Fanfic: Felicidade Clandestina | Tema: leitura, infancia
DE CLARICE LISPECTOR
Rescrito por: ANGELICA MENDONÇA DE OLIVEIRA
FELICIDADE CLANDESTINA
Era uma garota gorda, baixa, sardenta com cabelos crespos e arruivados, era pouco sociável e com um ímpeto de afastar as pessoas ao seu redor. Tinha um busto enorme e farto, enquanto nós todas ainda éramos secas, magrinhas mesmo, porem com um tom belo. E como se não fosse o suficiente, entupia todos os bolsos de sua roupa com balas e chocolates. Porém tinha o que toda criança amante de histórias poderia ter: Uma mãe escritora e um pai dono de livraria.
Mas não aproveitava seus livros. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja de fotografias do pai. Ainda por cima era de paisagem de Manacapuru mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas.
Seu talento para crueldade era indiscutível. Como essa menina nos odiava, nós que éramos imperdoavelmente bonitas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo era sádica. Na minha ânsia de ler, nem ligava para humilhações que ela me submetia, continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia. Certo dia me torturou ferozmente, pois possuía “As reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato.
Meu Deus, era um livro para ficar vivendo com ele, Disse que me emprestaria. Fui à sua casa, correndo. Não me mandou entrar. Olhando em meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, boquiaberta, saí devagar, mas a esperança de novo me tomava. O plano secreto da filha da contadora de histórias era diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Eu já começara a suspeitar que ela queria ver eu sofrer, às vezes adivinho. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, já emprestei a outra menina. Porém certo dia, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe já estranhando minhas diversas aparições, pediu explicações a nós duas. Ela achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nunca quis ler!
O pior para ela não era nem saber o que estava acontecendo, mas sim a descoberta horrorizada da filha que tinha. Foi então que, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim ela disse: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Eu estava atônita, e assim recebi o livro, eu não disse nada, nem saí pulando como sempre fazia. Saí andando bem devagar. Ao chegar em casa, não comecei a ler, apenas horas depois abri-o, e li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo, fingi que não sabia onde guardara o livro, e quando achava o abria por uns estantes. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Eu era uma rainha delicada. Sentava na rede com o livro no colo apenas o olhando em êxtase. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Autor(a): 4ng3licaol1ve1ra97
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