Fanfic: Felicidade Clandestina | Tema: Clarice Lispector
FELICIDADE CLANDESTINA
ELIZABETH CAROLYN CLAY
Em Spoonwater, Kansas, uma cidade pequena com costumes antigos e pouca movimentação do mundo moderno, morava Penélope Richardson de 14 anos. Levava uma vida encoberta de tristeza, segredos, e laços familiares quebrados. Era uma adolescente com um caso sério de raiva guardada por tempo demais mesmo com poucos anos de vida, e com gostos peculiares, gostos que ninguém que convivia com ela conhecia. Penélope apreciava qualquer coisa relacionada à morte. Crimes pesados, contos escabrosos, sombrios. Histórias sobre cemitérios antigos, e animais mortos na estrada. Ela adorava um livro específico sobre taxidermia. Em diversas ocasiões, com seu cachorro Lucky sentado no seu lado enquanto lia, ficava imaginando como ele ficaria recheado de palha. Gostava também de qualquer conteúdo relacionado a vícios e questões psicológicas. Noutro dia, assistiu um vídeo sobre uma mulher que estava expressando seu amor por um objeto ao invés de uma pessoa: sua geladeira. A mulher detalhou sua paixão com seriedade, descrevendo como a superfície da porta da tal geladeira lhe acalmava porque era fresco e branco, proporcionando e despertando sentimentos profundos que nunca tinha sentido antes. Penélope aprendeu que o nome dessa espécie de distúrbio psicológico era objectofilia. Mais um conhecimento aleatório para seu repertório.
Com poucos amigos na escola e no seu bairro, suas interações foram limitadas às pessoas nesses vídeos e histórias que assistia ou lia. Ela chegava da escola, se excluindo de qualquer atividade extracurricular, colocava um pacote inteiro de biscoitos recheados em um prato (sempre com uma certa urgência) e enchia um copo grande com leite para poder mergulhar cada biscoito com gosto. Ela ligava seu notebook, equilibrando o prato no seu colo, e ansiosamente olhava nas suas opções de entretenimento para o resto do seu dia.
Sua rotina foi quebrada inesperadamente numa quinta-feira. A manhã começou dentro da normalidade. Acordou, tomou banho, mal olhou para seus pais, estes sempre distantes, andou até a padaria para comer uns biscoitos na praça com dinheiro que havia roubado [NM4] dos seus pais ausentes, para depois caminhar até a escola com sua mochila pesada nas costas. Chegou na escola, entrou na sala de aula e escolheu sua cadeira de sempre. Ela olhou e pensou, “Te amo, cadeira.” Riu por dentro e decidiu que objectofilia não era sua praia. Começou a desenhar no seu caderno quando, de repente, seus pensamentos foram interrompidos por um leve toque no seu ombro, era uma aluna nova que lhe chamava a atenção.
“Oi. Posso me sentar do seu lado? Sou nova.” Uma menina com cabelo loiro escuro, meio sujo, magra e obviamente com medo, estava em pé ao lado da pensativa e distante Penélope. “Pode.” Disse Penélope num tom neutro.
Penélope manteve o olhar na sua cadeira. Mas aquela garotava havia lhe despertado certa curiosidade. Assim, com sua visão periférica, ficou olhando para ela, decidindo o que pensar sobre essa nova menina. De certa forma, foi quase instantâneo que se viu tomada por um sentimento em relação a garota. No entanto, a priori, não se permitiu explorar esse sentimento.
“De onde você é?” perguntou Penélope.
“Sou do interior de Missouri. Morava em uma fazenda e frequentava uma escola na zona rural, mas meu pai era dono de uma loja de mágica lá no centro da cidade.” A garota diz com vergonha enquanto virava os olhos. “Ele conseguiu vender a sua loja e então mudamos para cá. Abriu uma nova loja de mágica naquela avenida grande no centro da cidade.” Ela fez uma pausa, sentindo que tinha falado demais e terminou com, “Enfim.”
Penélope olhou para a novata com uma atitude blasé de propósito. Depois de uns alguns minutos decidiu interagir dizendo em um modo quase grosso, “Não conheço Missouri, mesmo sendo tão perto daqui.” Penélope estava tendo que equilibrar seus sentimentos e ações em relação a esse encontro inesperado. Não queria demonstrar a complexidade de emoções que estavam se desenrolando dentro dela. “Você tá morando onde? E qual é seu nome mesmo?”
“Erika. Moro perto daquele parque largado, que tem um rio passando perto.” Erika arriscou um sorriso pequeno e sutil.
“Perto de mim. Moro na Rua Lincoln. Já entrou naquela casa abandonada depois do rio?”
“Não.” disse Erika olhando para baixo. “Qual é seu nome?”
“Penélope.”
E com isso, a aula começou. Penélope não conseguiu focar na aula. Focou na sua nova obsessão: Erika. Erika era claramente insegura e medrosa. Uma combinação atraente. “Mas vamos com calma” pensou Penélope.
Por causa da sua mania de fantasiar com seus vícios e gostos peculiares, Penélope era uma péssima aluna. Durante as aulas desenhava na cadeira ou num caderno as logísticas dos casos que assistia no YouTube ou que lia nos seus livros. Nesse dia em que conheceu Erika, Penélope estava desenhando seu cachorro com palha saindo da barriga de novo. A concretização de um desenho como esse, enchia Penélope de uma felicidade que outros sentiriam numa festa de aniversário ou com uma nota boa em um exame. Mas ninguém notava Penélope. A verdade era que ela era calculista por dentro. Ela possuía ideias cruéis e manipuladoras que tinham uma tendência de dominar seus pensamentos, mas nunca suas ações.
Penélope chegou em casa aquele dia do mesmo jeito de sempre. Pegou uns biscoitos recheados, um copão de leite, e equilibrou tudo no seu colo, na sua cama enquanto abria seu notebook em busca de detalhes. Sua obsessão por Erika foi duradoura. E sua obsessão por morte e curiosidades estava tomando conta dos seus pensamentos cada vez mais. A mistura dos dois fatores a dominou. Ela clicou na barra de pesquisa do YouTube, e escreveu: formas de praticar taxidermia. Vários vídeos apareceram. Com tantas escolhas, os olhos da Penélope ficaram enormes diante das possibilidades. Ela tinha um hábito de ler sobre o assunto, mas nunca tinha pesquisado vídeos. A sensação de visualizar o assunto, ir além de desenhos no seu livro velho, que nunca havia devolvido para a velha biblioteca da cidade, foi quase demais para ela. E o fato de que ninguém desconfiava da sua natureza foi ainda mais empolgante.
Ela clicou num vídeo com o título: Como um animal é empalhado. Rapidamente percebeu que queria seu caderno, que mantinha escondido, por perto. Ela estendeu sua mão entre a cama e a parede e o tirou. Pegou a caneta debaixo do seu travesseiro, e deixou de lado seu prato de gostosuras para focar na sua prioridade atual. Penélope assistiu com muita intensidade. Aprendeu já de início as diferenças entre taxidermia atual e antiga, e sentiu uma atração maior com a maneira antiga da prática - o uso de palha de verdade -, que havia dado origem ao termo “empalhamento”, igual seu livro velho descrevia. Clicou no próximo vídeo com o título: Materiais necessários para empalhamento de animais. Com cuidado fez uma lista, depois comparando com mais dois vídeos sobre o mesmo assunto e seu livro.
Penélope parou sua pesquisa abruptamente, se afastando do seu notebook. Tirou seus dedos do teclado, e começou a rasgar fiapos de pele dos seus lábios. Seu olhar estava fixo, mas sem foco. Depois de uns minutos, sentindo seu mundo interior tomar conta de si, sentiu o gosto de sangue na sua língua, junto com uma sensação grudenta nos seus dedos, também sujos de sangue, devido aos machucados do seu lábio inferior. Ela tinha sumido por uns momentos, tinha desligado qualquer estímulo fora do seu corpo, e seus pensamentos estavam consumidos por seu mundinho. Mal piscava nesses momentos. Foi aí que ela respirou e puxou seu notebook de volta. Abriu uma nova aba de pesquisa e fez “poc” “poc” “poc” com seu dedo numa tecla do seu notebook, contemplando se devia continuar ou não com seus pensamentos, pois sabia muito bem que uma vez que fosse em frente, teclando o que queria teclar, suas emoções e sua obsessão iam ficar fortes, de maneira descontrolada. Mas Penélope não conseguiu parar, as imagens voando na sua cabeça. Não conseguiu diminuir sua vontade.
Teclou devagar “empalhamento de humano”, e foi direto para as imagens primeiro. Seus lábios abriram um pouco, deixando a respiração secá-los, enquanto viu uma variedade de imagens sobre seu tópico de interesse. Viu bonecos, muitas imagens com animais empalhados e algumas imagens de rostos de senhores. Penélope clicou na imagem de um dos senhores que chamou mais a sua atenção. Ele tinha pálpebras grossas que penduraram em cima dos seus olhos mais que o normal. O nome do senhor era William McKee do Arizona. A polícia tinha pedido para conversar com McKee sobre uns casos de roubo no bairro. Ele então, havia permitido a entrada dos policiais, e até ofereceu um chá gelado enquanto se sentaram na sala de jantar. Pelo que Penélope leu, a polícia em algum momento da conversa começou a notar a coleção de bonecas que McKee tinha num sofá e berço na sala de estar. As bonecas estavam todas com roupas comuns de crianças, e rostos estranhamente desfigurados. Os corpos das bonecas também estavam desproporcionais, diferente de uma boneca comum de uma loja. Um dos policiais, seguindo seu instinto, perguntou se o senhor tinha filhas. McKee, obviamente não esperando a pergunta, mostrou um sinal de inquietude quando respondeu que não tinha. Claro que depois dessa resposta, o policial perguntou por que ele tinha aquelas bonecas então. McKee soltou uma resposta sobre uma ex-namorada de anos atrás que sempre quis agradar as crianças da vizinhança. Mas logo foi descoberto que o senhor McKee sequestrou crianças e utilizou a prática de empalhamento de humano nelas.
Os dias foram passando, e Penélope trabalhou seu relacionamento com Érika. Depois de umas semanas se conhecendo na escola, Penélope pediu para conhecer a loja de mágica do pai da menina. Com vergonha, Érika a levou. Chegaram na loja, e Penélope ficou com olhos arregalados, pois não era uma loja pequena, mas uma loja completa, cheia de todo tipo de material para um mágico. Desde um iniciante até o mais experiente. Muitas coisas, Penélope não sabia da sua utilidade, mas na realidade estava procurando certos objetos de fácil acesso numa loja dessa. Ela queria algemas e um lenço. Simples.
“Acho que vou comprar duas coisas para treinar em casa, Érika.”
“Quais coisas? Posso te mostrar.”
“Vi uma vez um mágico na TV que fez um truque superlegal com algemas, mas algemas reais, sabe? Não aquelas fraquinhas que dá para abrir facilmente.”
“Temos vários tipos de algemas aqui. Umas com chaves, outras que abrem com um pequeno gancho...enfim, várias. Vem aqui que te mostro.” Érika gritou para seu pai na frente da loja, “Vamos aqui atrás pai, para ver as algemas.” O pai dela só fez um sinal com a cabeça, ocupado com os recibos do dia.
As garotas chegaram numa fileira de algemas, e Penélope colocou a mão em várias para sentir a firmeza de cada uma, e verificar como cada uma funcionava.
“Qual truque você viu?” perguntou Érika.
“Ah, um mágico nunca revela seus segredos!” disse Penélope sorrindo.
“Tudo bem. Tudo bem.” sorriu Érika.
Depois de uns cinco minutos, Penélope escolheu uma algema que havia achado perfeita. Virou para Érika, e pediu para ver o próximo item. “Agora eu preciso de um lenço. Sabe aqueles compridos que palhaços usam?”
“Beleza! Temos um corredor de coisas desse tipo. Que legal, você não acha besta essa loja. Sempre tenho vergonha de mostrar a loja às pessoas, mas você está curtindo. Legal isso.”
Penélope deu apenas uma risada para Érika.
Chegaram a um corredor cheio de tecidos de cores vibrantes. Penélope viu instantaneamente o lenço que queria. Um vermelho de mais ou menos um metro. Ela puxou forte o lenço para ver se esticava ou ficava firme e decidiu que ia comprar mesmo. Tinha uma firmeza fácil de manusear. As duas foram até o caixa, o pai da Érika fez um comentário que queria ver o truque depois que Penélope treinasse bastante, e elas se despediram.
As garotas passaram os fins de semana juntas. Penélope buscava agradar a Érika assistindo os filmes que ela mais gostava, mesmo não gostando. Ela fingia uns truques de mágico com os acessórios que comprou, e depois faziam tarefas da escola juntas. Para Penélope, era um jogo para ganhar a confiança de Érika. No seu tempo livre, ela estudava técnicas, assistia filmes específicos, tudo para executar seu plano.
**********
Penélope acordou cedo num sábado, comeu um pão na padaria da esquina, e em vez de um leite com chocolate, decidiu comemorar seu bom humor com um refrigerante refrescante. Ela se pegou quase pulando de excitação, enquanto ligava seu laptop e deixava seu caderno parcialmente rasgado deitado na cama. Precisava primeiro fazer uma revisão final do seu plano, para depois juntar as coisas no armário e concretizar sua felicidade.
Ligou para Érika na hora que havia combinado, e esperou por ela na casa decrépita depois do rio perto do parque abandonado. Era um dia nublado, mas sem ameaça de chuva. Isso acalmou sua mente. Penélope deixou do lado da porta, dentro da casa, os acessórios que havia comprado na loja junto com uma pá. Assim como uma bolsa enorme feito de lona com uma agulha grande e linha forte, uma faca pequena, mas afiada, silver tape e palha velha que tinha encontrado numa fazenda perto do local no dia anterior depois da escola enquanto estava escurecendo. Ela tremia de animação, e não temia consequências. Nem passava na sua mente sobre o depois.
Penélope estava na frente da casa quando viu sua amiga vindo com um sorriso. Érika acenou animada, mas Penélope nem se mexeu. Quando Érika chegou, Penélope abriu a porta com naturalidade, e claro, Érika nem desconfiou. Assim que estavam dentro da casa, com a porta fechada e trancada, Penélope empurrou a despreocupada Érika para o chão, e nesse momento deu um sorriso genuíno. Érika virou confusa, imaginando que foi uma brincadeira que deu errado, porém logo viu sua amiga com outros olhos. Penélope olhava para ela com uma pose de confiança nunca visto por Érika antes. Foi tão notável que fez ela congelar no chão. Isso deu tempo suficiente para Penélope pegar as algemas que tinha e travar as mãos e depois amarrar os pés com uma parte do lenço vermelho que havia cortado no dia anterior.
“O que está fazendo, Penélope!?”
Penélope nem escutou. Estava no momento dela.
“Por favor, Penélope! Não tem graça! Está me assustando! Não tô entendendo nada!”
Penélope tirou um pedaço grande de silver tape e abafou os apelos da amiga. Sua concentração foi avassaladora. Rapidamente, e sem pensar duas vezes, cortou o peito de Érika profundamente causando um grito opressivo. Seu corte foi de amadora e nada reto por causa dos movimentos bruscos de Érika, mas tentou imitar os cortes vistos no livro de empalhamento que lia tanto. Se sentiu perto de uma grande realização. Logo mais, Érika ficou quieta e totalmente imóvel. Penélope então, enfiava a palha velha em qualquer canto do corpo exposto. Ela não se preocupava mais com os livros ou os vídeos. Estava num estado de êxtase. Estava sentindo uma libertação. Pareceu que estava expondo sua felicidade para todo o mundo, como se tivesse uma plateia aplaudindo cada ato realizado. Com suas mãos sangrentas, pegava mais e mais palha, e enfiava mais e mais onde podia, focando especialmente no torso, quando de repente pausou. Respirou e olhou o cenário. Pegou a agulha e linha sem nenhuma tremedeira e começou a costurar o peito tendo que enfiar palhas soltas mais para o fundo do torso. Conseguiu fechar o torso somente pela metade quando pausou novamente e ingeriu tudo. Podia ver a palha suja e sangrenta saindo da barriga e isso a fez sorrir. Era como um troféu. Estava na hora de sua felicidade não ser mais um segredo. Sem terminar o processo, arrastou o corpo da Érika para fora da casa abandonada para expor seu trabalho ao público. O processo era considerado lindo por ela.
Autor(a): eccr82
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