Fanfics Brasil - A curiosidade trouxe o conhecimento. O inumano portal qliphótico

Fanfic: O inumano portal qliphótico | Tema: Cthulhu


Capítulo: A curiosidade trouxe o conhecimento.

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Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança gostaria de ter: seu pai era dono da livraria arcana. Era inverno em 1920, inverno como forma de dizer, pois o calor sempre foi intenso, nesta época a ruiva maldita, como era conhecida, exercia sua tortura sobre nós.


Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.


Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que seu pai havia retornado de uma longa expedição a algumas ruínas do que se acreditava ser do povo Maia, entretanto, não foi isso o que se confirmou in loco.


Dizia a filha do dono da livraria, que a origem das ruínas era desconhecida pela literatura histórica normal, mas que haviam indícios de ser de algum povo esquecido, mas inda não identificado. Seu pai estava havidamente trabalhando para descobrir a origem. E, em conjunto com várias relíquias e artefatos, ele encontrou um livro, que estava decifrando. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.


Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam. No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim em um mausoléu. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que ainda estava tentando decodificar o livro, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.


Saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo desconhecido me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e de uma malevolência alienígena. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava decifrado, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.


E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: estou em uma parte importante, preciso me certificar de alguns glifos. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.


Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ela disse: o trabalho foi concluído, você pode entrar para pegar o livro. Convidada a entrar naquela casa estranha e retorcida, fui adentrando no seu interior. A iluminação era precária e orientada por velas. Enfim chegamos a uma sala bem iluminada e com uma porta pesada.


- Chegamos, olhe isso aqui – disse a ruiva maldita ao colocar um pano embebecido em algo com um cheiro forte, que me fez perder os sentidos quase que instantaneamente.


Ao acordar a primeira coisa que vi: o livro!


E logo atrás estava a ruiva pronunciando palavras inomináveis oriundas da leitura do meu desejado livro, e estranhamente aquilo parecia ter um certo sentido. Quando tentei pronunciar alguma palavra foi que percebi que estava amordaçada e amarrada, bem amarrada. O movimento era impossível, mas isso não me gerou qualquer abalo, aquele clima, aquela aura era estranhamente familiar, quase prazerosa.


De súbito, a ruiva para seu entoado, desembainha um punhal e cuidadosamente, corta a mordaça, perguntando sem demora: você sabe por que está aqui? Por um segundo fiquei inerte, como que não soubesse o que dizer, era óbvio que não sabia, mas logo, sabia. Um sentimento enigmático de saber sem saber tomou conta de mim, até que uma voz irrompeu de minha boca, encerrando a angústia:


- Sim!


Algo dentro de mim respondia aos encantos proferidos por aquela mulher, algo que sabia o que eu sabia, mas não compartilhava seus conhecimentos, exceto seus sentimentos. Logo as palavras estranhas proferidas cuidadosamente em um ritmo tétrico foram se asseverando, e a coisa dentro de mim deixava bem clara seu apreço em relação a aquele ritual. Cansada e em um estado de semilucidez, vi a ruiva erguendo o punhal, aprontando-o para um golpe certeiro e inesquivável, mas não havia a sensação de perigo sobre aquilo, muito pelo contrário, havia uma grande expectativa.


Fatídico como a morte, veio aquele punhal que me atingiu certeiramente a região da barriga, um sentimento extremo de regozijo tomou conta do meu corpo enquanto o punhal era sugado para dentro de mim, mas o vermelho do sangue não veio a aparecer, ao invés disso aparecera uma luz que aumentava rapidamente em tamanho e força. Por fim, a entidade que me possuía deixou resvalar seu controle e eu pude ter acesso a sua consciência, em instantes meu nariz sangrou e com o conhecimento veio uma indescritível dor de cabeça. Era inexplicável, eramos a mesma pessoa, mas em tempos diferentes, mundos diferentes, dimensões paralelas.


Com o tempo nossa consciência foi se mesclando, e eu não mais pensava com aquela menina, pensava como uma mulher, como uma velha, como seres de aparência alienígena, todos unidos em um só receptáculo, essa convergência havia me transformado em um caminho entre os universos, um portal.


Retomando, agora, todas as consciências, perguntei: Ele virá? E a ruiva maldita respondeu: sim, já está atingindo as bordas da existência.


Ao passo em que o primeiro tentáculo aparecia ante o portal gerado no meu ventre, um sentimento de insanidade e júbilo tomou conta de nossos pensamentos, e lentamente relaxamos os músculos fazendo com que nossas cabeças caíssem para trás, deixando a boca aberta, até que, de súbito, proferimos:


- Cthulhu!



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Autor(a): rafael69

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