Fanfics Brasil - ONE SHOT O Bilhete

Fanfic: O Bilhete | Tema: Felicidade Clandestina - Clarice Lispector


Capítulo: ONE SHOT

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Vanessa trabalha na biblioteca pública do estado há pouco mais de dois meses. Depois de ser formar em biblioteconomia, havia feito o concurso para o governo e aprovada no mesmo, assumido o cargo nesse pouco tempo. Mesmo que a biblioteca estivesse carregada de livros antigos e tivesse alguns defeitos ali e acolá, a pequena era apaixonada por aquele prédio da era colonial e completamente louca por aqueles livros de páginas amareladas, transformando assim o ambiente de trabalho em seu ambiente de sonhos.


A garota sabia que não eram todos que entendiam a magia da leitura, mas mesmo assim não conseguia não se irritar com a grande quantidade de adolescentes que entravam no ambiente mais para fazer bagunça do que para ler ou pesquisar algo de fato. Mas ela também tinha suas pessoas preferidas, que sempre lhe pediam indicações que ela conseguia responder quase no mesmo segundo. Vanessa amava qualquer pessoa que amava o mundo da leitura tal qual ela amava.


Era setembro e o outono começava dar as caras nas ruas da cidade. Havia bastante vento e muitas folhas invadiam o local sem permissão, se misturando em meio às capas coloridas e desgastada que preenchiam a biblioteca. Vanessa havia pedido aos superiores que um faxineiro ficasse em tempo integral, porque ela não tinha condições de varrer o âmbito e atender as pessoas ao mesmo tempo, ainda mais quando ela era a única que trabalhava ali.


O tal faxineiro havia chegado um pouco mais de dois dias. Era um garoto jovem, devia ter a mesma idade de Vanessa, mas diferente dela, o garoto era mais alto e com a pele mais bronzeada. No entanto, isso era irrelevante já que o que importava era o serviço do mesmo e ele fazia muito bem, nunca deixando que as folhas secas ficassem muito tempo por ali. E havia algo a qual Vanessa gostava do faxineiro. Ele sempre estava paginando algum livro quando não estava varrendo. Era impossível ela não ter empatia por um leitor.


Quando fizera três meses como bibliotecária ali e o faxineiro fazia um mês trabalhando lá, o mesmo, pela primeira vez, foi ao balcão da imensa biblioteca. Eles nunca haviam se falado e aquilo acabou assustando um pouco a moça. Mesmo em choque, ela lhe ofereceu um sorriso que foi respondido por uma expressão envergonhada do moreno que coçava a própria nuca.


— Olá... Eu... Eu sou o Lucas. Faxineiro. Acho que você sabe... — O moreno falou tímido, enquanto fitava o próprio uniforme azulado, completamente sem jeito.


— Olá Lucas. Prazer em conhecê-lo. Me chamo Vanessa. Posso te ajudar em algo? — Perguntou delicadamente, como sempre era com todos que a procuravam na biblioteca.


— Você saberia me indicar outros livros como esse? — Apontou para o exemplar de O Pequeno Príncipe que estava em suas mãos.


— Livros infanto-juvenis? — Perguntou até animada. Amava O Pequeno Príncipe. Era seu clássico preferido.


— Não. Livros com muitas imagens. — O coração de Vanessa quebrou em mil pedacinhos.


Imagens? Livros com imagens? Tanta coisa que poderia ser imaginado com as letrinhas e o outro vêm atrás de livros com figuras? Não poderia estar mais decepcionada.


— Tem gibis na cesta atrás do último corredor. — Disse com mau gosto, voltando sua atenção ao computador.


Tão bonitinho, mas tão ignorante... Se houvesse uma chance de ter um crush pelo moreno, ela havia morrido ali.


— Oh. Certo. Obrigado... — Lucas voltou a dizer sem graça, caminhando para onde foi indicado, ganhando um olhar reprovador da garota.


Havia se passado uma semana desde aquele “trágico” acontecimento. Era um pouco mais de meio dia e a biblioteca estava fechada, já que aquele era o horário de almoço de Vanessa e não tinha ninguém pra lhe substituir. Não sentira fome naquele dia e por isso preferiu não sair, ficando em uma das mesas enquanto lia Cartas de Amor aos Mortos, comendo uma barrinha de cereal.


Fora interrompida com diversas batidas na porta e quase soltou um palavrão enquanto se levantava para xingar o inconveniente que não lera a placa na porta. Bufou ao perceber que era o faxineiro. Hoje era a folga do mesmo e Lucas sequer tinha que estar ali. Aquilo lhe deu raiva em dobro. Abriu a porta completamente irritada enquanto o moreno entrava no local meio sem graça.


— Você esqueceu-se de abrir a porta mais cedo, Vanessa? — Lucas perguntou inocentemente. A moça faltou pular em cima e quebrar a cara dele ao meio.


— Você não leu a placa na porta? Está escrito “Horário de almoço”. Eu estou em horário de almoço, Lucas. É pra isso que a droga desta placa existe!


— Oh. Desculpe. Eu... Eu...


— Eu o que, Lucas? Você é cego pra não ler a droga de uma placa grande e vermelha?


— Eu não sei ler e nem escrever. Desculpe-me Vanessa, eu não fiz por mal. Eu volto outra hora... — Desculpou-se completamente envergonhado e vermelho, praticamente correndo da biblioteca.


Enquanto Vanessa? Achava que ia morrer da bola que se formava em sua garganta por sua tamanha idiotice. Lucas era analfabeto.


O dia seguinte, fora a coisa mais terrível que Vanessa tivera que enfrentar. Além de chover bastante, não sabia como olharia para Lucas sem se martirizar por ter sido tão insensível no dia anterior. Abriu a biblioteca e fora pra trás do balcão, como sempre fazia e quando viu o moreno entrar, por pouco não se abaixou e ficou escondida tal era sua vergonha.


Tudo transcorreu normal, Lucas não lhe xingara ou a olhou de cara feia. Na verdade, o moreno parecia estar bem. Só que isso não impediu a garota de se sentir a pior pessoa do mundo. Vanessa sentia que precisava fazer algo pra se redimir, mas absolutamente nada passava na sua cabeça. Era tão boba que sequer conseguia pedir desculpas.


Quando o relógio bateu às sete horas da noite, Vanessa começou a ser organizar pra sair. Todos já haviam ido embora, ficando só ela e o faxineiro no recinto. Quando procurou o mesmo para ver se ele já estava pronto pra sair, o viu fazendo uma careta engraçada, enquanto via um livro de cabeça pra baixo. Não conseguiu deixar de rir e isso acabou chamando a atenção do moreno.


— Oh, desculpa. Eu tento entender isso, mas é tão difícil!


— Lucas... O livro está de cabeça pra baixo; — O moreno virou o livro pra ver a capa e percebeu que de fato estava de cabeça pra baixo. Colocou o livro na posição certa e continuou sem entender nada. — Você quer ajuda? Eu posso ler o livro pra você.


— Eu agradeço. Mas eu queria conseguir por mim mesmo, sabe? Assim, eu saberia escrever meu nome!


— Eu posso te ensinar se você quiser. A gente fica uma hora a mais aqui e eu tento te ensinar a ler e escrever.


— Você pode fazer isso por mim? De verdade? — Os olhos de Lucas brilharam. Vanessa queria que aquele brilho não sumisse nunca.


— Mas é claro. Mas vamos tentar com um livro mais simples. Começar com esse livro que está em suas mãos, O Senhor dos Anéis, não vai ser muito legal.


— Obrigado Vanessa. De verdade. Esse é meu maior sonho. — E Vanessa faria de tudo pra torná-lo real.


 


Eles tinham aulas todos os dias assim que fechavam a biblioteca. Lucas era um aluno muito esforçado e Vanessa uma professora muito paciente. Tivera o cuidado de ensinar todas as letras, sílabas e como formar as palavras. E em cada aula, Vanessa descobria um pouquinho mais sobre o moreno. Era o mais novo de três irmãos, de uma família pobre, órfão e trabalhava desde criança pra levar comida pra casa. Não pode estudar, se estudasse morreria de fome, pois sua mãe era adoentada demais para fazer qualquer serviço. Quando a mãe faleceu, já tinha seus 15 anos. Não dava pra estudar e trabalhar. Conforme foi ficando mais velho, tinha que aceitar qualquer trabalho que lhe davam, já que não tinha qualquer formação e geralmente os trabalhos sempre exigiam demais para que pudesse conciliar com uma escola.


Vanessa a cada dia se via mais encantada com Lucas. Sua história era árdua e sofrida, mas mesmo assim, ele não tirava o sorriso do rosto. Com quase três meses de aula, Lucas conseguiu escrever seu nome, obviamente com auxílio da garota, o que não deixou a conquista menos especial. O moreno abraçou a outra com tanta força em meio às lágrimas e “muito obrigado”, que Vanessa quis arrancar mais reações como aquela.


Já tinham quase um ano de aula. Lucas lia frases simples e curtas e já conseguia escrever seu nome completo sem ajuda. Todas as outras palavras eram corrigidas por Vanessa, que sempre lhe passava tarefas de casa para que Lucas pudesse repetir para ter mais facilidade de memorizar.


Em meio aos lápis e diversos livros, Vanessa percebeu que a felicidade imensa que ganhava seu coração não era apenas pelas conquistas na leitura do jovem faxineiro. Apenas a presença do moreno fazia seu coração palpitar e não tardou para que ela percebesse que estava apaixonada por Lucas.


Vanessa não sabia o que fazer com isso. Lucas era uma pessoa doce e amorosa, logo não podia entender se era uma abertura ou não para si. Sabia que o mesmo era solteiro, mas isso não ajudava em absolutamente nada, já que Lucas aparentemente era doce com todas as pessoas.


Tentou deixar isso ao máximo de lado e se concentrar em Lucas que já conseguia escrever palavras sem ajuda, mas ainda não conseguia escrever frases. Isso não o desanimava, muito pelo contrário, Lucas sempre exibia orgulhoso seu caderno com as tarefas feitas ou contando que conseguiu ler uma placa no caminho de sua casa para o trabalho. O avanço era bastante visível e Vanessa não poderia estar mais orgulhosa e apaixonada pelo seu aplicado aluno.


Era uma sexta feira e a biblioteca estava silenciosa pelas férias de inverno dos alunos das escolas que existiam ao lado. A neve caía lá fora em vários floquinhos e Vanessa mordiscava uma maçã que havia ganhado de Lucas no dia anterior. Desde que o moreno descobrira em um filme que os alunos davam maçãs para os professores, Lucas trazia uma maçã – às vezes outras frutas – todos os dias pra Vanessa, que mesmo odiando frutas, passou a amar cada uma delas e comê-las com gosto, apenas porque fora seu – não tão seu – Lucas que havia dado.


O sininho, avisando que a porta fora aberta, soou e um Lucas afobado e agasalhado atravessava a biblioteca pra deixar um copo de chocolate quente no balcão de Vanessa, que sorriu agradecida e levemente surpresa, já que aquele dia se tratava de um dia de folga do moreno e eles haviam combinado de não ter aulas nas folgas.


— Posso saber o que fez o mocinho atravessar essa neve num dia que não precisava sair de casa? — Vanessa indagou enquanto bebericava a bebida quente, oferecendo o banco ao seu lado para Lucas sentar.


— Eu não dormi direito. Eu queria conseguir escrever uma frase inteira de qualquer jeito!


— Lucas, já conversamos sobre isso. Você precisa ter paciência e aceitar que tudo tem seu tempo. Você vai conseguir. Você já avançou muito.


— É que hoje faz um ano que consegui escrever meu nome sozinho. E foi o momento mais feliz da minha vida. Eu precisava te agradecer. Eu preciso, na verdade. Preciso muito.


— Não precisa nada, seu bobo. Ver sua dedicação me faz feliz. E me faz mais feliz saber que eu estou te ajudando a entrar neste mundo bonito da leitura.


— Eu sei, mas eu queria mesmo assim. E consegui. Eu consegui Vanessa. Eu escrevi minha primeira frase sozinho. — Lucas falou completamente orgulhoso e mesmo sem ver a frase, Vanessa não poderia estar mais feliz. Seu menino estava crescendo!


— Eu posso ver então? — Vanessa estendeu a mão, esperando que Lucas lhe desse o caderno.


— Er... Pode. Eu acho. Nossa. No meu pensamento isso era mais fácil. Não sei se quero que leia.


 — Deixa de ser bobo, Lucas. Me dá esse caderno.


Lucas, mesmo envergonhado, entregou o caderno azul de capa dura. Vanessa não teve dificuldade de folheá-lo, já que havia corrigido cada página e sabia exatamente onde havia parado. A folha que estava em branco no dia anterior, estava toda manchada e borrada, provavelmente, por conta da borracha que fora passada diversas vezes sobre a caligrafia grossa. A letra do moreno não era bonita, mas era legível com um errinho ou outro. Vanessa saberia ler qualquer coisa que Lucas tivesse escrito, logo, não demorou a entender a frase que estava escrita solta em uma das linhas no meio da folha.


Os olhos naturalmente arregalados cresceram ainda mais e seus lábios carnudos abriram em surpresa ao reler novamente a frase. Não era só o fato de Lucas ter escrito uma frase sozinho. Era que em meio aos borrados e rabiscos, com a caligrafia tremida, estava lá, legível uma frase pequena que mexeu com todo o corpo da garota. A primeira frase escrita pro Lucas era pra si e dizia EU TE AMO.


— Você sabe o que tem escrito aqui, Lucas?


— Eu sei. Acho que sei. Não sei? Escrevi errado? Eu corrigi várias vezes e... — Lucas não conseguiu terminar, porque os lábios de Vanessa foram contra os seus de maneira repentina. Mesmo assustado, Lucas segurou a menor e a beijou avidamente como tanto queria. Estava completamente feliz. Seus dois maiores sonhos haviam sido realizados: Conseguira escrever e pela escrita, conseguira falar o quanto amava a sua professora. Lucas sempre ouviu que as palavras eram mágicas, mas naquele momento, enquanto beijava a moça, ele soube o real significado da magia.



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Autor(a): joaosaulo1

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).




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