Fanfics Brasil - A Cuca Redenção

Fanfic: Redenção | Tema: Adulto, Crescimento Pessoal, Dominador, Dominatrix, Ecchi, Evolução, Faculdade, Harem, Hentai, Histo


Capítulo: A Cuca

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Eu sempre me perguntei o porquê das pessoas gostarem das coisas. Como os seres humanos tinham preferências pessoais? Como alguém ama uma coisa e outra pessoa, um amigo, um parente ou até mesmo um desconhecido, pode odiar essa mesma coisa? Como Deus programou nossa cabeça? Por mais que eu tente — e veja bem, eu disse tente — ler artigos científicos sobre o assunto, eu nunca entendi muito bem como a mente funciona em relação a gostos ou a desgostos. 


Acho que a mesma analogia pode ser aplicada ao prazer. Cada indivíduo possui preferências, uma coisa ou outra que o excita de uma forma alucinante. Minha zona de prazer era muito plana, não tinha vontade de experimentar nada desse gênero, não depois daquilo acontecer comigo. Muitos preconceitos e tabus e, no referente a práticas sexuais, minha curiosidade era nula. No entanto, acontecimentos revelaram meus desejos mais íntimos e até, por incrível que pareça, me ajudou a curar o meu pior trauma. O sexo me libertou das minhas amarras. Ainda consigo vislumbrar a antiga “eu”, na mesa da cafeteria da faculdade, momentos antes da minha vida mudar totalmente.


 


Três anos antes. Final de março.


 


— Eu estou muito fodida. —  Ainda sentada na mesa da cafeteria da faculdade, ouvindo risos e conversas ao fundo, não conseguindo discernir nenhuma palavra. Será que eu vou perder minha bolsa por mexer com esse riquinho mimado e bunda mole?


 


...


— Você tem problemas sérios, sinto muito. 


— Ah, qual é, Leo? Você discorda de mim? — eu corria tentando acompanhar os passos largos dele. 


— Não só discordo, como aconselho você a ir a um psiquiatra. Talvez ele peça uma ressonância magnética da sua cabeça ou quem sabe te leve para uma daquelas faculdades de medicina caras para que os alunos dissequem seu cérebro. — as folhas das árvores do campus caiam sobre nós e eu estava preocupada em não esbarrar nas pessoas passando ao nosso redor — Imagine só o que eles iriam descobrir dessa sua mente dissimulada. 


— Analisa um pouco a situação, o contexto da obra maior, Leo. Você é um homem racional, não tome uma decisão baseada nas emoções. 


— Alice, — ele para de andar subitamente, e eu vejo a seriedade em seus olhos — não é uma opinião baseada nas minhas emoções. É uma mera análise de dados. 


— Mas… — não consegui terminar a frase antes de ser interrompida pela voz firme de meu amigo:


— Harry Potter e Percy Jackson não são iguais. Aceita. 


Eu não sei como esse homem não consegue ver o que está bem na cara dele. Revirando os olhos, respiro fundo para controlar minha irritação. O estresse da faculdade estava me corroendo. O meio do semestre está muito atarefado, muitos trabalhos, as provas estão perto e eu não sei o que fazer. Eu sentia que o campus era uma bomba-relógio, pronta para estourar a qualquer instante. Todos estavam histéricos com o ambiente. Pessoas correndo para cima e para baixo, atrás de professores ou de livros, isso quando não estavam chorando por causa de notas. E pensar que no começo do semestre todos estavam rindo, falando de pegação e das calouras.


— Ah, pelo amor de Deus! — exclamei, jogando meus braços no ar. — Os dois são órfãos que são negligenciados, depois descobrem que têm algum tipo de coisa especial neles, se afastam do lar que os negligência e por fim, tem que cumprir uma profecia para salvar o mundo. MESMA COISA!


— Alice, agora você pode analisar as coisas sem emoção: — ele começa a contar seus argumentos em seus longos e firmes — primeiro, um mundo é relacionado com bruxos e trouxas e o outro com deuses gregos, segundo, o Percy tem uma mãe, que infelizmente trabalha períodos longos para sustentar a seu filho, coisa que nem o Harry tem já que ele sim é um órfão, terceiro, o Percy tem problemas para se adaptar ao mundo por causa da sua “dislexia”, já o Harry causa problemas porque não consegue controlar seus poderes, quarto…


— Ai, chega, pelo amor. Cansei de ouvir a lista de diferenças já. O que eu estava falando é que a ESTRUTURA é idêntica! 


— Aceita a derrot… Cuidado!! — não tive tempo de reação. Em menos de um minuto eu já estava no chão. Parecia que um búfalo desgovernado tinha passado por cima de mim. Ok, eu exagerei, mas eu tinha certeza que pelo menos eu tinha levado um coice nas costelas.


— Mas que merda que aconteceu? — eu estava sentindo uma forte dor na lateral direita do meu corpo. 


— O capitão do time de lacrosse bateu com o taco em você… Sem querer? — a última parte me deu a entender que havia espaço o suficiente, mas que o ser abençoado não quis nem saber. 


Ainda não sei o que se passou pela minha cabeça, mas, naquela hora, vendo aquele homem andando como se não tivesse feito nada comigo… Isso me deixou irada. Nome-Francês-Idiota-Para-Um-Riquinho ou, como era conhecido, O CAPITÃO DO TIME DE LACROSSE, era um homem asqueroso. Honestamente, eu já não gostava dele pela fama: playboy, orgulhoso que diminui os outros por diversão. Sempre odiei o tipo de pessoa que tem prazer em humilhar alguém.


Nenhum pedido de desculpas, nenhuma olhada para trás. Nada. Nenhum tipo de educação. Honestamente, eu não ia fazer nada, até porque eu estava com um pouco de falta de ar. “Você deve começar a se defender, Alice.” A voz da minha psicóloga começou a ecoar pela minha mente e então, resolvi tirar a história a limpo. 


— EIII!!! — eu gritei com todo o fôlego que eu tinha, enquanto Leo me ajudava a ficar de pé. — ZÉ DO TACO — meu insulto infantil alcançou seu objetivo, pois o búfalo havia parado de andar. — VOCÊ ME DEVE DESCULPAS. 


Ali, parado na minha frente, estava o búfalo mais cínico que eu já vi em toda minha vida. Uma arqueada de sobrancelha e uma tossidinha arrogante foram sucedidas por um:


— Desculpe, mas… — eu via olhos frios e sarcásticos me olhando, como se fossem de uma pantera, antes de abater sua presa — … eu te fiz algo?


As poucas pessoas que estavam olhando de fora deveriam estar pensando “Ah, foi apenas um mal entendido, ele bateu nela sem querer” ou quem não viu a cena anterior ficou: “Ue, por que essa louca estava no chão e agora está gritando com ele?” Eu só via uma camada leve de inocência sobre um maciço condensado de sarcasmo e maldade. A partir daqui, eu me arrependo amargamente. 


As pessoas começaram a cochichar: “Como ela tem a ousadia de chamar ele de ‘zé do taco’?”, “Quem é essa daí mesmo?”, “Só quer seus quinze minutos de fama e para isso, quer causar problema.” “É a famosa quem mesmo?” Comecei a ficar muito nervosa. Como eles comentavam coisas sobre uma pessoa que nem conheciam? Nem sabiam os motivos e já criticavam? Olhei para o chão, enfurecida, quando me deparo com minha ruína: uma cuca, caída de uma das árvores do pátio. Eu comecei a terapia justamente para controlar os acessos de raiva que tinha me causado muitos problemas. Havia quase um ano sem nenhum “ataque de pelanca”, só que como toda pessoa em recuperação, eu tive uma recaída. Pena que a burra aqui não pensou no búfalo que enfrentava. Na mesma hora, eu peguei a cuca e atirei, com toda a força possível, naquele ser arrogante na minha frente. Estava enfurecida e com dor, mas mesmo assim, fiz o meu melhor para atirar aquela cuca com toda a força possível. Estava me sentindo a própria presidente, mandando explodir um país inimigo. Mas sempre lembrando, amigos: alegria de pobre dura pouco. Afinal, eu joguei uma “bolinha”, na direção do capitão do time de lacrosse que estava munido com seu taco, indo para o treino. 


Como uma elegante bailarina, ele pega meu míssil-cuca e o arremessa em minha direção. É a lei do retorno, meus caros, e doeu bastante. A cuca bateu na minha coxa, e com isso, eu caí de dor. De novo. 


— Por que você fez isso com ela?! — Leonardo gritou na direção dele que, no momento, divertia-se com a minha pessoa agonizando de dor, com a calça suja. A multidão já estava frenética, tirando fotos, gravando, como bons ratos de bueiro. Não posso culpá-los, se eu estivesse com eles, ficaria encarando e pensando que a pessoa é louca. 


— Mil perdões!! Foi instinto!! Sabe como é, né? Eu nem reparei o que ela jogou em mim! — ele se aproximou. Suas palavras pareciam de alguém que se importava, mas eu via o olhar sádico. Ele estava se divertindo. 


— Ah, não me venha com essas desculp… — calei Leo antes que ele terminasse de falar. A culpada e cabeça quente era eu. Quem partiu para a agressão física tinha sido eu. Eu causei minha ruína porque não consegui me controlar. Tenho certeza que ouvi: “Jesus, mas que menina burra. Tentar acertar o capitão do time com uma cuca?”. Eu só queria sair dalí. 


— Só tome mais cuidado com seu taco. Ninguém é obrigado a apanhar só porque você não tem noção de espaço. — disse tentando controlar a tremedeira em minha voz. Eu ia ficar muito roxa. 


— Desculpe-me, mas sabe como é… — mais um sorriso maligno — … homens com tacos grandes normalmente machucam mulheres que ficam no meio do caminho. 


Ouvi risos da plateia que nos assistia. Quantas pessoas se aglomeraram em tão pouco tempo! Era melhor eu sair dali. Não aguento mais a humilhação, ainda mais com tanta gente gravando e tirando fotos. Eu nem quero saber onde vão postar isso. Por que eu sou tão esquentadinha? Não se pode mexer com os ricos e eu sempre me esqueço disso. 



 


— O que dói mais? A perna ou as costelas? — Leo se senta na minha frente, com uma bolsinha de gelo nas mãos. — Eu só consegui uma bolsinha de gelo das moças da cantina. Tem certeza de que você não quer ir na enfermaria ou no hospital?


Apesar de seus olhares preocupados, não conseguia pensar em ir em nenhum dos dois.


— Se eu for para algum dos dois, vão começar a fazer perguntas e o diretor pode ficar sabendo. Os vídeos não pegaram ele me batendo com o taco, até porque ninguém ali percebeu, só depois que eu gritei. Provavelmente, estão achando que eu ataquei ele do nada, e devem estar do lado dele. Não quero perder minha bolsa aqui. E além do mais, — eu respirei fundo, tentando controlar o nó que havia se formado na minha garganta — não se pode mexer com gente rica, a não ser que você seja mais rico que eles. 


— Alice… — minha amiga, Sabrina, interrompeu-o com seus gritos preocupados.


— ALICE MARIA DO CÉU, VOCÊ TÁ BEM? — esbaforida, ela se apoia na mesa de granito, fazendo mais barulho do que o necessário, deixando a grande bolsa de couro marrom cair no chão. 


— Oi, Sabri, eu estou bem, pode ficar relaxada. — mentira. Na minha mente, eu via um bonequinho, sapateando em cima do meu orgulho e da minha autoestima. Era a vergonha. 


— Eu vi o que aconteceu! Você pode processar ele, sabia? — Sabrina era minha amiga desde a infância, acabou se aplicando na mesma universidade que eu, apesar de ter passado em uma instituição privada muito melhor. Ela dizia que era porque era mais fácil estudar perto de casa, mas a verdade é que ela mal parava lá, depois que conseguiu o estágio no “O Congressista”, um dos grandes jornais da capital.  


— Calma, Sa. Não é bem assim. As provas estão contra ela. — Daniel, namorado de Sabrina, sentou-se calmamente ao lado de Leonardo depois de pegar a bolsa da namorada, cumprimentando-nos com a cabeça. — Tudo o que nós podemos ver no vídeo é ela atirando a cuca nele e ele rebatendo. Até aí, legítima defesa. 


— Ah, pelo amor de Deus, Daniel. Contra uma cuca? — exclama ela. 


— Eu devo dizer que a escolha da arma foi interessante, mas ainda tem potencial ofensivo, apesar de ser uma cuca. Tenho certeza que Alice deve estar com um roxo gigante na perna. 


Eu não conseguia respirar direito. Já tinham videos circulando? E já chegou nos outros cursos do campus?


— Onde você conseguiu o vídeo, Sabri? — perguntei meio que já sabendo a resposta. O curso de Jornalismo dessa faculdade é conhecido por ser a central de distribuição de fofocas. Tomei um remédio para dor com uns goles de chá gelado que Leo havia comprado para mim. 


— Na verdade, foi um amigo do Daniel que recebeu e passou no grupo da sala. — quase morri engasgada. 


— O PESSOAL DE DIREITO JÁ SABE DO QUE ACONTECEU?! — perguntei para Daniel, que assentiu seriamente.


— Você sabe como nós somos. Sempre brota um aluno de direito vindo do esgoto quando começa uma treta. É uma habilidade necessária aos advogados que não tem clientes fixos. Ah… — eu vejo pena em seus olhos castanhos. Daniel sempre fora do tipo quieto e observador, então vê-lo esboçando algum tipo de reação era preocupante — Já começaram a te chamar de “Cuca”. 


— Senhor amado. — pânico, apenas pânico. Minha respiração começou a ficar cada vez mais ofegante. Sentia vários olhos me vigiando e várias bocas rindo de mim. Por mais que eu pussesse a máscara da mulher forte e inatingível, eu ainda era a mesma adolescente medrosa que estava chorando naquela delegacia há alguns anos. 


— Ei, fica calma. — Leo entrelaçou suas mãos quentes nas minhas. Senti-o apertando ainda mais ao perceber o quanto eu tremia. — Isso passa. Lembra da menina de farmácia que explodiu o laboratório tentando fazer metanfetamina? Ninguém mais fala dela. Relaxa. 


— Isso porque ela se transferiu, né, cabeça? — rebati suas tentativas de me fazer sentir melhor. 


— Eu ouvi dizer que ela tentou fazer de novo na nova universidade. Fala sério, quem tenta fabricar metanfetamina na faculdade? E como deixaram ela entrar em farmácia de novo? Quem ela acha que é? Uma Walter White da vida?


Finalmente, fomos comer alguma coisa. Era nosso ritual de sexta-feira, para comemorarmos que sobrevivemos a mais uma semana nesse inferno. Daniel, que já estava no último ano, não frequentava mais o campus como antes, vinha apenas para se encontrar com seu orientador de tese e entregar os relatórios de estágio. Eu gostava desses almoços, ter amigos além de Sabrina foi uma conquista meio que recente para mim. Nunca fui muito popular no ensino médio devido aos “ataques de pelanca” e eu não lembro muito bem da minha infância, então, não podia opinar muito. 


— Eu não consigo entender como você come esse troço com tanto gosto. — Sabrina sempre me perturbava toda vez que me via comendo jiló. Era quase que uma tradição.


— As pessoas tem gostos diferentes e me deixa comer em paz, eu estou me sentindo péssima. 


— Ei… — Sabrina, com seu jeito meigo e preocupado, acaricia meu cabelo e põe uma mecha atrás da minha orelha — Como jornalista, eu te digo: daqui a duas semanas ninguém mais vai lembrar. Sério. Sem falar que a faculdade toda está estressada. Acho que muitas pessoas não vão nem julgar porque estão a ponto de atirar cucas umas nas outras… — sempre gostei desse jeito atrapalhado dela de tentar dizer que as coisas vão ficar bem.


— Ainda bem que eu não venho mais aqui todo dia — Sabrina fuzila o namorado com o olhar — O quê? Você acabou de dizer que isso aqui virou um campo de guerra e tem muita munição pelo chão. Acho que a equipe de limpeza deveria tirar todos as cucas antes que a guerra estoure.


Sabrina me deu um olhar de “pode-deixar-que-eu-vou-arrancar-o-couro— desse-filho-da-puta-depois” e comecei a rir. Continuamos com o papo furado até que Daniel teve que sair para o estágio. Fomos para o café, ver nossos trabalhos, eu e Leo estávamos corrigindo alguns bugs do nosso aplicativo, enquanto Sabrina escrevia freneticamente em seu laptop até ir para o trabalho, algum tempo depois. 


— Cara, eu não sei porque não está rodando. A gente viu todo o programa, eu não estou achando nosso erro. QUE ÓDIO. 


Normalmente, Leo era uma pessoa bem calma e gentil, mas ele não era fã de refazer seu trabalho. Ele é a única pessoa da minha sala com quem eu falava, até porque ele é o único normal de lá. Quando eu entrei na sala de aula pela primeira vez, percebi o motivo pelo qual só tinha um banheiro feminino no bloco F. O bloco de engenharia não estava preparado para receber o público feminino. Ainda mais o andar de computação, onde parecia que até os professores se esqueceram o que é uma mulher de saia. 


...


— Por que raios esse bloco só tem um banheiro feminino? Eu tive que descer 6 andares até o térreo para conseguir mijar, que saco! — murmurava comigo enquanto eu procurava a minha sala de aula. — 607, achei. — empurrei as portas de madeira e de repente, a sala que antes estava vivida e barulhenta, se cala. — Ô, porra...


Todos, sem exceção, eram homens. T-O-D-O-S. Imagine que você é um antílope, lindo e gracioso, comendo sua grama e sendo feliz, quando do nada você é cercado por 50 leões famintos. Foi assim que eu me senti. Eu pensei em fugir, mudar de curso, mudar de universidade, até que a voz da minha psicóloga voltou a minha mente: “Nem todos os homens são hostis ou querem te fazer mal. Você não pode fugir sempre que estiver sozinha com um homem. Eu sei que você consegue superar esse medo”. Deus tem um senso de humor muito interessante. 


Sentei na primeira carteira que vi, tentando controlar a minha respiração. Doía muito, não conseguia soltar o ar que estava no meu peito. O que piora a minha situação é que eu estou de saia — que nem é tão curta — mas como todos ficam olhando, isso me incomoda. Eu devia ter vindo de calça, mesmo estando um puta calor de 30°C. Teria sido melhor do que isso agora. Eu puxo a barra da saia para tentar esconder o máximo possível, mas não desce para além do joelho. Eu sei, eu sei, vou tomar bronca da Renata, mas por mais que eu saiba, na minha consciência, que eles estão errados por me olhar assim e que eu não tenho culpa por vestir uma saia no verão, sinto-me culpada por ter escolhido essa roupa. Por ter me “posto” nessa situação.


Mas por que raios não tem nenhuma outra mulher aqui, gente? Século XXI, já. Confiro o horário em meu celular. 7h00. A aula só começa daqui a agonizantes 20 minutos e eu não sei se eu não vou ter uma crise de ansiedade aqui. Eu preciso tomar um ar. Pego minha bolsa e saio para o corredor. As paredes de tijolos brancos não me ajudam em nada. Parece que eu estou presa em um sanatório, só esperando o Arnold Schwarzenegger vestido de Exterminador do Futuro vir acabar com a minha raça. 


Passo por um vulto claro, é uma porta que liga o interior a uma espécie de terraço. Foi ali que conheci Leonardo. 



— Leo, relaxa, nosso prazo de entrega termina semana que vem. Ainda temos tempo. — eu tentei o acalmar passando minhas mãos por suas costas. — Eu sei que você tem que voltar para cuidar da sua avó, então deixa que eu fico aqui, tentando arrumar isso até o professor Eduardo chegar. Quem sabe ele nos ajuda, né? 


— Mas o trabalho é em dupla… — Leonardo estava se pressionando demais esse semestre. Desde que sua avó caiu em casa, as coisas não andam boas para ele. O estresse de trabalhar, sustentar a casa enquanto a aposentadoria da dona Maria não saia, e de conciliar isso tudo com a faculdade. Eu fazia o máximo que podia para aliviar o fardo para ele, mesmo que não concordasse com isso. 


— Eu sei, e você escreveu o código praticamente sozinho. Deixa que eu falo com o professor, vai para casa mais cedo e descanse antes de ir trabalhar. 


— Tem certeza, eu não estou cansado e hoje meu turno só começa meia-noite. — eu sabia que ele não estava cansado, afinal, já havia se habituado a trabalhar de noite na segurança do hospital e vir virado para aula no dia seguinte. 


— Sério, eu ainda tenho que ficar na faculdade para estudar para as provas, você sabe que eu estou sem Wi-Fi em casa. Tranquilo. — não só para estudar, já que eu ia baixar alguns episódios de The Blacklist no notebook. 


— Bom, acho que eu vou aceitar só porque você disse que já iria ficar do mesmo jeito… Qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo, você me liga. Que horas que ele chega mesmo? 


— Acho que às 18h40, por aí. 


— Hum, são 15h30… Acha que consegue esperar? 


— Consigo! Vai descansar antes que eu me arrependa.


Com um sorriso tímido, pegou suas coisas e se despediu. Tive muita sorte de encontrar alguém tão normal nessa universidade. 



18h25


Jesus amado, não consigo mais. Depois de algumas horas fazendo cálculos e me preparando para as provas do meio do semestre, minha cabeça não aguenta mais. Pior que nem consegui terminar de baixar a temporada ainda. 


— Preciso de um café antes de ir falar com o professor. 


Juntei minhas tralhas e desci pelas escadarias. Eu gostava de estudar na sala de estudos do lado da biblioteca, o silêncio me ajudava. Cara, que dor no pescoço. Sempre gostei mais da faculdade a noite. As antigas lanternas externas têm certa elegância nessa época do ano. Peguei um expresso e sentei sob uma árvore. Fiquei olhando o céu alaranjado de começo de outono, e fico me perguntando: que merda que eu to fazendo aqui? 


Eu entrei em engenharia da computação porque eu sempre quis saber como as coisas funcionavam. Desde pequena, eu sempre me pergunto o qual o motivo das coisas, como elas funcionam. Acho que ser curiosa é da minha natureza. A brisa fresca que balança as folhas acima de mim, acaricia meu rosto de uma forma melancólica.  Aos poucos, sinto que é mais fácil exalar o ar que estava preso em meu peito desde a hora do almoço. Facilmente fecho meus olhos e curto o barulho doce da brisa marinha. 


Abro meus olhos devagar e ESPERA UM POUCO. MEU DEUS, EU DORMI NO PÁTIO. Olha o fundo do poço que eu cheguei. Horas. Checo meu celular, 21h. EU DORMI QUASE TRÊS HORAS NO MEIO DO PÁTIO. Levanto-me o mais rápido possível e corro em direção ao bloco F. Senhor amado, a última aula deve estar acabando, e eu não posso perder o professor. 


Subi as escadarias correndo e no terceiro lance, encontro o professor de meia-idade, barba e cabelos grisalhos, vestindo o habitual suéter de lã verde escuro, conversando com outros dois alunos. 


— Professor Eduardo! — disse ofegando. Minhas costelas, que já estavam doloridas, só pioraram — O senhor poderia me ajudar?


— Calma, senhorita, calma. — o seu jeito cordial não combina com sua idade. Apesar do corpo ter menos de 40, a alma tinha mais de 80 anos. — Do que você precisa?


Uma hora depois eu estava guardando minhas coisas, feliz da vida, com meu programa rodando perfeitamente. O professor não ficou nem dez minutos na sala comigo. O erro do código estava no começo, e eu fiquei a última hora arrumando e baixando o restante da temporada. Francamente, eu estava louca para ir embora. Queria tomar um banho e ver os estragos que aquele zé ruela fez no meu corpo. Se a dor piorar, eu acho que eu vou ter que ir no hospital, é só falar que eu caí das escadas, simples. 


Antes de ir embora, passei no banheiro. Estava apertada para ir desde que terminei de baixar The BlackList e comecei Orange is the New Black. Entro no único banheiro do bloco que, como sempre, estava vazio e limpo. Vantagens de não estudar arquitetura: sem filas no banheiro, desvantagens: ando sempre com quatro absorventes, só para garantir. 


— Mphf... Mphf...  Mphf… 


Mas que porra de barulho é esse? Abri cada cabine do banheiro, e todas estavam vazias. De onde vinha esse barulho? Ou melhor, o que era esse barulho? Parecia uma pessoa, mas eu não tinha certeza. Pelo amor, 22h e eu querendo bancar a detetive. Eu vou embora, sempre quem vai atrás do barulho no meio da noite, sozinha, com frio, morre. Todo mundo que viu qualquer filme de terror sabe disso. Não, obrigada, eu passo. 


Peguei minha bolsa e saí. O pátio do meu bloco estava vazio, sem nenhuma alma viva. Era de se esperar, afinal, sexta-feira, 22h, todos estavam em casa ou bebendo e jogando sinuca. Ninguém ficava nesse horário, nem eu ficaria se tivesse internet em casa para assistir as minhas séries. A saída ficava na direção do banheiro masculino que estava com a luz acesa. Agora que eu queria dar o fora daqui.


— Mphf… Mphf… — o barulho estava mais alto. Acho que vinha do banheiro masculino. Bom, o problema, advinha, não é meu. Vou embora.


Mas… E se alguém estiver amordaçado no banheiro? Pode ficar aqui o final de semana inteiro. Parei e olhei para a porta do banheiro. Será que… NÃO. Quem prenderia alguém no banheiro desse bloco? Para de viajar, Alice. Vamos embora, deve ser algum animal. O barulho continuou enquanto eu dava largas passadas até as catracas do bloco. O vento frio do sereno batia no meu rosto e quanto mais eu me afastava do barulho, mais nervosa eu ficava. Está no subconsciente coletivo que quando você está sozinha, a noite, num lugar escuro e com frio, você vai morrer. É puro instinto. Os metros finais para a catraca eu dei uma corridinha, e quando eu ia passar a carteirinha, o barulho parou. 


— Ué… Parou?


Por que parou? Hesitei por um momento. E se algo de ruim acontecesse com alguém porque eu fui egoísta demais para averiguar o que estava acontecendo? Claro, ninguém saberia que eu estive aqui até esse horário, mas será que a minha consciência me permitiria viver em paz, como se nada tivesse acontecido? Não, eu iria me culpar. Eu…


Virei-me e encarei a entrada do banheiro, ainda com as luzes acesas. Respirei fundo e andei, bem devagar, até a entrada, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Eu estava tão nervosa e andando tão silenciosamente que poderiam usar a cena para o trailer de “Um lugar silencioso 2”. Eu era a própria Evelyn Abbott, andando pela fazenda. O silêncio era sepulcral e eu estava passando mal, a um passo de ter um infarto. Eu estava com muito medo, que a verdade seja dita. Cheguei perto da porta. Inflei o peito de ar, contraí os músculos. Chega de medo, Alice. Entrei no banheiro que aparentava estar vazio. 


— O-olá? T-tem alguém aqui? — a minha voz trêmula ecoou cristalina pelas paredes do banheiro. P-a-t-é-t-i-c-a. Não conseguiria enganar uma criança de cinco anos. Está na cara que eu estou apavorada.


Olhei o espaço e comecei a relaxar. Talvez eu estivesse ouvindo coisas, afinal, sempre detestei ficar sozinha. Acho melhor ir para casa, ainda estou na segunda temporada de The Blacklist, e…


— Mpppphf… — legal, não estou ouvindo coisas. O barulho veio da terceira cabine, eu tenho certeza. Eu senti um arrepio correndo pela minha espinha. Meu coração estava pulsando tão rápido que eu iria ter um colapso a qualquer instante. 


Andei lentamente até a porta da última cabine. Meu Deus, eu estou pirando. Encostei na porta e estava solta. Num súbito momento de coragem, empurrei a porta da cabine.


— Puta que pariu… Que merda é essa? 


— Mphffffff!!!


Realmente, era uma pessoa amordaçada, mas… 


Aqui eu me deparo com Ricardo Bresson, um veterano do curso de Administração, um dos melhores da classe, numa posição nada ortodoxa. Sentado no vaso sanitário, nu, com os punhos amarrados aos tornozelos, com uma fita na boca, todo sujo de Deus-sabe-o-quê e com uma cauda bem no meio das nádegas. Sua pele branca de porcelana estava arrepiada do ar frio da noite e seus mamilos rosados estavam muito enrijecidos. Os cabelos que sempre andavam alinhados, como um perfeito executivo de empresa, estavam emaranhados e cobrindo seus olhos, aparentemente sujos com uma espécie de lubrificante com cheiro de morango. Irônico, amarrado dessa forma, mas cheirando a morango. Apesar de fortes, seus braços e pernas torneados eram completamente inúteis nessa posição. Era um animal atado, preso em na armadilha do melhor caçador que eu já havia visto. Eu via seus músculos lutarem em vão contra as fortes cordas vermelhas, atadas em nós elaborados. Suor escorria por sua testa e abdômen, enquanto se movia inquieto em cima do vaso. Seus olhos acinzentados demonstravam medo, pavor e um sentimento ainda mais sombrio: vergonha. Eu fiquei paralisada com a cena. Uma cauda. COMO PUSERAM UMA CAUDA BEM NO MEIO DO RABO DELE? 


— Espera, eu vou te soltar. Calma. — eu comecei a analisar os nós bem feitos, procurando por uma ponta solta ou algo do gênero. Senti um alívio na respiração dele, fico imaginando o motivo pelo qual prenderam ele assim e ainda, será que ele ficaria aqui o final de semana inteiro? Como poderiam deixá-lo assim, de uma forma tão… Humilhante. Até que me veio uma brilhante ideia pela cabeça. Era uma chance que eu não poderia desperdiçar. 


Afastei-me de seu corpo quente. Um sorriso que jamais pensei que um dia passaria por meus lábios se abriu, descontrolado. Saquei meu celular e abri a câmera. Percebendo o que eu estava prestes a fazer, Ricardo começou a se contorcer freneticamente, batendo diversas vezes os braços e as pernas nas paredes de granito da cabine. Sua respiração voltou ao ritmo entrecortado de antes, mas agora, o motivo era outro. 


— Agora, você é meu refém. — disse mostrando a tela do meu celular, com sua foto, nu e exposto de maneira tão suja e pervertida, mantendo meu sorriso sádico intacto. 


Realmente, Deus tem um senso de humor bem diferenciado, de que outra forma ele me daria o capitão do time de lacrosse, desse jeito, em uma bandeja de prata, se não fosse para que eu o devorasse?






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Autor(a): a.lichia

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 1



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  • a.lichia Postado em 22/01/2020 - 01:31:14

    Notas do Autor Olá "abigos", tudo bom? Eu quero dar uma passadinha rápida para avisar vocês que essa história trará temas pesados para os próximos capítulos. Pretendo tratar de problemas sociais que podem agir como gatilho para algumas pessoas, por isso, pretendo deixar avisos nas notas, evitando assim, qualquer prejuízo a vocês. Além do mais, o que para alguns pode servir de gatilho, eu posso não estar sabendo, então, se alguém ver algum gatilho, por favor, avise! assim, eu posso manter as notas atualizadas. Os capítulos são longos mesmo porque eu não sei se terei muito tempo para escrever e manter a história sempre atualizada, então, vou fazer o meu melhor para postar um bom conteúdo. kissus de luzz


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