Fanfics Brasil - Amizade, sinônimo de felicidade Amizade, sinônimo de felicidade

Fanfic: Amizade, sinônimo de felicidade | Tema: Felicidade clandestina - Clarice Lispector


Capítulo: Amizade, sinônimo de felicidade

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Amizade, sinônimo de felicidade.


Naquela tarde mais uma vez, como há dias acontecia, a campainha tocou. Novamente minha filha veio correndo e se adiantou para atender a porta. Mais uma vez quem estava aguardando do lado de fora era aquela menina bonitinha que tinha no semblante um misto de esperança e ansiedade. Sua aparição no meio da tarde havia se tornado um hábito. Ela trocava rápidas palavras com minha filha, se despedia e prometia voltar no dia seguinte.


Não sei dizer há quanto tempo essa situação se repetia. Porém, naquela tarde algo me chamou atenção. A esperança e a ansiedade que antes pairavam no semblante da menina, estavam se transformando em angústia e até, (arriscaria dizer) em desespero.


Então, decidi mudar de estratégia. Ao invés de outra vez perguntar a minha filha o que aquela menina tanto vinha fazer aqui, em nossa casa, para outra vez ouvi-la dizer esfarrapada e desdenhosamente que era só uma colega de escola e sem me dar mais detalhes, sair dissimulando e desconversar para um assunto qualquer, resolvi intervir.


Eu mesma, enquanto elas conversavam, fui até a porta e delicadamente (afinal se tratava de uma colega de minha filha e aparições de colegas dela em nossa casa, não eram costumeiras) exigi explicações.


Após alguns segundos de hesitação e de observar alguns balbucios e olhares entrecortados, descobri a assustadora verdade. Minha filha, por algum motivo que me era desconhecido, vinha diariamente ludibriando aquela menina e pelo que pude perceber, se divertindo, executando algum tipo de vingança infantil.


Fiz o que naquele momento estava ao meu alcance. Libertei a menina da tortura praticada pela minha filha dando a ela o que tanto desejava; o que tardiamente descobri que ela vinha todos os dias procurar em minha casa; que para minha desilusão, não era a amizade de minha filha.


Confesso que estava enganando a mim mesma. Que mesmo achando estranha aquela aparição diária daquela menina, demorei a realmente tomar uma atitude para entender o que acontecia. Porque por dentro, me alegrava o fato de minha filha estar finalmente recebendo visitas de uma menina de sua idade, de uma colega de sua escola. Ainda que elas fossem infundadas e tanto quanto rápidas e estranhas. Afinal, elas eram crianças. Que mal poderia haver naquelas visitas? Pois havia...


Assim que a menina se foi saltitando pela rua como quem segurava nas mãos o mapa da felicidade (desta vez sem prometer voltar), fingi me recuperar da surpresa que aquela revelação tinha me causado, endureci o rosto, olhei firme para minha filha e exclamei: Agora teremos uma longa conversa mocinha!


Minha menina ruiva e sardenta, sempre foi uma criança meiga, sensível e astuta. Um tanto quanto tímida; que sempre gostou de ler e nutria amor pelos livros. Não podia ser diferente! Havia um grande incentivo, já que seu pai era dono de livraria.


Não entendia por que de repente, ela se portava com tamanha hostilidade e sadismo. Por que diariamente negava aquela menina loira, que compartilhava com ela o mesmo gosto pela leitura, o prazer de se deliciar com o tão almejado livro e ainda parecia se satisfazer com isso?


Reinações de narizinho. Era Monteiro Lobato! Um de seus autores preferidos. Um livro grosso, um companheiro fiel, capaz de povoar a nossa imaginação de aventuras por muito tempo.


Ela me disse: Mamãe, por favor! Não me castigue! Ela e suas amigas não gostam de mim. Elas são perfeitinhas demais e eu não tenho nada que me aproxime delas. Todos os dias na escola, vejo como me olham e cochicham sobre mim. Essas meninas mal me conhecem e parecem me odiar. Então, decidi me vingar. Me cobrir de desdém e fazer uso de minha arma mais poderosa, a única vantagem que tenho sobre elas e umas das coisas da qual mais me orgulho: o fato do papai ser dono de livraria e o poder que o fácil acesso aos livros, me dá.  Sei que particularmente aquela menina, adora ler. Por isso resolvi usar essa, que era a minha única característica, que parecia chamar à sua atenção sobre mim. Porém, a faria sofrer por me julgar sem me conhecer. A iria torturar em cada oportunidade que tinha, não dando a ela, a única coisa que ela esperava de mim: livros!


Enquanto ela falava me doía ver o seu rosto tenso, os olhos cheios de lágrimas e a mágoa em sua voz. Mas quando ela terminou de falar, o medo que havia tomado conta de mim se dissipou. Suas atitudes eram motivadas por insegurança e não por maldade e me dei conta de um detalhe. Então sorri, me abaixei e disse a ela: Você não percebe? Vocês são mais parecidas do que pensam e tem sim, ao menos uma coisa em comum: Vocês duas adoram ler!


Nesse momento os olhos dela se arregalaram e uma expressão de espanto tomou conta do seu rostinho redondo e eu continuei. Tenho certeza de que vocês não se odeiam. Vocês duas para fugir da insegurança que traz o desconhecido, estão agindo por impulso, julgando uma a outra precipitadamente, sem se conhecerem direito.


Sinto muito, mas vou sim lhe dar um castigo e ele será aprender a conviver com aquela menina, conhecê-la melhor. Acho que já tenho uma ideia de como você irá cumpri-lo. Você verá!


Conversei com o meu marido, fui até a escola e conversei com a professora das meninas. Contei a ambos o ocorrido e eles concordaram em me ajudar. Meu marido cedeu alguns livros, a professora conversou com as outras crianças da sala de minha filha e com seus pais. Depois dos arranjos feitos, chamei a minha filha e comuniquei a ela: Nós fundaremos um clube do livro! Ele será aqui em casa. Seus colegas de escola, incluindo aquela menina bonitinha que você bem sabe quem é, foram convidados a fazerem parte dele e se reunirão frequentemente conosco. Há tempos estou querendo dar alguma serventia útil aquele quartinho lá dos fundos de nosso quintal.


Os nossos primeiros encontros foram difíceis. Minha filha fingia comparecer apenas porque precisava cumprir seu castigo. A menina dizia que vinha apenas porque gostava de livros. As duas tentando esconder que por dentro estavam adorando a experiência. As outras crianças também demoraram um pouco a se soltarem. Mas em uma tarde, como aquela onde tudo havia começado, de repente sem que se dessem conta, ambas estavam empolgadíssimas conversando. Discutindo como participariam da próxima roda de contação de histórias. Ambas de novo unidas pelo universo dos livros. Porém, desta vez, sem picuinhas. Compartilhando seu amor pela leitura e descobrindo uma amizade.


Confesso que ao ver aquela cena, ressurgiu em mim aquela felicidade clandestina, um sorriso em minha alma. Que mãe não se sente feliz ao ver seu filho feliz? ...


 


Mariana R. Tomazi


Baseado em: (LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. In: Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998)



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Autor(a): maregina_

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