Fanfic: Tristeza Clandestina | Tema: Originais
Tristeza clandestina.
Abri os olhos. Não queria levantar da cama, mas, por mais bobo que pareça, a sopa maravilhosa que minha mãe preparou na noite anterior me concedeu as forças necessárias para realizar este feito. Um infortúnio, uma desgraça. Minha pobre gata se foi. Por minha própria culpa. Dois dias atrás. Eu estava tão animado. Havia acabado de fazer uma prova pela faculdade a distancia e tudo que eu queria era entrar e me entreter com algo que não fosse me acrescentar em nada na vida.
Eu entrei pelo portão escancarado e pressionei o botão do controle remoto para que ele fechasse. Entrei em casa. Conversei com meus pais. Uma conversa descontraída. Divertida. Eu finalmente podia ver a luz. Eu finalmente enxergava cor na vida novamente. E tudo pra que? Para que meu pai descobrisse que o portão havia esmagado nossa única gata.
Eu estava devastado.
Terça feira. Eu não fiz absolutamente nada. Não alimentei os cachorros, não varri a frente, não lavei a louça, não estudei para prova, não saí de casa, não conversei com quase ninguém. Era um preto e branco. Com muito contraste. Eu carregava o peso daquela morte. Não só a morte, mas o sofrimento que fora causado no pobre animalzinho até que a vida se esvaísse de seu corpo. Naquele dia eu acordei, eu chorei, eu distrai minha cabeça, eu chorei, consolei alguém que também precisava de consolo, fui consolado (não muito na verdade) e dormi.
Quarta feira. O dia era cinza. O ar que eu respirava ainda era pesado e todo suspiro era um bomba relógio que poderia explodir em lagrimas a qualquer momento. Mais uma vez eu não fiz nada. Neste dia eu consegui sorrir com algumas bobagens que eu procurei para me alegrar. Ainda era difícil. De verdade. Eu estava tão bem nos últimos dias. Eu estava me libertando do meu algoz, estava vendo a linha de partida do meu sucesso, eu podia vislumbrar o recomeço de tudo e o, muito aguardado, retorno do meu eu antigo. E agora... Tudo isso parecia tão distante quanto à 3 anos atrás. Naquele dia eu meio que havia aceitado o meu destino. Havia uma aula de inglês marcada eu desmarquei com os alunos. Tinha prova da faculdade a distancia, mas não havia estudado nem pensado em me empenhar. Por mim eu iria até o local da prova, preencheria meu nome e a entregaria. Mas então meus pais chegaram do serviço e minha mãe fez o jantar.
Quinta feira. O dia voltava a ter cor. Tons pastéis. O famoso sopão de legumes e carne da minha mãe havia me dado a força necessária para encarar o dia com um novo olhar. Na noite anterior eu havia tomado uma decisão. Eu abri mão de ir fazer a prova para poder saborear aquela refeição magnífica. E hoje eu não tenho duvidas de que fora a decisão correta. Então é isso. This is it. Eu não estou 100% mas eu preciso me movimentar hoje. A prova de ontem ficou para hoje acumulando-se com a prova da faculdade presencial. Além disso havia uma aula marcada hoje tmbém. Um novo desafio e eu não estava na minha melhor forma para enfrentá-lo.
Não importa. Eu fiz o que pude em casa (“o que pude” entende-se por arrumar a cama e tirar a mesa do café da manhã), nem almocei e saí para dar aula. Eu não tinha estudado nada para a prova presencial ainda. Meu plano era ir para a faculdade, que fica em outra cidade, a 20 km de onde moro, logo que o curso acabasse e estudar por lá até a hora da prova. Meus pais me orientaram para que eu não executasse esse plano, pois o clima estava nublado e que seria melhor se eu esperasse até o carro estar disponível. Não concordei e segui com meu plano. Parte do cinza do dia era na verdade o pesar que ainda sentíamos. Entrei na cidade de moto e me lembrei: no dia seguinte seria a famigerada Black Friday, onde tudo fica pela metade do dobro do preço no Brasil, mas aonde algumas poucas lojas faziam promoções decentes. Como por exemplo, esta lanchonete que estava dando dois lanches pelo preço de um. Eu com fome sem almoço e fraco emocionalmente fui facilmente seduzido. Mas mastigar olhando para as paredes trazia sentimentos tristes e fortes. Decidi perder algum tempo com vídeos aleatórios enquanto mastigava. Perdi tempo demais.
Perdi cerca de uma hora comendo lanche e agora havia menos de 50 minutos para que revisasse a matéria da prova que faria em instantes. Fiz o melhor que pude e segui e caminhei para a morte. Mas nem podia me preocupar. Logo que respondi o que eu sabia da prova, o que não era muito, peguei meu material e desci correndo. Eu já estava cerca de uma hora atrasado para a prova da faculdade a distancia. Dirigi de volta para minha cidade e tive sorte de não pegar chuva na estrada. Cheguei no polo de ensino a distancia e fiz a prova. Voltei para casa exausto. Tinha sido um dia corrido e agitado. Eu queria cama.
Sexta feira. A minha “folga”. Sem aulas no curso, sem provas a distancia, sem tarefas domesticas, só uma prova presencial baba, certo? Errado! Uma bomba! Na noite anterior uma orientadora do polo presencial de aplicação da prova a distancia chamou a minha atenção para o meu portal. Eu havia acumulado incríveis zero pontos em diversas matérias e tinha até sábado para completar a maioria delas ou então eu muito provavelmente seria reprovado. E assim se foi a minha sexta feira. Plantado na frente de um computador, digitando, realizando testes e vendo vídeo aulas. Como se não bastasse era a famosa Sexta Feira negra dos preços gigantescamente iguais aos de sempre e meus pais me disseram para escolher um celular em promoção para comprar. Isso me tirou o foco total e saí em cima da hora novamente para a prova.
De moto eu ia. Sentia o vento frio entrando nos braços da jaqueta. Eu precisava ir rápido. Quanto antes chegasse mais tempo teria para estudar e de qualquer forma não seria muito mais tempo do que eu tive para estudar para a prova do dia anterior. Entrei a cidade, virei na esquina que leva para o prédio da minha faculdade e que surpresa: metade do prédio com as luzes apagadas. Sem entender nada eu estacionei e parei para pensar.
Quando me dei conta do que poderia ser, eu queria me odiar. Ainda com luvas de motoqueiro, retirei o celular de meu bolso e confirmei minha intuição. A prova era numa sexta feira, mas não nesta, na outra. E já havia me enganado com datas de provas antes. Aquilo não era novidade pra mim.
Por incrível que pareça eu não me enfureci. Eu suspirei fundo, guardei meu celular e voltei a dirigir o caminho de volta para casa. Foi então que eu percebi. Eu estava contente. Aquilo nunca mais iria acontecer. Depois de tantos anos, aquela seria a ultima vez em que eu passaria por isso. Definitivamente seria a ultima. Afinal, eu não faria mais provas depois daquela. Aquela, definitivamente mesmo, seria a ultima. E então eu percebi que o dia não era mais cinza, ou pastel. Na verdade era noite e a noite sempre é negra. A alegria estava voltando. Eu realmente me senti bem por lembrar que estaria livre dessa provação que é fazer matérias dependentes numa faculdade.
Eu ainda sentia pela minha gata. Sentia muito. Mas aquela tristeza. Ah, aquela tristeza era uma tristeza clandestina. Ela estava ali só de passagem e sem permissão. Ela não duraria muito. Eu já podia ver novamente o mundo brilhar e se abrir diante de mim. Dividido entre o pesar de perder um bichinho querido e a satisfação de me livrar de um encosto de anos, a tristeza pesava bastante. Mas eu sabia que tudo aquilo, desde segunda feira, era apenas uma tristeza clandestina.
Autor(a): killwill13
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