas que talento ele tinha pra crueldade. Como ele devia me odiar, eu que era sua cuidadora e podia enxergar. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ele me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ele não lia. Ele era um homem de poucas palavras, era solitário, somente eu convivia com ele.
Certo dia ele me pediu ajuda para escrever um texto, muito importante dizia ele, então tive a ousadia de falar em tom de brincadeira (mas no fundo falando sério) que só o ajudaria se ele me emprestasse algum dos seus livros. Com uma risada irônica, ele concordou. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria, eu gostaria de desvendar aqueles livros, devorá-los e saber o que eles possuíam de tão especial.
No dia seguinte quando toquei a campainha de sua casa, um homem de paletó abriu a porta, cumprimentando-me com um sorriso fechado sem comentar nada, saiu. Então entrei, e o velhote olhou bem para meus olhos, e disse-me que já havia escrito o texto com ajuda de um amigo seu. Fiquei matutando quem poderia ser, sendo que ele não convive á tempos com ninguém além de mim.
Então, questionei se poderia pegar algum dos seus livros para ler, e ele me respondeu que não, pois não havia o ajudado a escrever o tal texto. Boquiaberta afastei-me dali.
E assim o tempo passou. Quanto tempo? Não sei. Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Até que um dia, quando eu estava chegando à porta, novamente estava lá aquele “amigo desconhecido” de paletó. Só que desta vez ele não saiu, estava me esperando.
Como contar o que se seguiu? Recebi uma chave e um papel na mão. Acho que eu não disse nada. Saí andando devagar para poder ler o que estava escrito. As chaves eram do armário onde estavam os livros. E o papel? Um testamento.
Chegando na casa, o velhote já não estava mais lá. Senti um aperto no peito, porque apesar de não conversamos muito, passávamos os dias juntos. E agora ele se foi.
Li o testamento e escorreram lágrimas pelo meu rosto. Nele, havia um agradecimento pela companhia e pelos cuidados, e como ele era sozinho, só restava deixar tudo pra mim, a casa, seus bens e a biblioteca. Meu Deus, a biblioteca! Seu bem maior, com suas maiores lembranças, agora era minha!
Eu estava num misto de emoções, meu peito estava quente, e meu coração pensativo. Bom, como se não bastasse os fatos ocorridos, tive mais uma surpresa...
Fui á biblioteca, meu coração palpitava de tanta ansiedade, abri o armário dos livros tão desejados. Peguei em mãos o Livro " Á espera de um Milagre" um livro de romance, meu gênero preferido e sentei na antiga poltrona do velhote para lê-lo.
Quando folhei as páginas percebi que elas estavam em branco. Como assim!? Sem entender nada, peguei outro livro e também não havia uma escrita sequer. Então passei a mão e senti um relevo por toda a página. Naquele momento eu paralisei. Todo os livros eram assim!
Ai meu coração! todos os livros, os tão desejados livros, eram em braille!!! Agora fazia sentido porque ele não queria me emprestar, que sacanagem daquele velho.
O desânimo tomou conta de mim. Agora era eu sozinha naquela casa enorme, com um monte de livros sem serventia para mim...Calma aí! Tive uma ideia! Para outras pessoas essa biblioteca pode servir e muito!
Meses se passaram, e agora a casa estava cheia. Agora os deficientes visuais da cidade tinham sua biblioteca! Um sonho realizado! Como homenagem e agradecimento ao velhote, a biblioteca leva seu nome "Biblioteca Mario Jorge em Braille"
Eu uma sonhadora e devoradora de histórias, agora fiz história.
Autor(a): camilaglemesssgmail.com
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