Fanfic: Felicidade desejada | Tema: Felicidade Clandestina - Clarice Lispector

 FELICIDADE DESEJADA

Ela era bem magra, alta, sardenta e de cabelos lisos e murchos, meio arruivados. Tinha pouco seios, enquanto nós todas já estávamos com um pouco. E possuía o que muitas crianças, principalmente meninas gostariam de ter: a mãe dona de uma escola de dança.

Pouco aproveitava. Mas nós sim: a maioria das meninas faziam aulas de dança na escola de seus pais. Mas ela não, como diz o ditado “santo de casa, não faz milagres”.

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era convencida, com olhar maligno, talvez de inveja para todas nós enquanto fazíamos aulas. Como essa menina devia nos odiar, nós que nós nos divertíamos dançando na escola de seus pais, com algumas aulas sendo sua mãe a professora. No entanto, odiava muito mais ele, um menino, o único matriculado na escola de dança, o único “masculino”.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre ele uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-lhe que ele não mais poderia participar das aulas. Aulas maravilhosas, tão desejadas por esse menino, que por muito já passará para chegar até ali. Um menino, fazendo aulas de dança, é algo incomum, em mundo desde cedo machista.

No dia seguinte ele foi à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como ele, e sim numa casa. Não o mandou entrar. Olhando bem para o menino, disse que se ele continuasse a participar das aulas, ela faria passar por uma humilhação diante todos na escola, com ameaças misteriosas, das quais o menino morria de medo.  

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha dos donos da escola era tranquilo e diabólico. No dia seguinte ele estava à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo, pedindo para voltar a escola de dança. Para ouvir a resposta calma: vou pensar no seu caso.

 Quanto tempo? Ele não sabia. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Ele já começara a adivinhar que ela havia o escolhido para sofrer.

Até que um dia, quando ele estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquele menino à porta de sua casa. Pediu explicações aos dois. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com óbvia decisão exclamou: mas amanhã mesmo você voltará para as suas aulas, e nada fará minha filha contra isso.

Não era mais um menino com aulas de danças em meio a tanto preconceito, era sim, agora um bailarino.