Fanfic: << Eu Pego Esse Homem! >> TERMINADA
- APRESENTO O LENDÁRIO SHORT Hares Mall, conhecido em três estados como a mais bem-sucedida experiência comercial - Anahí falou à entrada majestosa do shopping. - Tem gente de Connecticut, Nova York e até de Delaware que vem até aqui só pelo privilégio de percorrer esses pavilhões suntuosos, comprar nessas lojas, degustar a comida mais famosa do estado. Os preços podem ser salgados, mas em Nova Jersey o vestuário é isento de taxas, e isso acaba trazendo uma compensação.
- Sai da frente - Dulce falou com impaciência, empurrando Anahí para que as portas hidráulicas de vidro do shopping se abrissem.
Quando se abriram, soou uma melodia divina, um coro de anjos.
- O que é isso? - Dulce perguntou.
Anahí apontou para os alto-falantes no teto.
- Sensores de movimento. Toda vez que as portas se abrem, cantam os querubins.
Três passos dentro do shopping e elas já estavam sendo abordadas por moças elegantemente vestidas com um conjunto amarelo de saia e blazer.
- Foie gras? - uma delas oferecia, estendendo uma travessa de prata cheia de torradas cobertas pelo patê.
- Relaxamento facial? - outra moça perguntava com atornizadores prateados a postos.
- Não, obrigada - disse Anahí.
- Não, obrigada?! - Dulce objetou.
Puxando Dulce pelo braço, Anahí explicou:
- No estande da Chanel tem amostra grátis para os membros do shopping. Ou seja, para nós. Mamãe é membro do Círculo de Ouro. Com uma única doação de cinco mil dólares, ela, e nós, por extensão, temos direito a amostras grátis, descontos em lojas, degustação grátis, estacionamento grátis e transporte grátis dentro do shopping para sempre.
- Isto não é um shopping - Dulce comentou. - É um country club.
O projeto arquitetônico do shopping o fazia parecer uma roda, com eixo e raios. Anahí conduziu Dulce pelo saguão até que elas chegaram ao ponto central da construção, uma fonte composta por um alto globo de vidro.
- Está vendo as cinco setas? - Anahí perguntou enquanto rodeavam a fonte. - Indicam a entrada para cada pavilhão.
Anahí, então, apresentou um pequeno sumário do esquema dos pavilhões:
- À frente, você tem o pavilhão de roupas e acessórios - ela disse. - Roupas masculinas, femininas, infantis e também para cães e gatos. Relógios, óculos, jóias, bolsas, cintos.
E continuou explicando:
- Depois, o pavilhão de entretenimento. Aparelhos eletrônicos, livros, música, filmes, e ainda um cinema. Seguindo à direita, o pavilhão da beleza. Spas e salões de cabeleireiro, uma academia, perfumarias, um centro de tratamento a laser especializado em olhos, pele e depilação. Adiante, o pavilhão do lar. Lojas de móveis, antiquários e uma filial da Sotheby para leilões. Por último, o pavilhão da alimentação. Lojas especializadas em artigos para cozinha e mesa, confeitarias, delicatessen, bufês, dois restaurantes três estrelas e a escola de culinária Cookings. É uma escola patrocinada pela Kings, uma cadeia local de supermercados caríssimos. Certa vez mamãe fez um curso nessa escola para aprender a obter carne tenra.
- Como? - Dulce quis saber.
- Fale para a vaca que sua filha adolescente está grávida.
Dulce riu. Conseguia rir de qualquer coisa, e era isso que Anahí sempre apreciava nela. Sorrindo, Anahí compartilhou a admiração de Dulce pelos grandes elevadores de vidro, as escadas cromadas, o piso de mármore e as lojas. Naquela hora a horda de clientes dos sábados estava presente. Mulheres de meia-idade vestidas dos pés à cabeça pela grife Moschino, com os filhos impecavelmente limpos mastigando cookies enormes e as babás caribenhas carregadas de caixas e sacolas que exibiam logotipos da D&G, Beth Johnson, Godiva, Domain. Adolescentes com rabos-de-cavalo vestidas com jeans idênticos (da Seven), camisetas (da DKNY) e tamancos (da Birk). Homens dependurados em celulares, famílias que subiam e desciam pelas escadas rolantes e grandes filas no cinema, nos restaurantes e nos salões.
- Estou de queixo caído. E aqueles carros, o que significam?
Ela se referia a uma fila de carros luxuosos estacionados ao redor do saguão, ladeados por cordas de veludo.
- Estão à venda, claro - Anahí respondeu.
Ficaram a observar um homem de terno cinza que rodeava um Lamborghini amarelo. Ele deu umas quatro voltas em torno do carro antes de pedir ao recepcionista um prospecto das condições de venda.
- Dá uma olhada na fonte - disse Anahí apontando para uma esfera de vidro dentro da qual borbulhava água, que saía por. Uma abertura no topo e escorria pelas laterais, precipitando-se numa piscina negra de aproximadamente quatro metros de diâmetro cheia de moedas cintilantes. As moedas caíam dentro d`água a intervalos curtos de tempo.
- Moedas caindo do céu?
Elas estavam no térreo. Anahí apontou então para cima, para que Dulce soubesse de onde as moedas caíam. No balcão do segundo piso, em frente ao Pottery Barn, no pavilhão do lar, um grupo de pessoas atirava moedas.
- É dali que o shopping permite que se lancem moedas - disse Anahí. - As pessoas miram a abertura no topo da esfera e jogam as moedas dentro da fonte.
- Por quê? - Dulce perguntou.
- Porque sim.
- Isso me parece um desperdício de dinheiro.
Anahí sorriu. Pelo que já tinha visto, o shopping inteiro e tudo o que havia dentro dele era um tremendo desperdício de dinheiro.
- Olha aquela criança dependurada no parapeito - Dulce mostrou, assustada. - Foi de lá que o seu pai...
- Caiu e morreu? - Anahí completou a frase da amiga. - Exatamente dali. Do mesmo ponto. Ele se inclinou demais e despencou de cabeça.
- E ele se afogou? - perguntou Dulce com uma expressão de horror.
- Morreu pelo impacto. Quebrou o pescoço. O estranho é que o vidro relativamente frágil não se estilhaçou. Parece que os bombeiros levaram três horas para resgatar o corpo.
- Você presenciou? – Dulce quis saber. - Quantos anos você tinha? Doze?
Anahí refutou com a cabeça.
- Só cinco anos - ela disse. - Não vi o acidente; vi a foto no Star Ledger. A manchete dizia: `Queda Fatal no Centro Comercial`. Foi o primeiro artigo de jornal que li na vida.
Uma das razões para que Anahí quase nunca falasse das circunstâncias da morte do pai era simplesmente a dificuldade que tinha em explicá-la. Num de seus primeiros encontros com Alfonso, ela até que tentou ilustrar, mas era uma péssima desenhista e não conseguiu passar uma idéia clara do ocorrido (embora tivesse desenhado figuras e uma linha pontilhada que evidenciava a trajetória a partir do balcão). Alfonso só foi entender quando viu a fonte com seus próprios olhos seis meses antes, no dia em que os dois tinham ido fazer compras no shopping para o casamento.
Uma moeda maior foi arremetida pela abertura, seguida pelos aplausos das pessoas no balcão. A moeda caiu na piscina e parecia maior com a distorção causada pela água. Anahí se perguntava se a cabeça de seu pai parecia maior quando o corpo ficara no fundo da fonte.
- Eu tinha três anos quando ele saiu de casa, e depois disso raramente o encontrava. Foi morar na cidade com Jemima, sua namorada inglesa. Minha antiga babá estava com ele no balcão quando houve a queda, Iam se casar naquele mesmo dia, depois que ele assinasse os papéis do divórcio. Desde então ela entrou para uma dessas seitas cristãs fanáticas. Ainda me manda cartas, tentando me converter.
- Parece que este lugar não lhe traz boas lembranças - Dulce falou.
- Você não faz idéia. - disse Anahí.
- Mas acho que nenhuma delas supera a `Queda Fatal no Centro Comercial`.
- Como você me subestima!
Anahí puxou Dulce pela mão e cruzou o pavilhão de roupas e acessórios. No primeiro piso havia poucas lojas, e ela parou em frente à Laura Ashley Boutique, só de vestidos de noiva.
- Eu sabia! - Dulce exclamou. - Não me arrisquei a falar, mas suspeitei o tempo todo.
Anahí assentiu com a cabeça.
- Tá legal; assumo que comprei um vestido de noiva assinado pela Laura Ashley. Eu e Poncho viemos ao shopping só pra espiar. Achei que teríamos algumas idéias, eu principalmente. Estávamos passando por essa loja quando ele insistiu que eu experimentasse alguns vestidos. Rindo, de mãos dadas, tudo era tão simples... então entramos na loja. Ele disse pra vendedora que queria que eu ficasse parecida com uma noiva de bolo de casamento. Um vestido de noiva bem tradicional. A cada vestido apresentado, Poncho dizia: `Mais franzido! Mais laços!` Foi hilário, pode crer.
- Posso imaginar como é divertido experimentar vestidos - Dulce admitiu. - Mas por que você acabou comprando aquele?!
Anahí deu de ombros com indiferença.
- De repente, lá estava eu na cabine, enfiada naquele vestido que me tirava toda a dignidade. Poncho se aproximou e nos entreolhamos pelos espelhos da cabine. Ele me beijou e o beijo iniciou toda a ironia. Ele disse: `Eis a minha noiva maravilhosa`. Com o coração na boca, parei de opinar. E o mais irônico é que comecei a acreditar que aquele momento era um dos mais românticos da minha vida.
Dulce segurou as mãos de Anahí e apertou-as com carinho.
- Momentos melhores virão.
Os olhos de Anahí marejaram um pouco e ela desviou o olhar para se livrar das lágrimas. Felizmente, seus olhos se cravaram em outra vitrine.
- E prepare-se para mais uma porrada - ela disse enquanto se encaminhava até a Precious, uma loja sofisticada de roupas. - Bem aqui, na frente dessa loja, fui seqüestrada.
- O quê?
- Eu tinha quatro anos. Entrei na loja com mamãe, e ela começou a falar com a vendedora. Falava, falava, falava. Fiquei entediada e saí da loja. Uma mulher estranha me pegou pelas mãos e me levou pelo corredor até o banheiro. Lá, ela me cobriu com um casaco de capuz negro e me levou para fora do pavilhão de roupas, e por pouco para fora do shopping.
- Não acredito!
Anahí assentiu enfaticamente.
- Pois é, estávamos a poucos passos da saída quando apareceram cinco seguranças do shopping armados e começaram a gritar para que eu me deitasse no chão. Agarraram a seqüestradora e a empurraram contra a parede com tanta violência que quebraram dois dentes dela. Aterrorizada , fiquei estirada no chão, em choque. Depois mamãe chegou. Chorava histericamente, me agarrava e gritava. Completamente descontrolada. Foi ela que chamou a segurança quando notou o meu desaparecimento, Os guardas foram orientados para prestar atenção numa menina de sete anos de cabelo castanho escuro, usando um casaco verde e botas vermelhas. Mesmo com os cabelos encobertos pelo capuz negro e o casaquinho debaixo do casaco da mulher, um guarda esperto identificou as botas vermelhas.
- Estou sem fala - disse Dulce com os olhos arregalados.
- O seqüestro frustrado também foi parar nos jornais. Um ano antes da Queda Fatal. O jornal Star Ledger fez uma matéria elogiando a presteza dos guardas da segurança. Da noite para o dia o fluxo de gente no shopping dobrou. Todo mundo passou a se sentir mais seguro aqui.
- E quem era a seqüestradora? - Dulce perguntou.
- Uma doméstica da República Dominicana que trabalhava para uma família rica de Short Bares. Quase não falava inglês. Aparentemente, a saudade da filha que tinha ficado em Santo Domingo a fez enlouquecer. Solidão traz loucura. Ela me viu, e de alguma forma despertei a lembrança da filha. Da lembrança ao rapto foi um pulo. Nunca mais a vi. Foi deportada. Ela também escreve pra mim, mas tudo em espanhol, e nunca me preocupei em traduzir. Só sei que tem um monte de Jesus Cristos e Dios mio. É outra que entrou para uma seita cristã. Se sentiu tão culpada que virou fanática.
- Quer dizer que você e sua mãe se ligaram a um time internacional do cristianismo.
- Nada mau para uma dupla de Nova Jersey, não é? - disse Anahí.
Dulce balançou a cabeça, impressionada com a série de acontecimentos vividos por Anahí no shopping.
- O maior drama da minha infância foi quando fiquei com a cabeça presa numa cerca - contou Dulce.
- Você é sortuda - Anahí comentou enquanto pensava na centena de episódios que nem chegara a mencionar. - Foi poupada do drama, e hoje seu trabalho é o melodrama.
- Não necessariamente por muito tempo - Dulce replicou. - Já transei com todos os caras do elenco... na vida real e na tela. Não falta acontecer mais nada com Cherry Bomb em House of Blusher. A não ser ficar doente e ter uma morte maravilhosa... com os cabelos intactos e a maquiagem impecável, é claro. Ou então começar a transar com mulheres.
- Só na tela - Dulce comentou.
- É claro! - disse Dulce - O que eu preciso é do meu próprio seriado. Quero representar uma personagem que não seja cortada nem sacaneada no show.
- Adorei sua interpretação da detetive - disse Anahí.
- Cherry Bomb, a Detetive Particular - Dulce exclamou, pensativa. - Vou pensar nisso. Mas vamos logo, Annie. Temos algo urgente para resolver.
- Os apetrechos caninos?
- Temos que comprar um novo par de sapatos vermelhos.
Dulce arrastou-a para dentro da Well Heeled, uma sapataria badalada. Como sempre, Anahí se viu impelida para o setor de sapatilhas.
Dulce surgiu com um par de sapatos vermelho-romã.
- Salto oito? - Anahí balançou a cabeça.
- E daí?
- Acha que vai ficar bom?
- Dá uma experimentada - Dulce falou tentando engambelar a amiga.
Anahí gemeu, mas acabou cedendo. O vendedor lhe calçou os sapatos. Calçada, em pé, Anahí oscilou.
- Tudo parece pequeno daqui de cima - ela disse.
Enquanto isso, Dulce experimentava um par de sandália de correias trançadas do tornozelo até a metade da barriga da perna.
- Você sempre teve panturrilhas tão bonitas? - Anahí perguntou, observando as pernas da amiga.
- São as sandálias - Dulce retrucou. - Cem paus o par. Quarenta paus mais cara que todas as que já tive.
Do alto, Anahí olhou para o vendedor, dizendo:
- Ficaremos com os sapatos. E já vamos sair daqui com eles.
Apresentou o cartão ouro de sua mãe, assinou o recibo e pegou as sacolas.
- Agora vamos andar - ela falou. - Ou tentar.
- Olha lá a Pampered Pooch - Dulce apontou.
Ao entrarem no paraíso dos animais de estimação, ambas se dirigiram ao setor de roupas para cães. Capas de chuva, botinhas, suéteres, jaquetas, capas de Batman. Anahí puxou um cabide com um tutu de balé com (quatro) sapatilhas cujo preço era cento e cinquenta dólares.
- Seria adorável se não fosse obsceno - ela disse. Dulce se sentia igualmente chocada com tanta frescura. Os olhos das duas amigas foram então atraídos para um balcão de vidro trancado, com gargantilhas, braceletes e até brincos.
- Quem é que gastaria quatro mil dólares com uma gargantilha de diamantes... para um cão? - Dulce perguntou.
- Você não faz mesmo idéia de quem são os consumidores daqui - Anahí rebateu.
- A bem da verdade, até que esse pequeno item está baratinho - disse Dulce, desviando o olhar para uma coleção de coleiras de couro negro adornadas com espetos pontudos. - Você gastaria quatro vezes mais em qualquer loja do Village especializada em sadomasoquismo.
- Olha só pra isso - Anahí falou de outro balcão. - Maquiagem pra cães.
O balcão exibia vidros de esmalte de unhas, escurecedor de focinho, delineador marrom para os olhos, gloss para gengivas, pó-de-arroz para pêlo, glitter para iluminar pelagem. Dulce abriu um vidro de esmalte negro e começou a passar nas unhas.
- Você já reparou que há um fio condutor que vai da história do seqüestro até o vestido de noiva? Já sacou a influência disso na sua capacidade de persistência e de auto-afirmação? - ela falou.
Anahí brincava com os lápis para olhos e focinho.
- Isso aqui parece ótimo - ela comentou com a amiga de unhas pintadas de negro. O esmalte era de "secagem instantânea". Fazia sentido. A maioria dos cães não teria paciência para esperar secar debaixo de ventiladores.
- Você precisa se conectar com sua cadela interior - disse Dulce.
- Este seria o melhor lugar para isso - Anahí afirmou. Escureceu as pálpebras com sombra negra para focinho e passou o gloss de gengivas nos lábios. Depois tentou colocar uma coleira no pescoço. - Mas isso traz à baila um dilema interessante.
- Qual? - disse Dulce enquanto passava delineador nos olhos.
- Se a fêmea do cachorro é uma cadela, por que os cachorros machos não são bastardos?
- Talvez sejam - Dulce rebateu. - Muitos filhotes nascem de cruzamentos clandestinos.
- O que significa que as cadelas também são bastardas - Anahí afirmou.
- Como você chamaria o cachorro que usa uma gargantilha de diamante?
- Cadela real.
- Você está ótima - disse Dulce - Está parecendo uma punk amazônica.
- E você - Anahí completou, - uma ninfa diabólica.
Já transformadas, as duas cadelas góticas encheram o carrinho de compras com brinquedos mastigáveis, biscoitos, cama acolchoada, guia e coleira (igual à que Anahí tinha no pescoço) e um suéter vermelho tamanho médio (Ninel tinha dito que o vira-lata era grandinho).
Maquiadas e carregadas de caixas, bolsas e sapatos novos, as duas andaram (Anahí tentando equilibrar-se nos saltos) até a praça de alimentação, passando ao longo do caminho por um Porsche Spider e pelo Lamborghini amarelo. As pessoas que estavam no shopping olhavam mais para elas que para os carros.
Na praça de alimentação, instalaram-se numa mesa da Risotto Hut.
- Você gosta de ser notada? - Dulce perguntou.
- Fico nervosa - admitiu Anahí, dando de ombros.
- Pois eu vivo pra isso.
- Eu nem imaginava!
- Tá vendo aquele cara ali?
- Aquele? - perguntou Anahí, apontando para um homem musculoso de aparência intocável, sentado no Panino Cart.
- Vou usar uma técnica que aprendi na escola de teatro pra fazer com que ele me note - disse Dulce. - Chama-se espelhamento. Vou imitá-lo, Tudo que ele fizer. Seus tiques nervosos, seus movimentos de ombros, seus movimentos de mãos. Mesmo distante de nós, o subconsciente dele captará meus sinais. Ele vai me achar familiar, vai pensar que já me conhece, mas não se lembrará de como, onde e quando me conheceu. Na verdade, o que ele reconhece é sua própria linguagem corporal.
- Isso é besteira - Anahí debochou.
- Olha só.
À medida que Dulce agitava as mãos e sem nenhuma razão virava a cabeça aleatoriamente, Anahí observava. Dulce balançava as pernas, esticava o pescoço e (meu Deus) tocava as partes íntimas. Por incrível que pareça, o homem acabou notando e se voltou para elas. Estranhamente, Anahí achou que ele era familiar.
- Lá vem ele - Dulce cochichou. - Eu não disse?
De fato, o bonitão levantava-se e encaminhava-se para...
- Pega o telefone, disfarça - Anahí falou. – É Christopher Uckermann!
- Ora, ora, é ele mesmo. Barbeado e de cabelo cortado.
Christopher se aproximava com hesitação, forçando os olhos. E Anahí então se deu conta: ele não as reconhecera. A maquiagem vulgar o deixara confuso.
- Oi, Ucker - disse Anahí.
Ela analisou a expressão dele ao reconhecê-las. Confuso, cambaleou para trás. Ou será que estava embaraçado por vê-la outra vez, depois de ter se precipitado tanto no dia anterior? Nada mais adequado, se fosse o caso.
Embora estivesse atordoado, ele já não podia recuar.
- Annie, você está diferente - ele disse.
- Ainda quer que eu quebre a janela? - ela perguntou.
- Sobre isso... - ele começou a falar.
- Deixa pra lá - Anahí o interrompeu. - Ucker, nós sempre seremos bons amigos.
Dulce escutava, mas graças a Deus não fez comentários a respeito.
- E aí, Ucker, veio ao shopping pra variar um pouco? - ela perguntou.
- Eu tinha que matar o tempo até a hora da partida do meu trem - ele explicou, passando a mão no cabelo cortado.
- Seu corte de cabelo me deu vontade de beber - Dulce falou, sorrindo para o ex-futuro padrinho de casamento.
- Será um prazer te oferecer uma bebida - ele rebateu prontamente.
Uma hora mais tarde, após ter degustado alguns itens da Risotto Hut e do Buffet Bellini, as três ratazanas do shopping se empoleiraram nos banquinhos do Raw Sky Bar e encheram a cara.
- Não e não, Ucker. Tá tudo errado - disse Anahí, que não tinha hábito de (1) beber, (2) criticar, (3) comer com as mãos. - É pra fazer assim.
Segurando uma ostra crua, Anahí despejou duas gotas de Tabasco numa dose de vodca. Depois, deslizou a ostra para dentro do copo e bebeu o conteúdo de um gole só.
- Foi a Ninel que te ensinou? - Dulce quis saber.
- Ela bebia vodca na mamadeira - Anahí falou com voz arrastada.
- Ela pode matar um homem com um palito e um pote de pasta de amendoim.
- A pasta de amendoim devia ser um verdadeiro luxo na Rússia comunista - Ucker comentou.
- Cala a boca e bebe – disse Anahí do alto de sua coleira de cachorro e de suas unhas negras.
- Não sei se gosto de você desse jeito - Ucker comentou enquanto deixava escorrer uma ostra para dentro do seu copo com maestria.
- Você me prefere encurvada e passiva? - Anahí perguntou, embriagada. - Ou só existia atração porque eu estava comprometida com outro homem?
- Antes você não era tão espalhafatosa - ele afirmou..
- Me diz uma coisa, Ucker - Dulce falou, - O que você faz? E você já fez o bastante?
Anahí soltou uma gargalhada do nada.
- Sou dramaturgo freelance.
- Dramaturgo freelance? Eu não sabia que isso existia. - Dulce sorriu. - Você deve ter muito trabalho.
As bochechas de Ucker se ruborizaram.
- Tenho trabalho suficiente. Faço parte da Craiglist e colaboro com quem precisa escrever discursos ou monólogos. Já escrevi propostas de casamento para três homens diferentes. E escrevo discursos para quem quer pedir aumento de salário ou confessar seus casos para a esposa. Acabei de escrever uma peça de dois atos e estou à cata de produtores.
- Eu pensava que você vivia às custas de crédito - disse Anahí.
- Crédito de cérebro - ele resmungou.
- Em que consiste a peça? - Dulce indagou com rapidez, interessada.
Para Anahí, o súbito interesse da amiga por Ucker não passou despercebido. Por mais sedutora que fosse, Dulce era antes de tudo uma atriz. Os homens vêm e vão (literalmente). Mas uma peça pode durar para sempre.
- O título é Edina Spanky: Investigadora Particular.
- Particular? - Dulce perguntou.
- É uma investigadora sexual. Um detetive da libido. Ela descobre o que está errado na vida sexual dos clientes e os ajuda a corrigir os erros. Ao fazer isso, ela ajusta todos os problemas que eles tenham. É uma heroína, uma sábia. Naturalmente, a vida sexual dela é uma merda.
- Aqueles que não conseguem transar... não transam - disse Dulce, citando Raymond Chandler.
Ucker olhou embasbacado para ela.
- Cito essa frase na minha peça.
- Você acha realmente que os problemas das pessoas podem ser explicados pela disfunção sexual? - Anahí perguntou.
Ele assentiu com um gesto de cabeça.
- Dependendo do que a peça pretende, por que não?
- Edina Spanky vai fundo em cada mistério sexual - Dulce concluiu, chegando mais perto de Ucker.
- Posso roubar essa frase? - ele disse.
Dulce lhe deu um sorriso fatalmente doce, tal como Cherry Bomb.
- Talvez eu possa dar uma olhada no seu script - ela sugeriu. -Eu adoraria oferecer minha opinião profissional.
- É uma peça - Ucker afirmou.
- Melhor ainda - Dulce replicou com brilho nos olhos.
Ucker não fazia a menor idéia do que podia tirar dali. Se Edina Spanky: Investigadora Partícular, estava chamando a atenção de Dulce, a amiga dela poderia acabar com a peça e com ele. Anahí sentia na garganta o gosto azedo da inveja. Não de Ucker, nem de Dulce. Mas do roteiro, da matéria-prima, do início de algo que podia crescer e mudar e acrescentar. Ela ouvia os dois, excluída da conversa, relegada ao pano de fundo como uma boa moça do coro: linda, na periferia. Vista de relance.
Os olhos de Anahí voltaram-se para os sapatos vermelhos. Talvez Alfonso não a tivesse abandonado no dia anterior se ela estivesse usando esses sapatos. Talvez a tivessem salvado, da mesma forma que as botinhas vermelhas de caubói a tinham salvado dezesseis anos atrás. Naquele dia ela e a mãe tinham ido ao shopping com uma missão. A entrada na Precious era para ser breve, uma parada rápida antes de chegarem ao verdadeiro alvo. Mas o grande plano foi deixado de lado quando ela foi raptada. Nunca mais pediu à mãe para tentarem outra vez. Trazer o assunto à baila poderia ser muito cruel para Thalia.
Mas agora Thalia não estava presente.
- Tenho que fazer uma coisa - Anahí falou. Nervosa, apresentou o cartão de crédito para o garçom.
Dulce e Ucker se viraram para ela, ambos espantados com sua expressão determinada.
- Acho que os banheiros ficam à esquerda - disse Dulce.
- Temos que sair daqui - Anahí comunicou, gesticulando e se levantando. - Agora!
Os três pegaram as sacolas. A passos largos, Anahí saiu do pavilhão de alimentação, cruzou o eixo central do shopping e de lá se dirigiu para o pavilhão de acessórios. À medida que passavam apressados pelas lojas, Dulce olhava para cada fachada e repetia:
- Sei que é por aqui... ah-ha! Achei! - ela disse em frente à Glimmer, a loja de todas as coisas cor-de-rosa, vermelhas, brilhantes, cintilantes. O paraíso das pulseirinhas e pregadores de cabelo. Os três olharam para o apelo resplandecente que vinha de dentro da Glimmer.
- Você precisa tanto assim de uma agenda felpuda? - Dulce perguntou.
- Vem comigo - Anahí ordenou, arrastando a amiga para o interior da meca dos adolescentes. Ucker as seguia com relutância, como se sua entrada no covil das meninas pudesse fazer aflorar suas idiotices púberes.
- Depois de todos esses anos você já deve ter notado que minhas orelhas não são furadas - Anahí disse para Dulce.
No balcão do fundo elas encontraram uma adolescente espinhenta com um diamante cravado no nariz e a cara enterrada na revista InStyle. Uma plaqueta presa à camiseta estampava o nome dela: DAWN D.
Fechando preguiçosamente a revista e pegando a pistola de trabalho, Dawn perguntou:
- Quem vai primeiro?
De repente, Anahí sentiu o peso das ostras e da bebida. Dando um passo para trás, ela disse:
- Vou pensar um pouco mais.
- Posso fazer um outro furo na minha orelha só para te mostrar como é tranqüilo - Dulce falou.
- Faz na minha - disse Ucker, dando um passo à frente.
- Você vai fazer?
- Caras de brincos ficam uns gatos - a adolescente comentou.
- Se isso vai te deixar feliz - Ucker disse para Anahí. - É o mínimo que posso fazer por você. Sabe, depois do que houve.
- O que houve? - Dawn quis saber.
- Ontem ela foi abandonada no altar. No Plaza, do outro lado da rua.
- Era você? - a punturista perguntou.
Notícias ruins correm depressa em Nova Jersey.
- Era o meu antigo eu - Anahí replicou.
Dawn embebeu os chumaços de algodão no álcool e se aproximou Ucker.
- Só uma orelha ou as duas?
Ucker olhou para Dulce e Anahí e perguntou:
- O que vocês acham?
Em uníssono, ambas responderam:
- As duas.
A adolescente acomodou Ucker numa cadeira reclinável de metal. Depois, com uma caneta, marcou pontos nos lóbulos das orelhas dele.
- Definitivamente, dois furos. Um é para homossexual - ela dizia enquanto avaliava os pontos. - Agora, paradinho. Um tiquinho de antisséptico. Um beliscão de nada, pressão é... já foi uma.
- Deus do Céu! - Ucker gritou, segurando o lóbulo da orelha agora dotado de uma bola de ouro.
- Mais um convertido - Dulce brincou.
Anahí riu. Naquele momento amava Ucker, que só furava a orelha para lhe dar apoio moral. E amava Dulce, que lhe dava as mãos.
- Uma beliscada, uma pressão e... pronto - disse a garota. - Vai querer também no nariz?
- Não! - Ucker e Dulce gritaram.
Ele voltou-se para Dulce, curioso pela veemência dela.
- Não costumo sair com homens com metal no rosto - ela disse.
- Você sairia comigo? - ele quis saber, vendo seus projetos em relação a Anahí desaparecerem nos olhos de Dulce.
Como resposta, Dulce beijou os dois lóbulos das orelhas dele. Ucker saiu da cadeira, deslizando com charme. Anahí assumiu seu lugar. Puxou os cabelos para trás para que a adolescente passasse álcool e marcasse os lóbulos de suas orelhas com a caneta.
- Ok - Dawn falou enquanto carregava a pistola com um par de brincos de prata no formato de bolinhas. - E agora vamos nós.
À primeira espetada, Anahí sentiu-se desfalecer. Respirou fundo, decidida a relaxar e não sentir medo. Quantas vezes ela contivera o medo? Lembrou-se daquele dia no shopping. Dos homens que lhe apontavam armas. Da histeria de Thalia e de como se mantivera imóvel como uma boneca nos braços da mãe.
- Agora, paradinha - disse a adolescente. - Nossa, ela está muito estranha.
- Vamos logo com isso – Dulce falou, fechando os olhos junto com Anahí.
- Uma beliscada, uma pressão e...
Anahí soltou um grito. Não um grito qualquer. Era como uma janela que batia com violência, comprimindo o ar e causando uma explosão no ouvido, uma explosão que expelia o ar para fora de sua boca a uma velocidade supersônica. As pessoas que estavam no estacionamento olharam para cima. Os pássaros fugiram das árvores. Taças de cristais se quebraram a meio quilômetro de distância. Anahí gritava pela beliscada. Pela pressão. Pela cabeça do pai no fundo da fonte. Pelos dez minutos de terror que vivera ao ser levada por uma estranha. As pessoas se agruparam do lado de fora da loja para ver quem estava sendo torturado.
- Fura a outra - Dulce gritou para a garota. - Rápido!
Mais cinco segundos e tudo estava acabado. Dawn inclinou-se para trás, dizendo:
- Acabamos.
Anahí fechou a boca, e agora o silêncio era um aspirador que sugava todos os ruídos do shopping. O coro dos anjos, o som do elevador, o arrastar dos passos, o farfalhar das sacolas de compras, o tilintar das moedas na fonte.
Gemendo, Anahí tocou os lóbulos das orelhas. A adolescente segurou um espelho para que ela visse como tinha ficado. Os brincos estavam perfeitamente simétricos.
- Você fez um ótimo trabalho - disse Anahí, abrindo a carteira e dando uma nota de cem dólares para a garota.
- São dez dólares.
- Fique com o troco.
- E você - disse Dawn, que era mais corajosa e sábia do que Anahí pensara, - não se esqueça de desatarraxar os brincos e limpá-los com água de hamamélis três vezes ao dia durante um mês.
- Você ouviu isso, Ucker? - Anahí perguntou.
- Não ouço mais nada - ele disse. - Você tem uma garganta de ouro, Annie.
Os três saíram da loja. Anahí nunca se sentira tão leve, tão alta. Flutuava pelo pavilhão.
- Eu não teria feito isso sem vocês dois - ela disse para os amigos. Caminharam em direção ao saguão e passaram pelo Lamborghini amarelo. - Quanta gente! - ela comentou.
- Você está coberta de razão - Dulce falou. - Acho uma vergonha desperdiçar isso. Diz aí, Ucker. O que Edina Spanky pensaria de uma mulher que adora trepar dentro de carros?
Pensativo, ele segurou o queixo e disse:
- Acho que Edina pensa... o que você está fazendo?
Dulce o agarrava pelo cinto e o puxava na direção do Lamborghini, que por sorte não era vigiado naquele momento. Ela abriu a porta do carro e empurrou Ucker para o banco do passageiro. Depois, sentou-se no peito dele e fechou a porta.
Os vidros escuros das janelas garantiam a privacidade. Anahí ficou de guarda. Quando o carro começou a sacolejar, uma recepcionista do shopping vestida de amarelo (combinando com o carro) chegou apressada para investigar.
- Que diabo está havendo aqui?
Do alto de sua formidável estatura, Anahí cruzou os braços e disse:
- Quando o Lamborghini balança, ninguém avança.
- Vamos ver - disse a recepcionista enquanto sacava o walkie-talkie. - Segurança!
A porta do passageiro se abriu. Dulce saiu primeiro e depois, Ucker.
- Essa foi rapidinha - disse Anahí.
- Lamborghini, minha filha - Dulce falou enquanto ajeitava a saia.
- Para ser honesta, até agora não sei se toquei uma punheta no câmbio ou no cara.
- No câmbio - disse Ucker. - Mas ele adorou.
E eles correram (em ziguezague, serpenteando) até a saída do shopping. Anahí sentia os pés estufados como berinjelas. As alças das sacolas cortavam seus dedos. A maquiagem canina lhe dava coceira nos olhos. Os buracos nas orelhas latejavam ritmadamente. Ela não se divertia assim há vários meses. Quando finalmente se viram a salvo no estacionamento, Ucker perguntou:
- Que tal uma dose de uísque? Vamos até a cidade e depois pra minha casa. Mas não me julguem pela bagunça. Eu não esperava visitas?"
- Até que seria interessante - disse Dulce, - mas por que não vamos para o meu quarto no hotel? Ainda não fechei a conta.
- Será que vocês podem me deixar na minha casa? - disse Anahí.
Ela queria mostrar os brincos para a mãe.
Autor(a): narynha
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 89
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nathmomsenx Postado em 09/06/2013 - 17:19:03
Perfeita a web <3
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kikaherrera Postado em 24/04/2010 - 21:55:47
Final perfeito como todas as outras.
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rss Postado em 24/04/2010 - 20:29:51
o final foi lindo
perfeito
espero a próxima
besossssssssssss -
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kikaherrera Postado em 24/04/2010 - 03:17:33
A Annie e a Thalia são loucas.
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