Fanfic: Infelicidade Clandestina | Tema: Clarisse Lispector

Cruel, manipulador, devastador. Eu possuia uma lista de adjetivos para elucidar sua tirania. Seus sedosos cabelos escuros lhe caiam desalinhados ao pescoço. E os olhos... Ah! Aqueles enormes olhos verdes escuros penetrantes da mais pura vilania. Ele desfilava pela faculdade como se fosse o professor da matéria de maior índice de reprovação da história, e bem, ele realmente era.

Mas ele possuia o objeto de desejo  que todo calouro de Direito se mataria para conseguir. Uma vaga de estágio na melhor firma de advocacia da cidade

O que era um horror para todos nós, já que apenas uma nota abaixo do seu aceitável já classificaria a exclusão de qualquer chance de ser cogitado ao tão sonhado emprego. O que para o pânico geral, era o mais comum de se acontecer. Seus icônicos zeros, muito bem desenhados e a caligrafia requintada demarcando o quanto eramos estúpidos ao tentar responder suas questões que para ele seriam as mais simples possíveis.

Mas que talento tinha para nos humilhar das formas mais peculiares, como esse homem nos odiava. Nós, pobres alunos mortais, não éramos páreo aos seus discursos abrasivos e apaixonados em descrever o quanto a nossa geração era a escória da sociedade. Infelizmente, para mim, aqueles monologos só me despertavam a vontade de lhe provar que eu era melhor e nada tinha a ver com o que ele dizia, ainda mais quando aqueles terríveis olhos se direcionavam a mim. Eu podia senti-los me queimando. Talvez fosse loucura da minha cabeça ou mania de perseguição como meus amigos costumavam a dizer. Mas eu tinha uma nitida impressão de que os vincos de sua testa ficam mais protuberantes quando eu entrava na sala. Parecia que seu ódio se intensificava. Aquilo me fazia perder o sono a noite. A sensação que eu tinha era que no mar de alunos ele não me considerava digna nem de estar em sua presença. Todo seu desprezo só impulssionavam a vontade ardente que eu tinha de me provar. Eu queria aquele estágio e faria qualquer coisa para consegui-lo, até mesmo sofrer com seus comentários impertinentes e constantes provocações.

Até que um dia algo incrivel aconteceu, que no seio da minha inocência fora o dia mais feliz da minha vida. A contrapor qualquer uma de minhas baixas expectativas, eu havia sido selecionada como um dos 5 alunos que concorreriam de forma mais exigente ao estágio que ele oferecia. Não dava para acreditar que estava mesmo acontecendo. Pelos dias que se seguiam, a promessa do tão sonhado cargo me consumia por dentro, e semana pós semana a eliminação de cada candidato e a minha permanência a concorrência só exaltava a esperança de que tudo era possível e que finalmente eu seria reconhecida em mérito.

Totalmente alheia ao veneno que aquele homem estava me oferecendo fui saltitante ao seu escritório para saber o veredito. Saber quem entre mim e o meu colega de classe seria selecionado. E nada mais na vida poderia ter me deixado mais feliz naquele momento quando eu ouvi cada sílaba do meu nome ser pronunciado por seus labios perfeitos. Sim, eu havia sido escolhida. Entre todos os lecionados ele me enxergara e agora eu trabalharia com ele e poderia absorver diariamente a sua sabedoria. Apenas uma pequena coisa me separava de alcançar meu sonho. Uma prova. O professor me disse que eu teria uma semana para lhe dar meu parecer sobre um caso que sua firma estava trabalhando.

Apesar do choque inicial, aquele fato novo não abalou minha confiança. Afinal, eu já havia eliminado a concorrência. Agora só precisava mostrar e ele que era boa no que me propunha a fazer. Desatei a me dedicar de corpo e alma àquele projeto. Imprimi todo meu conhecimento e força.

Com ar de vitória, entrei mais uma vez em seu escritório e lhe entreguei o trabalho que ao meu ver não estava menos que uma obra prima. Como eu havia sido burra, como ficara cega e desatenta aos sinais. Aqueles malditos olhos me percorreram de cima a baixo e eu pude notar seus lábios se contorcerem em um sorriso sarcastico.

As palavras seguintes proferidas por ele causaram um buraco no meu peito, um reboliço no meu estomago e foram tatuados em meu cérebro. Pois eu as carreguei por todo o resto do meu curso de direito, em toda minha formação acadêmica e profissional. “Infelizmente, ouve um erro de julgamento de minha parte e percebi que você não tem competência o suficiente para trabalhar em minha firma. Então selecionei outra pessoa para trabalhar comigo”