Fanfic: Girassol | Tema: Harry Potter
— Hermione, você tem uma carta!
Me levanto com um salto e meus pés tratam de se mover o mais rápido possível, deslizando sobre as tábuas do chão. Algo sinistro acontece rapidamente. Meus joelhos batem em meu criado mudo com força, fazendo o porta-retrato e um copo com água caírem, quase molhando o livro que eu estava lendo.
Xingo mentalmente e agarro meu joelho querendo afastar a dor, mas ela parece apenas aumentar. Talvez eu seja um pouco dramática, mas isso dói e não posso evitar pensar que minha vida talvez esteja chegando ao fim. Meu joelho palpitante adormece e percebo o quanto me tornei mais frágil nos últimos anos, comparado com a destemida garota que fora durante a adolescência. A necessidade nos molda, eu diria.
— Pai, me ajuda!
Há um momento de silêncio antes que ele responda qualquer coisa.
— De novo, Hermione?
Gostaria de dizer que é um pai muito terrível por esnobar assim a minha dor, mas ele é um grande pai. Apenas gostaria que ele entendesse que eu posso ter choramingado assim algumas vezes antes, mas dessa vez é real. Eu vejo a luz.
— Por favor! — minha voz tem um tom sofrido, misericordioso. — Está doendo muito!
Meu pai suspira.
— O que houve dessa vez? Dedo do pé na cama?
Uma expressão de contrariedade cruza meu rosto e deixo o quarto ainda xingando o joelho dolorido.
— Eu bati meu joelho com muita força dessa vez.
A risada dele preenche a cozinha, permitindo que eu saiba onde ele está. Vou mancando e ao chegar vejo que ele lê o jornal com muito interesse, então apenas desabo em uma das cadeiras.
Apanho algumas sementes de girassol do pote que está sobre a mesa e apanho o pergaminho. A coruja parece satisfeita com a troca e voa para longe outra vez, saindo pela janela aberta. Apesar de não ser um bruxo, meu pai já não acha mais isso estranho e continua interessado no jornal. Desenrolo o papel e começo a ler. Quanto mais leio, mais acelera meu coração. Meus olhos se arregalam e minha velocidade de leitura se apressa, ansiosa. Quando chego ao final, percebo que há um grande sorriso em meu rosto.
— Como está Gina?
Sua pergunta deve ser movida pelo pensamento de que a carta é dela, claro. Ginevra costuma me enviar muitos pergaminhos.
— Não sei, ela está muito ocupada ultimamente. Treinos, reforma da casa, trocar alguns presentes do casamento... Não temos mais muito tempo para conversar, na verdade.
Ele franze o cenho. É, eu sei. Parece estranho de repente que nós duas, que estávamos sempre juntas, não nos falemos há mais de uma semana. É novo para mim também.
Coloco o pergaminho sobre a mesa, processando as informações. Meu pai espicha o pescoço em sua direção, curioso como é.
— Ministério da Magia.
Jogo minhas mãos para o alto e grito emocionada:
— Sim! Eu recebi uma promoção!
Ele balança a cabeça, concordando comigo.
— Parabéns, minha filha. A recebeu antes do que imaginava.
Porém, a sua voz tem uma mudança perceptível e eu sei por que. Me esticando através da mesa, pego suas grandes mãos e seguro minha emoção.
— Não é como se eu fosse desaparecer por completo. É uma grande oportunidade, falamos sobre isso.
— Eu sei — ele tenta ao máximo demonstrar que está tudo bem, mas é um grande bebê chorão e não me engana. — Você agora vai trabalhar em período integral e vai aprender coisas novas. Um dia ganhará um grande prêmio, já que é muito inteligente. Não é mesmo?
Para alguém com bom controle emocional em situações de intensa pressão, falho miseravelmente em uma simples conversa com meu pai.
— Obrigada por entender, significa muito para mim.
A parte posterior da porta de correr se abre e minha mãe caminha para dentro segurando uma sacola onde algumas cenouras podem ser vistas. Assim que ela nos vê com as mãos dadas e os rostos tristes, deixa a sacola cair com um baque.
— Alguém morreu?!
Talvez o drama seja genético.
Libero a mão do meu pai e vou até minha mãe, me agachando e guardando os legumes na sacola outra vez. Ela já está sentada na mesa, desconfortável, e apenas empurro o pergaminho para ela.
— Sua promoção! — ela grita após alguns minutos. Me puxa para um abraço e me balança. — Isso é maravilhoso, Hermione! Você vai se sair muito bem, responda logo!
Fora do abraço dela, olho preocupada para o meu pai.
— Ele ficará bem, não se preocupe.
Minha mãe sempre foi a minha maior fã, a fã número um. Ela nunca duvidou de que eu conseguiria alcançar meus sonhos. Ela beija minha testa e se levanta, voltando a cuidar dos legumes, mais tranquila. Uma de suas mãos faz um gesto para que eu ande logo e isso me faz rir.
De volta ao quarto sem bater em nada, me sento na velha escrivaninha, apanhando pergaminho e tinta da mesma forma que fazia durante as férias para dizer algo a Harry ou Ron. Escrevo que estou lisonjeada com a oportunidade e que darei meu melhor. Depois de dias sem qualquer atividade, minha coruja fica feliz em ter alguma entrega para fazer e parte com entusiasmo, deixando claro que não voltará tão cedo. Ela adora o corujal do Ministério.
Me jogo na cama, pensando em como as coisas estão diferentes. Depois da guerra, instalei meus pais em uma casa mais confortável nos arredores do Caldeirão Furado, ainda do lado trouxa, para que qualquer um dos meus amigos pudesse visitá-los e conferir se estava tudo certo sem grandes problemas enquanto eu retornava para concluir meus estudos em Hogwarts. A única. Aquele foi, sem dúvidas, o ano mais estranho da minha vida. Faltavam rostos conhecidos e eu ainda não havia aprendido a relaxar, a não esperar pelo pior. Foram muitos velórios também. Depois, viera a calmaria. Meus exames foram excelentes, começaram a surgir namoros, noivados e casamentos. Fleur anunciara que estava grávida. Eu começara a trabalhar no Ministério em um cargo simples de meio período. E agora tudo iria mudar outra vez e eu deixaria meus pais de novo para ter o meu próprio lar.
Por mais que Gina esteja extremamente atarefada, apanho um espelho que usamos às vezes para nos comunicar nos finais de semana. Quando o rosto avermelhado dela surge, me sinto aliviada.
— Ei, eu estava pensando em você.
— Deixe eu adivinhar... Harry deixou os relatórios em cima da mesa de novo?
Ela ri, balançando a cabeça. A vejo beber chá e sei que está tomando café, por isso me atendeu.
— Não! O álbum com as fotos do casamento chegou, estou louca para vê-las.
— Espero vê-las em breve também, estou curiosa.
Gina suspira, sorridente.
— Eu nem acredito!
Um sorriso também surge em meu rosto e vejo que preciso mesmo contar a ela minha novidade.
— Eu tenho algo para te contar! Acabei de receber uma coruja e...
Gina larga a xícara e começa a gesticular como uma louca.
— Não, não, não! — paro de imediato, sem entender. — Estou livre hoje, folga do treino. Ia te mandar uma coruja assim que terminasse o café para que você viesse conhecer a casa e ver as fotos comigo. Venha e aí você me conta a sua novidade.
Aceno positivamente e escuto as instruções para encontrar sua casa, ainda que já saiba onde é, já que a visitamos juntas quando ela estava procurando um lugar adequado para iniciar sua vida com Harry.
— Te vejo daqui a pouco — ela diz animada.
— Vou me apressar!
Ansiosa como uma adolescente que tem um encontro marcado, deixo o espelho em cima da cama e corro para o guarda-roupas. Escolho um vestido simples, lilás, que vai até meus joelhos. Ele é rodado e me lembra dos vestidos que utilizavam no passado, ainda que não seja tão armado, mas muito mais discreto. Foi um presente de Molly no meu último aniversário e sinto que chegou o momento de ser utilizado. Prendo os cabelos em um rabo de cavalo, jogo uma água no rosto, calço sandálias confortáveis e estou pronta.
— Mãe, pai... — grito enquanto deixo o quarto indo para a cozinha. — Vou à casa de Gina ver as fotos do casamento e contar sobre a novidade do Ministério. Devo voltar apenas depois do almoço.
Meu pai parece feliz com a notícia, principalmente depois do que falei durante o café.
— Tudo bem, querida. Divirtam-se.
Indo para os fundos da casa, onde há um pequeno quintal, aparato para a Rua das Veelas no Beco Diagonal.
A parte sul do Beco possui bem menos comércios, apenas uma livraria ou café aqui e ali, e é uma parte realmente agradável com casas de todas as formas e cores. Preciso apenas de uma pequena caminhada para avistar a de Gina, um sobrado com muros de pedra polida e um jardim de frente. Ela já está na porta e grita quando me vê, correndo ao abrir o portão antes que alguém possa vê-la de roupão.
— Entre, entre.
Assim que o portão se fecha, eu a abraço demoradamente. Não há sinal algum de Harry por ali e ainda que ele continue sendo meu melhor amigo, me sinto feliz por sermos apenas nós duas.
Gina me guia pela sala, mostrando o sofá, o tapete e os quadros nas paredes. Elogio a escolha das cores e as fotografias que escolheu. Antes que o tour possa continuar, ela me leva para o sofá, onde o álbum já nos aguarda ao lado de duas xícaras de chá.
— Você vai adorar. Adorar!
Me sinto ainda mais ansiosa e juntas vemos cada uma das fotos, comentando sobre as pessoas e as coisas engraçadas.
— Meu pai está com uma cara tão estranha aqui — o dedo dela aponta para o rosto de Arthur quase em uma careta. Ele com certeza espirrou depois dessa foto.
— Olha a sua mãe aqui — aponto para o outro canto da foto, onde se pode ver Molly ajeitando a gravata de Ron. Um Ron não muito contente, aliás. — Seu irmão está horroroso nessa foto.
Nós duas rimos, passando pelas fotos sem pressa.
— Você está tão linda aqui — ela diz, parando em uma foto onde vemos nós duas com Harry e Ron. É quase como nos velhos tempos. — Engraçado como o tempo passa, não é? Eu podia jurar que iria no seu casamento com o Ron muito antes de me casar com o Harry.
Dessa vez, eu é que faço uma careta.
— Já conversamos sobre isso, Gina. Você sabe que nunca funcionaria.
Ela pousa o álbum sobre o colo, apanhando sua xícara.
— Sim, eu sei. Ele provavelmente nunca vai arranjar uma namorada. É imaturo demais para isso e usa gravata-borboleta — Gina ri, fazendo uma expressão de desaprovação logo em seguida. — Carlinhos também é assim. Ele só se preocupa mesmo com os seus dragões e acho que isso nunca vai mudar.
Ela suspira e volta ao álbum, percebendo que há duas fotos onde nós quatro aparecemos, apenas com as posições diferentes. Tirando uma delas, me entrega olhando nos meus olhos.
— Essa é para você.
Me sinto emocionada e sorrio ainda mais.
— Será a primeira foto que colocarei na minha nova casa.
Gina toma mais um gole de chá e então parece entender o que eu disse, me olhando confusa.
— O Ministério me enviou uma coruja hoje de manhã. Fui promovida!
Deixando a xícara de lado, ela me abraça desajeitadamente.
— Isso é ótimo, Mione! Eu fico tão feliz por você — sua felicidade é genuína e eu posso perceber. — Você já viu algum lugar? Talvez eu possa te ajudar. E daremos uma grande festa quando você se mudar...
— Vamos com calma — eu rio da empolgação dela, me ajeitando no sofá. — Ainda não tive tempo de ver nada, nem sei por onde começar.
Ela pensa um pouco e bebe mais chá, me observando. Parece fazer algum estudo sobre mim antes de fazer qualquer tipo de sugestão.
— Eu vi algumas casas maravilhosas antes de escolher essa, posso te passar os endereços — uma de suas mãos gesticula apressadamente. — Tenho certeza de que alguma delas fará o seu tipo. Quando vemos a casa vazia é difícil imaginar que se tornará um lar, mas quando olhamos para as paredes e imaginamos nossas coisas preenchendo o espaço, tudo se torna muito claro.
Meus dedos batem levemente no álbum de fotos.
— Vamos continuar e pensamos nisso depois.
Ela concorda, ainda que um pouco contrariada. Sei que Gina poderia falar sobre isso por horas, mas preciso de foco e, ainda que não queira dizer, gostaria de escolher meu novo lar sozinha. É um processo muito pessoal.
Rimos de mais uma porção de fotos, até que chegamos na fatídica recordação segundos antes do bolo explodir. Começo a rir incontrolavemente.
— Fred é um babaca — ela diz, seu rosto assumindo feições muito aborrecidas. — Se eu tivesse minha varinha comigo naquela hora, o teria azarado sem pensar duas vezes.
Continuo rindo, sem saber o que dizer.
— Ele e George quiseram vir conhecer a casa, mas não há condições. Eu passaria dias sendo pega em armadilhas a cada cômodo. Não vou dar esse gosto.
Finalmente consigo parar de rir, depois de receber uma boa olhada de Gina.
— Seus irmãos são bobos, mas você não pode negar que quando a peça é em outra pessoa, todos nós rimos — meus ombros balançam sutilmente. — Lembra quando pregavam peças em Percy? Ou na sua mãe?
Ela teve que concordar e acabou por rir também.
Virando mais uma página do álbum, vimos os dois posando para uma foto juntos.
— São dois babacas, mas até que estavam muito bem apresentáveis.
— Eles ficaram mesmo muito bem.
Gina me olha de canto.
— "Muito bem"? — repete, me fazendo erguer ambas as sobrancelhas. — Ora essa, eu escolhi essas camisas. A do Fred, principalmente, foi uma das melhores escolhas que já fiz na vida. Olhe para ela!
Apesar do seu exagero, preciso concordar.
— Não é como se eu fosse dizer algo como "por Morgana, seus irmãos estão sensacionais nessa foto, acho que estou apaixonada!" — debocho, erguendo ainda mais as sobrancelhas para ela. — São seus irmãos, Gina.
— E? — questiona ela e, de repente, já sei onde isso vai dar. — Você não teve problema algum em beijar um dos meus irmãos anos atrás. "Ai Gina, eu não sei se gosto do Ron".
Um tapa fraco acerta o braço dela que resmunga, ainda que não deixe de rir. Ela adora jogar isso na minha cara e eu entendo a razão.
— Já cometi esse erro uma vez, por isso posso dizer com propriedade.
Pego minha xícara de chá que já está frio e bebo sem me importar, apenas querendo mudar de foco.
— Mione, eu acho que George está na fase onde os homens solteiros se sentem desesperados por qualquer mulher que vejam, mas Fred é uma boa opção, você sabe disso.
— Algum dia você vai deixar de querer me empurrar para um dos seus irmãos? Talvez quando todos eles estiverem casados?
Os olhos de Gina rolam de um lado para o outro.
— Eu ficaria feliz em ver você com um relacionamento estável, sabe disso. Poderíamos sair todos juntos sem que você se sentisse constrangida como às vezes se sente — ela estava correta, mas eu não precisava dizê-lo. — E você precisa se distrair um pouco do trabalho! Tudo é trabalho ou seus pais. O que mais você pode me contar sobre o último mês que não envolva uma dessas coisas?
— Eu te acompanhei em três provas de vestido.
Ela me acerta com uma almofada, deixando claro que isso não é uma resposta aceitável.
— Se eu não tivesse me casado esse mês e te arrastado comigo para escolher as coisas da festa, você teria levado a vida de uma idosa! — Gina pega ambas as minhas mãos e eu sei que ela vai fazer a mesma coisa que Molly fez comigo na cozinha da Toca. Isso já está ficando frequente, será um sinal? — Você conseguiu sua promoção. Eu sei que é a primeira de muitas até que você chegue onde quer, mas não precisa ser tudo sobre trabalho. Terá uma casa nova, só sua. Saia um pouco e conheça alguém, Mione. Eu ficaria muito feliz se fosse um dos meus irmãos, é claro, mas qualquer pessoa boa já vale.
Respiro fundo. Sei que Gina está certa em querer que eu tenha algum lazer fora das paredes da casa dos meus pais, mas, ao mesmo tempo, não entendo por que incomoda tanto que uma mulher em seus vinte e poucos anos foque mais no trabalho do que em uma vida amorosa. Por mais que a ideia de uma mulher ser considerada como "solteirona" apenas por não ter se casado antes dos 30 pareça algo antigo e ultrapassado, ainda carregamos isso conosco sem perceber. Não há nenhum problema, na verdade. Digo isso à ela que rola os olhos outra vez.
— Não vejo problema em você ser solteira e se dedicar ao seu trabalho, Mione. Apenas quero te mostrar que conciliar os dois é possível, caso não saiba — certo, ela me pegou. — Veja só, Laverne de Montmorency conciliou trabalho com relacionamentos e criou a poção do amor. Ela até tem seu próprio card nos sapos de chocolate hoje em dia.
É um exemplo bobo e só posso rir, ainda que entenda onde ela quer chegar.
— Depois que eu resolver tudo sobre a mudança e me adaptar ao novo ritmo de trabalho, prometo tentar, sim?
Ela termina seu chá, satisfeita.
— Podemos dizer que é um ótimo começo.
Autor(a): they call me hell
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).