Fanfics Brasil - FELICIDADE USURPADORA Felicidade Usurpada

Fanfic: Felicidade Usurpada | Tema: A TECNOLOGIA COMO SUPORTE PARA O TRABALHO COM A LEITURA LITERÁRIA INFANTOJUVENIL E A ESCRITA NO 9° A


Capítulo: FELICIDADE USURPADORA

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Todo fim de tarde a cena se repetia. Sentada na varanda, Lorena colocava o livro grosso e pesado no colo. Relia a capa. Primeiro silenciosamente, depois num sussurro carregado de segredo:"As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato". Encerrava-o sobre o peito. Então, cuidadosamente, para que não se abrisse outra página ansiosa pra se fazer lida, segurava o marcador e forçava-o para cima. Os olhos pequenos e azuis se apertavam sobre as letras, capturando-as, devorando-as. Era uma página só, não mais. Fechava-o. apertava no peito novamente e deslizava, silenciosa, para guardá-lo lá, sobre a parte mais alta da estante, quando a mãe gritava seu nome.


Pela porta, que sempre ficava aberta, eu podia vê-lo. Pensava: "Se pulo o muro, subo naquela cadeira e já era." A mãe ficava no quarto, na cama ou na cadeira de rodas. Mas me faltava coragem...


Eu via e revia a cena todos os dias. A cada dia somavam-se as folhas antes do marcador, enquanto as posteriores diminuíam. Questionava-me que prazer era aquele, de torturar-se propositalmente. "Masoquista". "Despudorada". Mas aquele ritual teria fim um dia. Eu teria paciência para aguardar o fim do doce.


No outro dia, na escola, eu tinha pressa de descrever a cena que presenciara, por cima do muro. Joyce me questionava se eu não corria o risco de ser pega bisbilhotando. Eu me gabava. "Nunca. Ela só tem olhos para o seu livro. E depois, eu estou sempre escondida pelas folhas da árvore. Fica tranquila que sou esperta. Sua sorte nem foi eu ser vizinha de muro da Lorena, mas minha habilidade em não me fazer notar."


Joyce olhava para mim com olhos de gratidão. Ao mesmo tempo, de medo. Talvez que eu contasse. Talvez que eu desistisse de lhe prestar esse favor. Talvez por outro motivo que não me ocorria.


Pobre Joyce! Quantas vezes narrou para mim o fatídico dia em que sua mãe emprestara o livro à Lorena. E enfatixava: "Sem pressa de tê-lo de volta". Eu podia sentir seu desespero, sua aflição, sua ansiedade por ter a obra em suas mãos. Até sentia pena. Mas não era isso que me movia.


Ela retribuía a minha bisbilhotice com balas e doces. Chegou a pegar um pequeno livro, que lhe coube sob a blusa, na livraria do pai para me estimular. Eu já não sabia mais o que me deliciava: se observar os movimentos escondidos da Lorena, que sempre cobiçou tudo que a Joyce tinha ou se ganhar os mimos da Joyce em pagamento aos meus serviços.


"Você não consegue visualizar quanto falta para ela chegar ao final do livro? Um tanto assim? Ou assim?" E quanto mais ela aproximava o indicador e o polegar, sugerindo a quantidade de páginas, mais seu desespero aflorava. Eu já não sabia se queria que a Lorena concluísse a leitura ou que nunca o fizesse.


Naquela tarde, eu procurei me aproximar mais do lugar onde se sentava. Precisava prestar a informação mais precisa de quantas páginas estaria faltando para o final do livro. Esgueirando-me entre as folhas, pude ver que faltavam pouco menos que três. O suor escorria pela minha testa. O vento fresco agitava as árvores, as páginas do livro e eu via. Sim. Três, Não mais. O coração saía pela boca. Um informação importante que me renderia alguns mimos a mais.


Mal pude esperar a hora de ir para a escola. Lá estava a Joyce. Me esparando. Não disfarcei. Com um gesto a atraí e andei em direção à grande árvore que ficava no canto do pátio. Ali, descrevi a cena e terminei com um gesto de três dedos próximos aos seus olhos esbugalhados. Não entendi se ela gemeu ou grunhiu. A ordem veio de supetão: "Amanhã você não virá à escola. Quando ela sair, deve roubar o livro. Antes que ela chegue na última página!"


Meu coração acelerou. Não fui à aula naquele dia. Saltei o muro. A porta entreaberta. A cadeira. Num gesto só, ele estava ali, em minhas mãos. O marcador na penúltima página. Cheguei a sentir pena de Lorena. Tão pouco para terminar a leitura. Mas logo me lembrei de como cobiçava as coisas dos outros. A televisão estava ligada e pude ver a mãe, de costas, talvez cochilasse. Com meu tesouro sob o moletom, pulei o muro. Nesse instante, a aba da capa se entreabriu e deixou cair um poema. Li avidamente... "Assinado: Joyce".


Esperei-a na esquina de sua casa. Como combinado. Do meu moletom, para o dela. Tirei o papel do bolso. Entreguei-lhe. "Seu poema caiu da aba da capa, quando saltei o muro. Que sorte a Lorena não ter chegado ao final"


Daquele dia em diante, comi doces em todos os recreios da escola.



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Autor(a): claudia2019

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