Fanfic: Pequenas Mentirosas - Vondy, Ponny, Levyrroni (adaptada) | Tema: Vondy, Ponny, Levyrroni

Naquela noite, Dulce sentou-se em sua cama, tricotando uma coruja de lã de mohair. O bichinho era marrom e tinha cara de macho; ela tinha começado na semana anterior, pensando em dá-la a Pablo. Agora que isso realmente não ia acontecer, ela estava pensando... Talvez pudesse dá-la ao Chace? Isso não seria esquisito?

Antes de Angel desaparecer, ela tinha tentado arranjar uns meninos de Rosewood para Dulce, dizendo:

– É só ir lá e falar com ele. Não é difícil.

Mas, para Dulce, era difícil. Quando ela chegava perto de um menino de Rosewood, congelava e falava a primeira coisa idiota que viesse à sua mente, que, por alguma razão, era frequentemente algo sobre matemática. E ela odiava matemática. Até acabar o sétimo ano, apenas um cara tinha falado com ela fora da sala de aula: Beau Mirchoff.

E havia sido assustador. Acontecera apenas algumas semanas antes de Angel desaparecer; Dulce tinha se inscrito num acampamento de artes, no final de semana, e quem apareceu logo no primeiro workshop foi ninguém mais, ninguém menos que Beau. Dulce ficou abismada, ele não deveria estar num colégio interno... Para sempre? Mas, aparentemente, a escola dele começara as férias de verão antes de Rosewood Day e lá estava ele. Ele sentou-se num canto, com o cabelo no rosto, mexendo num elástico em seu pulso.

A professora de teatro, uma mulher magricela, de cabelo arrepiado, que usava um monte de roupas hippies manchadas, pediu para todos fazerem um exercício: eles deveriam formar pares e gritar uma frase para o outro continuamente, até entrar num ritmo. A frase deveria ser dita naturalmente. Eles deveriam andar pela sala, se encontrando uns com os outros, e Dulce rapidamente se viu em frente a Beau. A frase desse dia era: Nunca neva no verão.

– Nunca neva no verão – disse Beau.

– Nunca neva no verão – rebateu Dulce.

– Nunca neva no verão – repetiu Beau.

Os olhos dele estavam fundos e as unhas, roídas até o toco. Dulce sentiu arrepios por estar tão perto dele. Ela não conseguia parar de pensar no rosto macabro na janela da Angel, pouco antes de elas ferirem Megan. E em como os paramédicos puxaram Megan da casa da árvore escada abaixo, quase a derrubando. E como, poucos dias depois, quando elas estavam na apresentação beneficente de fogos de artifício, ela escutou a sua professora de programas de saúde, sra. Iverson, dizer:

– Se eu fosse o pai daquele garoto, não o mandaria apenas para o colégio interno. Eu o mandaria para a cadeia.

E aí, a frase mudou. Tornou-se: Eu sei o que você fez no verão passado. Beau deveria falar primeiro, mas Dulce gritou a frase algumas vezes antes de se dar conta do que ela realmente significava.

– Ah, como o filme! – gritou a professora, batendo palmas.

– Sim – concordou Beau, e sorriu para Dulce.

Um sorriso de verdade, também, não um sorriso sinistro, o que a fez sentir-se pior. Quando ela contou a Angel o que havia acontecido, Angel suspirou.

– Dulce, o Beau é, tipo, doente da cabeça, eu fiquei sabendo que ele quase se afogou no Maine, nadando num riacho gelado, enquanto tentava fotografar um alce.

Mas Dulce nunca mais voltou para as aulas de teatro.

Ela pensou novamente sobre o recadinho de A. Você está imaginando quem eu sou, não está? Eu estou mais perto do que você pensa.

Poderia A ser Beau? Ele teria se infiltrado em Rosewood Day e colocado o recado no memorial de Angel? Alguma de suas amigas o teria visto? Ou talvez A frequentasse alguma aula junto com ela. A turma de inglês faria mais sentido, os horários em que havia recebido os recados batiam com o do pessoal que assistia a essa matéria. Mas quem? Christopher? James Freed? Anahí?

Dulce se concentrou em Anahí. Havia pensado sobre ela anteriormente, Angel poderia ter contado a Anahí sobre seus pais. E Anahí fazia parte de A Coisa com Megan.

Mas por quê?

Ela folheou o livro de fotos da Rosewood Day, a lista de todos os nomes de seus colegas de classe e seus telefones havia saído naquele dia e achou a foto do Chace. O cabelo dele tinha um corte esportivo, curto, e ele estava bronzeado como se tivesse passado o verão no iate do pai. Os meninos com quem Dulce havia saído na Islândia eram branquinhos e de cabelo lambido, e, se tivessem barcos, seriam os caiaques que usavam para ir à geleira Snaefellsjökull.

Ela discou o número de Chace, mas caiu na caixa postal.

– Oi, Chace – disse ela, na esperança de que sua voz não estivesse muito cantada. – É Dulce María. Eu, hum, eu só liguei para dizer oi, e, hum, eu tenho uma recomendação de uma filósofa para você. É a Ayn Rand. Ela é, tipo, supercomplexa, mas legível. Dá uma conferida.

Ela deixou seu número do celular e seu nick no Messenger, desligou e logo pensou em apagar a mensagem. Chace provavelmente tinha toneladas de meninas não esquisitas de Rosewood ligando para ele.

– Dulce! – chamou Sandra lá de baixo, da beirada da escada. – Venha jantar!

Ela jogou o celular na cama e desceu a escadaria lentamente. Seus ouvidos captaram um estranho bipe vindo da cozinha. Seria o... Alarme do forno? Mas isso seria impossível. A cozinha deles era em estilo anos cinquenta retrô, e o fogão era um Magic Chef autêntico, de 1956. Sandra raramente o usava, pois era tão velho que poderia atear fogo na casa.

Mas para surpresa de Dulce, Sandra tinha alguma coisa no forno, e o irmão e o pai estavam à mesa. Era a primeira vez, depois do final de semana, que a família toda estava reunida. Poncho tinha passado as últimas três noites na casa de vários meninos do lacrosse, e o pai, bem, ele estivera muito ocupado “dando aula”.

Um frango assado, uma tigela de purê de batatas e um prato de vagem ocupavam o meio da mesa. Todos os pratos e talheres combinavam e havia até jogos americanos. Dulce ficou nervosa. Parecia muito normal... Ainda mais quando se pensava que quem estava ali era a sua família. Alguma coisa tinha de estar errada. Alguém tinha morrido? A tinha contado tudo?

Mas seus pais pareciam tranquilos. A mãe tirou uma assadeira de pães de dentro do forno, que, por um milagre, não estava em chamas e o pai estava quieto, sentado, folheando o New York Times. Ele estava sempre lendo: à mesa, nos eventos esportivos de Poncho, até mesmo enquanto dirigia.

Dulce virou-se para o pai, que ela pouco tinha visto desde a segunda-feira, no bar Victory.

– Oi, Robert – cumprimentou-o ela.

O pai deu a Dulce um sorriso sincero.

– Olá, Macaquinha.

Ele às vezes chamava Dulce de Macaquinha. Costumava chamá-la de Macaquinha Peluda, também, até que ela pediu para ele parar. Sempre parecia que ele acabara de sair da cama: usava camiseta furada de uma loja barata, calção dos Philadelphia 76 ou uma calça lisa de pijama, e um velho chinelo, forrado de pele de carneiro. Seu denso cabelo também estava sempre bagunçado feito o de um louco. Dulce achava que ele se parecia com um coala.

– E oi, Poncho! – cumprimentou Dulce alegremente o irmão, bagunçando o cabelo dele.

Poncho se encolheu.

– Não encosta em mim!

– Poncho. – Ella apontou para ele com um dos palitinhos que usava para fazer o coque em seu cabelo.

– Eu só estava brincando. – Dulce se segurou para não dar uma resposta daquelas a Poncho. Em vez disso, sentou-se, desdobrou o guardanapo florido bordado em seu colo e pegou um garfo com cabo de baquelita.

– O frango está com um cheiro ótimo, Sandra.

Sandra colocou batatas no prato de todos.

– É só uma dessas comidas prontas de rotisseria.

– Desde quando você acha que frango cheira bem? – rosnou Dulce. – Você não come frango.

Era verdade. Dulce tinha se tornado vegetariana em sua segunda semana da viagem à Islândia, quando Hallbjorn, seu primeiro namorado, comprou um lanche de um vendedor ambulante que ela pensou ser cachorro-quente. Era uma delícia, mas, depois de comê-lo, ele contou a ela que era carne de papagaio-do-mar. Desde então, toda vez que tinha carne na frente dela, ela imaginava a carinha de um bebê papagaio-do-mar.

– Bem, ainda assim. Eu como batatas. – Dulce enfiou uma garfada fumegante na boca. – E estas estão maravilhosas.

Sandra franziu o cenho.

– São pré-cozidas. Você sabe que eu não sei cozinhar.

Dulce sabia que estava se esforçando demais. Mas se fosse uma filha modelo em vez de uma sarcástica e reclamona, Robert ia se dar conta do que estava perdendo.

Ela se virou para Robert novamente. Dulce não queria odiar o pai. Havia toneladas de coisas boas nele, sempre ouvia seus problemas, era inteligente, fazia brownies fique-boa-logo com calda quando ela ficava gripada. Dulce havia tentado achar uma razão lógica, não romântica para o motivo pelo qual o lance da Margot havia acontecido. Ela não queria achar que o pai amava outra pessoa, ou que ele estava tentando separar a família. Entretanto, era difícil não levar para o lado pessoal.

Ao comer uma garfada cheia de vagem, o telefone de Sandra, que estava apoiado na bancada da cozinha, começou a tocar. Sandra olhou para Robert.

– Devo atender?

Robert franziu a testa.

– Alguém ligando para você na hora do jantar?

– Talvez seja o Oliver, da galeria.

De repente, Dulce sentiu um nó na garganta. E se fosse A?

O telefone tocou de novo. Dulce se levantou.

– Eu atendo.

Sandra limpou a boca e empurrou a própria cadeira.

– Não, eu atendo.

– Não! – Dulce correu para a bancada. O telefone tocou a terceira vez.

– Eu... Hum... É...

Ela balançou os braços loucamente, tentando pensar. Sem ideias, pegou o telefone e o arremessou para a sala de estar. Ele derrapou pelo chão, freou no sofá e parou de tocar. O gato da família, Polo, veio sorrateiro e deu uns tapinhas no celular com uma das patas listradas.

Quando Dulce virou-se de volta, sua família estava olhando para ela.

– O que deu em você? – perguntou Sandra.

– Eu só... – Dulce estava encharcada em suor, e todo o seu corpo vibrava com as batidas do seu coração. Poncho cruzou as mãos atrás da cabeça.

– Doi-DINHA – falou ele.

Sandra passou por ela para ir até a sala e agachou-se para ver a tela do celular. Sua saia plissada roçou no chão, pegando poeira.

– Era o Oliver.

Ao mesmo tempo, Robert se levantou.

– Eu tenho que ir.

– Ir? – A voz de Sandra estava engasgada. – Mas nós começamos a comer agora.

Robert levou seu prato vazio para a pia. Ele sempre tinha sido o mais rápido do planeta a comer, mais rápido ainda que Poncho.

– Eu tenho coisas pra fazer no escritório.

– Mas... – Sandra pôs as mãos em sua pequena cintura.

Todos olharam, sem poder fazer nada, enquanto Robert desaparecia escada acima e voltava meio minuto depois vestindo calças cinza de pregas e uma camisa azul. Seu cabelo ainda estava completamente despenteado. Ele pegou sua maleta e as chaves.

–Vejo vocês daqui a pouco.

–Você pode trazer suco de laranja? – gritou Sandra, mas Robert fechou a porta da frente sem responder.

Um segundo depois, Poncho saiu correndo da cozinha, sem colocar o prato na pia. Ele pegou sua jaqueta e o taco de lacrosse, e calçou os tênis sem desamarrá-los.

– Agora, aonde você vai? – perguntou Sandra.

– Treinar – respondeu Poncho rapidamente. Ele estava com a cabeça baixa e mordendo o lábio, como se estivesse tentando segurar o choro. Dulce queria correr até o irmão, abraçá-lo e tentar pensar no que fazer naquela situação, mas congelou, como se estivesse grudada aos azulejos xadrez do chão da cozinha.

Poncho bateu a porta, fazendo a casa toda tremer. Alguns segundos depois, Sandra ergueu seu olhos até Dulce.

– Todos estão nos deixando.

– Não, não estão – corrigiu Dulce, depressa.

A mãe voltou à mesa e encarou o resto de frango em seu prato. Depois de alguns segundos ponderando, colocou um guardanapo sobre ele e voltou-se para Dulce.

– Você achou seu pai estranho?

Dulce sentiu a boca secar.

– Estranho como?

– Eu não sei. – Sandra passou o dedo na beirada do prato de porcelana. – Parece que alguma coisa o está incomodando. Talvez seja algo relacionado às aulas? Ele parece estar tão atarefado...

Dulce sabia que ela ia dizer algo, mas as palavras pareciam presas em sua boca, como se ela precisasse de um desentupidor ou de um aspirador para sugá-las.

– Ele não me disse nada sobre isso.

Não era exatamente uma mentira.

Sandra encarou-a.

– Você me falaria se ele tivesse dito, certo?

Dulce inclinou a cabeça para baixo, fingindo que tinha alguma coisa nos olhos.

– Claro.

Sandra se levantou e tirou o resto das coisas da mesa. Dulce ficou ali, sentindo-se inútil. Aquela era a sua chance... E ela estava ali, parada. Como um saco de batatas.

Ela andou de volta ao seu quarto e sentou-se em frente ao computador, sem ter certeza do que fazer consigo mesma. Lá embaixo, podia ouvir a musiquinha do começo de Jeopardy!. Talvez ela devesse voltar pra lá e ficar com Sandra. Mas o que realmente queria fazer era chorar.

O Messenger fez aquele som que lembrava o barulho de uma bexiga sendo estourada, o que indicava que havia uma mensagem instantânea nova. Dulce foi verificar, pensando se seria, talvez,Chace. Mas... Não era.

A A A A A A: Duas alternativas: fazer com que tudo isso desapareça ou contar à sua mãe. Eu te dou até a última badalada da meia-noite de sábado, Cinderela. Senão, você já sabe. — A

Um rangido a fez pular. Dykce se virou e viu que o gato havia aberto a porta do quarto com o focinho. Ela o acariciou sem pensar em nada, lendo a mensagem de novo. E de novo. E de novo.

Senão, você já sabe? E fazer com que tudo isso desapareça? Como ela poderia fazer isso?

O computador fez outro bipe. A janela de mensagem instantânea piscou.

A A A A A A: Não sabe como? Aqui vai uma dica: academia de Ioga Montanha dos Morangos. 7:30. Amanhã. Esteja lá.