Fanfics Brasil - Projetando alternativas Amor que não se encontra nos livros

Fanfic: Amor que não se encontra nos livros | Tema: Conto de Clarice Lispector


Capítulo: Projetando alternativas

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Matilda, filha de dono de uma livraria e de uma professora de português, era uma menina baixinha, tímida e sem amigos. Costumava usar os bolsos da frente de seu moletom para estocar doces que pretendia comer durante o dia. Isso se tornou um hábito a partir do momento em que seus pais começaram a obriga-la ler. Seus pais sempre colocaram projeções sobre a menina, agora com 11 anos. Na visão de muitos, ela tinha tudo o que muitas de suas amigas queriam, uma mãe que poderia recomendar os melhores livros e um pai que possuía todos eles, mas no seu ponto de vista o que ela vivia em casa estava muito longe de ser sorte. Ela se interessava por arte, gostava de mangás e de desenhar, mas esse lado nunca foi apoiado por seus pais. Eles desejavam uma filha que lesse clássicos e sonhavam com o dia em que a filha pudesse estudar em uma universidade conceituada. Sua mãe não teve a educação que sonhara, queria ter feito mestrado e viajado para fora, mas não conseguiu devido à gravidez inesperada. Seu pai não conseguiu concluir o ensino médio, pois teve que assumir a livraria de seu pai, que faleceu quando ele tinha 16 anos. Ambos eram inteligentes e leitores assíduos, mas com sonhos interrompidos que agora desejavam para a filha. Matilda sentia o peso de não poder ser quem gostaria de ser, sentia o peso de não ser reconhecida pelos próprios pais e mais ainda quando não conseguia enturmar com as outras meninas da sua classe. Tanto que passou a ter vergonha dos mangás e dos desenhos que outrora se perdia em devaneio. Sua válvula de escape passou a ser a comida.  Em casa, sua escapatória era a despensa. Muitas vezes se via trancada lá esperando seus pais saírem para trabalhar ou irem dormir. E para passar o tempo ela começou a comer o que havia em volta. Bolacha, goiabada, pãezinhos e até mesmo um gole naquela caixinha de suco de caju, o preferido de seu pai.  


Com o tempo, isso se repetiu tantas vezes que ela foi ficando mais gordinha do que o usual. Apesar de nunca sofrer bullying diretamenteMatilda sabia que sussurravam sobre ela. Estas mesmas pessoas, após descobrirem que Matilda era filha de dono de livraria, passaram a demostrar certo interesse na menina, que antes era motivo de piada entre os grupos. Começaram então a pedir livros emprestados da livraria de seu pai e a chamavam para andar junto nos intervalos. Matilda se sentia especial, emprestou alguns livros para essa turminha, mas nunca mais chegou a vê-los. Após esse episódio, começaram a excluí-la novamente. Matilda se via sozinha.  


Algum tempo depois, logo após chegar à escola, Matilda foi recebida por Paula, uma das meninas de seu antigo grupo. Paula devolveu todos os livros que os colegas tinham emprestado e disse à matilda que nunca achou justo o que faziam com ela, mas que nunca teve coragem de admitir. Matilda, que estava muito magoada, fingiu que assentiu, mas sentia que era balela. Minutos depois, Paula pergunta a Matilda se ela não pode emprestar As Reinações de Narizinho, pois é seu livro favorito. Foi então que Matilda teve uma ideia de vingança. O plano parecia tão fácil que Matilda deu um leve sorriso de canto de boca enquanto conversava com Paula. Sem entender nada, Paula perguntou o que era tão engraçado. E o que foi dito em seguida fez seus olhos saltarem. Matilda disse que As Reinações de Narizinho acabara de chegar e que ela poderia tê-lo, era somente passar em sua casa tarde. 


Sem surpresa, no horário combinado, batem à porta e Matilda corre para atender. Era Paula, tentando recuperar o folego e tirando alguns fios de cabelo que lhe cobriam a face. E como planejado lhe disse que o livro fora emprestado para outra pessoa e que se ela tivesse chegado alguns minutos mais cedo o livro estaria ali. Pediu para que voltasse no dia seguinte e a assim foi durante algumas semanas. Matilda não conseguia acreditar como Paula ainda insistia nesta rotina, era bom demais pra ser verdade. 


Até que um dia, Paula bate à porta um pouco mais cedo do que o normal. Era hora do almoço, sua mãe ainda estava em casa e poderia ver o que estava acontecendo, mas ela não podia deixar de atender a porta, ou sua mãe o faria. Decidiu arriscar. 


Ela tentou encurtar a conversa, já ia dizendo que o livro não estava ali e que precisaria voltar outro dia. Mas quando menos percebeu sua mãe já estava ao seu lado, sobrancelhas franzidas, tentando entender o que estava acontecendo ali. Perguntou para Paula por quantos dias aquilo havia se repetido e ela respondeu que perdera a conta. Sua mãe pediu para que as duas esperassem, poucos momentos depois ela voltou com tal livro, entregou a Paula e disse que poderia ficar quanto tempo precisasse. Mãe e filha a assistiram andar com passos firmes, calculados e com o livro tão fortemente abraçado em seu peito que duvidaram que alguém seria capaz de tirá-lo dali naquele momento. 


Matilda sentou no sofá e percebeu na encrenca que havia se metido e começou a se explicar para aliviar a situação. A mãe ouviu tudo, incrédula de como tinha se distanciado da filha e de como suas projeções e a do marido a afetaram.  


No dia seguinte, a mãe e o pai de Matilda a acompanharam na escola, a fim de conversarem com a direção para resolver os acontecidos com a menina. Foi realizada uma reunião com todos da turma, envolvendo a direção da escola e uma psicóloga, que sugeriu que fossem feitas campanhas sobre a conscientização do bullying e sobre gordofobia. Quem prontamente se ofereceu para ajudar foi Paula, que estava sendo verdadeira quando pediu desculpas à Matilda, mas a menina estava magoada demais para acreditar.  


Em casa, seus pais a abraçaram, pediram desculpas por tudo que jogara nas costas da filha e disseram que não haviam percebido a distância que foi criada entre as eles, mas não conseguiam passar mais tempo com ela por trabalharem demais. Explicaram também que no momento era preciso trazer um pouco mais de dinheiro para casa, pois iriam pagar terapia para a menina e logo a família ganharia mais um membro. Sim, sua mãe estava grávida e Matilda iria ter uma irmã. Colocando a mão na barriga da mãe, agora que reparou, estava realmente grande. Matilda olhou para baixo e disse baixinho, “Quando você nascer, vou ler para você o melhor livro de todos os tempos. Espero que até lá Paula já tenha terminado de lê-lo.” 



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Autor(a): hempirico

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