Fanfic: Felicidade Clandestina | Tema: Releitura do texto felicidade Clandestina de Clarice Lispector

Felicidade Clandestina 

Ele era gordo, sardento e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Mais alto e mais forte que nós, ainda tinha algo que todos os meninos da escola invejavam. Um pai dono de locadora.  

O menino nem gostava de filme, nós estavamos maravilhados com Scorcese, David Fincher e até Copolla. Ele não fazia questão de ver, tudo parecia chato, monótono, cheio de diálogo e “parado”. No nosso aniversário nunca deixou a gente alugar um filme de graça. Podia pelo menos ter dado um vale de 5 filmes pro final de semana pelo preço de dois, a gente queria era Indiana Jones, Rocky Balboa. Star Wars tava de bom tamanho.  

Um talento inigualável para maldade, a gente fazia papel de trouxa as custas de um potencial jovem solitário e quem ninguém queria ficar perto. Eu ficava lá, puxando os limites do meu amor próprio, ouvindo piadinha sem graça e concordando com comentários absurdos, na esperança de receber um convite pra assistir filme na casa dele, ou pelo menos ganhar um VHS  que eles não fossem usar mesmo.  

A sincera verdade é que esse VHS específico tinha nome, telefone e endereço. Alien o oitavo passageiro, de Ridley Scott, 1979. Gosmento, violento, chocante e efeitos especiais que pareciam convincentes para os anos 90.  

Um dia num intervalo qualquer entre as aulas, dei o salto de fé, dando uma delicada deixa do que eu queria:  

-Mas filme massa memo é o Alien, alguém aí já viu? Meu pai falo que é nojento ao ponto de querer tomar um banho depois que acaba. 

Com a mirada levemente levantada me olha de canto e diz: 

     -Ah, é filme velho. Meu pai tem lá na locadora, ninguém aluga. 

Aí começou meu dilema, meu calvário, minha esperança. Era uma capa de VHS preta e verde, com um ovo alienígena na frente, chamava atenção de todo mundo que fosse consciente na sessão de ficção científica. 

No dia seguinte eu fui correndo até a locadora, esfolando o pé de havainas de tão rápido que corria. Quando entrei na locadora, ali estava. Grande, forte e robusto. Minha frustração não podia ser maior, quando escutei que o filme já tinha sido alugado.   

Isso se repetiu no dia seguinte, e no outro, e no outro. Não sei por quanto tempo eu esperei. Por quanto tempo eu estive em meu próprio sono de criogênico, sonhando com a oportunidade de saciar minha curiosidade.  

Era incrível como a fita nunca estava lá. Sempre algo acontecia, em meu âmago eu sabia que o plano era diabólico e de tortura com fins de satisfação pessoal. Porém a esperança é a última que morre. 

Um dia faltei a aula. Decidi ir por mim mesmo até a locadora. O filho seguia na escola e em minha “absentia” não programada havia passado a perna em meu inimigo. Entrei pela porta da frente, destemido. Me dirigi até a sessão de Ficção cientifica, comecei a buscar na primeira parte da sessão de ordem alfabética. Passei o dedo indicador delicadamente e quase de forma amedrontada e nada. O filme não estava ali. Fui cabisbaixo até o balcão, para minha surpresa um homem simpático estava no balcão. Era o pai, o progenitor de meu arquirrival. “eu tô procurando alien, cês tem?”  

“o do ridley scott? Rapaz, minha ultima fita pra aluguel tá atrasada. Num me devolveram, multa alta aqui pra pagar”  

O senhor viu minha cara inconsolável, miúda e triste por não ter o clássico em mãos.  

“Mas eu posso te emprestar, tenho uma cópia na minha coleção pessoal, mas tem que prometer que vai me devolver, ok?” 

Eu estava em êxtase. Cheguei em casa flutuando, nem me lembro de ter feito o caminho até minha residência. Esperei a tarde inteira até meu irmão chegar da escola. Observei com carinho as três fotos do filme de trás embaixo da sinopse, lendo e relendo o texto. 

Já não estava com um filme, estava com minha amante.