Fanfic: Diário da Menina que Só Escreve à Noite | Tema: Sexo, Sonhos, Adolescência
Capítulo 3 - Coisas que Acontecem Longe de Casa
Foi naquela época, mais ou menos, que comecei a ter hábitos noturnos. Apagava as luzes do quarto e tirava os sapatos dos pés, para que os passos não me denunciassem a mais ninguém na casa. Debaixo do colchão, onde os mais velhos escondiam dinheiro em tempos idos, eu guardava meu caderno em branco, virgem das aulas de inglês, onde pensava um dia escrever um livro. Depois me contentei com algo menor – não um livro inteiro, mas apenas uma lista. A lista dos nomes dos meninos com quem eu tinha dormido até ali. A princípio, a lista só teria um nome – Rafael P. – o menino que conheci na praia, com quem eu deixara de ser virgem, que depois se tornara personagem do meu conto em folha de caderno. Como era muito deprimente uma lista que possuísse apenas o número um e minhas mãos tinham fome por escrever mais, decidi incluir na lista um quase número, a fração de um número, para poder mencionar Valentim de uma maneira que fosse justa com ele e com os outros, os que estavam por vir. O que se passara entre nós não me parecia bem sexo, mas talvez fosse mais que um beijo na boca e, com certeza, era mais que um aperto de mão.
1. Rafael P.
½ Valentim.
O número dois ficou em branco. Naquela época, não havia nem um primo, um menino do colégio, ninguém que eu vislumbrasse ingressando na lista num futuro próximo. O branco do caderno oprimiu o pouco que estava escrito e fez o número parecer ainda menor do que era, algo que não merecia sequer ser lembrado e fatalmente desapareceria com o tempo. O caderno gasto por duas palavras foi escondido debaixo da cama, fora da rotina da casa, longe do olhar vigilante dos adultos.
Janeiro se aproximava como uma chuva e, com ele, o meu aniversário de dezoito anos. Vencido o hímen, rasgado pela cabeça do pau do menino da praia, já me sentia com 18 anos há muito tempo e nada na vida de mulher me parecia tão diferente assim da vida de menina que eu levara antes. A única vantagem concreta da maioridade seria o ingresso livre nos filmes para maiores e o direito de beber o que quisesse nos bares da cidade. Além disso, dirigir um carro, algo que para mim era como um sonho distante, a ser realizado em outra vida.
Como nenhum adulto desconfiava do que se passava dentro de mim, meu presente de aniversário tornou-se um enigma e cada pessoa da família decidiu-se por me dar não o que eu realmente desejava, mas o que eles desejavam para mim. Minha mãe me deu roupas femininas, mais femininas que as minhas, reinaugurando uma batalha pelo controle do meu corpo que já começara no dia do meu nascimento, quando eu deixara oficialmente de fazer parte do corpo dela, e, portanto, fazia aniversário junto comigo, todos os anos. Minha tia me deu um celular novo, da mesma marca que o celular da minha prima, mas de preço inferior – para que assim eu aceitasse de forma tácita valer um pouco menos. Minha prima me deu uma bijuteria barata, feita de latão e pedras banais, que só usei naquele dia mesmo e nunca mais. Meu pai foi o último a se decidir e, como quem dá um presente a si mesmo, ofereceu-se para pagar as aulas de direção. Eu teria preferido o dinheiro em espécie, para gastar com o que quisesse, mas os presente, afinal, sempre acabam sendo para os outros, isso é inevitável. Meu pai tinha o costume de ir a pé para o trabalho, onde passava doze horas por dia, e, enquanto estava fora, precisava de alguém para fazer funcionar o motor do carro, parado na garagem, envelhecendo. Ele temia que o veículo se transformasse em uma pedra sem serventia, a ser vendida para o ferro-velho a preço de nada. Pensando no bem-estar do carro, meu pai decidiu que o melhor para todos era que eu aprendesse a dirigir.
As aulas eram no centro da cidade. O prédio pequeno, sem janelas, quente como o inferno, abrigava uma grande quantidade de salas de aula, todas lotadas, de onde entravam e saiam, feito formigas, jovens da mesma idade que eu. O ar circulava pouco, parecia sempre velho, respirado muitas vezes, e o cheiro masculino era predominante, talvez porque, de fato, houvesse mais homens e menos mulheres ali. Fiz uma única amiga na escola – Marina M. – que folheava revistas sobre budismo por baixo da mesa, abertas sobre as coxas, ocupando na mente o vazio deixado pelas aulas teóricas. Marina M. não sabia absolutamente nada sobre carros e já prestara o exame três vezes, sendo reprovada com louvor. Ela continuava tentando por insistência do pai, apenas por isso, mas cada vez tentava com menos fé e o tempo da aula ela dedicava a colocar a leitura em dia.
A auto-escola era um negócio familiar, levado por dois irmãos, um homem e uma mulher. A mulher era gorda, do tamanho de duas pessoas juntas, tinha 40 anos de idade e calçava 45 ou mais, dependendo do sapato. Gostava de comer, contar dinheiro em maços de mil e ficar no telefone, cobrando mensalidades atrasadas com voz de funeral. Ao contrário dela, o irmão falava somente o indispensável e passava a maior parte do tempo na garagem, desmontando os carros com as próprias mãos, lavando peça por peça e depois colocando de volta, como quem banha uma criança. Sobre ele, pouco se sabia e muito se imaginava. Havia mitologias urbanas, passadas de aluno a aluno, que ora se confirmavam, ora desacreditavam uma à outra, deixando uma neblina baixa sobre o passado daquele homem. O nome dele era André. Alguns diziam que era casado, praticamente viúvo, porque a mulher se tornara um vegetal depois de um acidente na estrada, no qual batera a cem quilômetros por hora contra um caminhão de carvão. Viva no meio das ferragens, a mulher não conseguira tirar as mão do volante e, para salvá-la, os bombeiros tiveram que cerrar os dois pulsos, tudo isso enquanto ventava carvão na estrada, com o caminhão virado de barriga para cima, e o dia se parecia cada vez mais com a noite. O mais estranho para os alunos não era a tragédia em si, nem mesmo os braços decepados ou a mulher vegetal - de detalhes macabros a vida real está cheia. O mais estranho era uma pessoa não conseguir desviar de um caminhão e rumar na direção dele, como um trem seguindo o trilho, sem puxar o freio, para abraçar a morte, que também não veio. Isso ninguém sabia explicar.
Muitos achavam que a mulher morrera porque não queria mais estar viva.
Marina M., que tinha teorias vagas sobre tudo, me disse que André era policial ou bandido – qual dos dois ela não sabia. O homem andava armado por aí, com as pernas abertas, como um cowboy fora do lugar. Quando começava a ventar, ela respirava o cheiro de pólvora no ar e, convenhamos, só podia vir dele, de ninguém mais. Além disso, Marina o vira polindo um par de algemas na garagem e depois guardando com carinho, quase com amor, no porta-luvas do carro, onde só ele procuraria por elas, mais tarde, quando fosse a hora. Ninguém sabia o porquê das algemas.
Todas as teorias andavam em círculos e coincidiam no mesmo ponto. Os carros da auto-escola cheiravam a buceta e disso ninguém duvidava. Marina M., que fizera o ciclo completo três vezes, nunca com André como instrutor, para sua salvação, garantia que ele transava com as alunas no banco de trás. Ela ouvira de alguém que ouvira de alguém que ouvira de alguém que André falava sempre de um lugar distante, fora da cidade. Um lugar que ninguém conhecia. Ele levava as alunas para lá e as ensinava a dirigir em estradas vazias, amplas como o infinito. Depois disso eles trepavam à luz do dia, como animais famintos, longe de casa.
Como as aulas práticas eram individuais e sucediam as aulas teóricas, desmanchando as turmas, deixando cada aluno por si, ninguém voltava para confirmar ou negar aquelas histórias. Marina ingressou na prática uma semana antes de mim e me prometeu mandar notícias do outro lado. Eu desconfiava que o fim das aulas teóricas seria também o fim daquela amizade. Nossa relação era por conveniência: formara-se pela necessidade humana de ter alguém com quem dividir a agonia do tempo presente. Marina M. e eu provavelmente não teríamos nada em comum, nada para conversar, não tivesse o destino nos colocado na mesma sala de aula, sem dela poder sair. Tive uma surpresa quando o telefone tocou e a voz dela me disse simplesmente:
– É tudo verdade – e desligou.
Tentei retornar a ligação. O telefone chamava e ninguém atendia, como se a voz do outro lado da linha ou o telefonema em si fossem um produto do meu desejo, não da realidade. Deitada na cama, de olhos abertos, eu pensava naquela frase – É tudo verdade – e sentia um arrepio percorrer meu corpo, como uma aranha viva. De novo, meu ventre tinha fome, não de comer, mas de ser o alimento do outro animal. Eu dormia mal e tinha sonhos entrecortados como relâmpagos, nos quais eu dirigia rumo ao precipício, com as mãos coladas no volante, olhando a morte nos olhos. Não bastassem as noites, durante o dia, eu pensava sem parar em André e no lugar distante, fora da cidade, onde os humanos de repente se transformavam em animais.
Minha primeira aula prática foi em fevereiro. O carro era velho, cheirava a mofo, não a sexo, como tinham prometido, e o professor, mais velho ainda, me fazia dirigir tão devagar quanto uma pessoa andando. Ele gostava de assoviar música clássica e de falar dos seus passarinhos – Pingo, Chico e Paulo Rodrigo – que faziam as mesmas coisas que todos os passarinhos do mundo, com a diferença de que meu instrutor acreditava piamente ter, ele próprio, ensinado seus pássaros a serem pássaros. Era um homem sem segredos. Sua mulher morrera de câncer. Ele próprio tinha um câncer dentro de si, que, vencido pelo cansaço, desistira de matá-lo e passara a conviver com ele amigavelmente. Na nossa quinta aula, para provocá-lo, perguntei se ele não achava uma crueldade ter um bicho com asas numa gaiola. Meu instrutor pensou longamente e concluiu que todo o homem tinha direito a fazer uma crueldade na vida, apenas uma.
- Criei meus pássaros melhor, muito melhor, que meus filhos.
As aulas práticas passaram como a brisa do verão. Logo perdi minhas primeiras esperanças de que, de repente, por qualquer motivo, o professor seria outro e me acostumei, como quem se acostuma com pouco, resignada com o que a vida tinha a oferecer. No penúltima dia, meu instrutor parou de assoviar e começou a tossir, sem aviso. Era um homem de quase setenta anos e fazia os sons de um homem de quase setenta anos. Eu rezava a um Deus no qual nem mesmo acreditava, não pela morte do professor, mas por um dia de febre. Minha prece foi atendida.
Na manhã seguinte, na hora marcada, um carro preto estava estacionado na minha rua. André me esperava, como um destino inescapável. Entrei no veículo e sentei no banco do carona, respirando o cheiro de couro novo, recém-lavado, que não chegava a disfarçar totalmente o cheiro anterior de porra. André deu a partida no carro. Enquanto rodávamos sem direção, vendo passar a avenida, Bob Dylan, no rádio, falava por nós dois: She makes love just like a woman, but she breaks just like a little girl. Meu corpo experimentava sensações contraditórias: tinha sede e vontade de urinar, frio e calor, pensava em morder e depois em beijar. Após uma espera tão longa quanto a vida, André me disse as primeiras palavras:
- Eu conheço um lugar.
Era exatamente o que diziam dele na escola.
- Quer ir para lá?
O desejo respondeu por mim e nós fomos. No caminho, André me ensinou a passar a marcha. Eu deixava minha mão sobre a alavanca emborrachada, que nunca consegui dissociar da forma óbvia de um pênis, e, com a mão dele por cima da minha, o professor me mostrava o que fazer, com movimentos duros, sem hesitar, como se a partir dali não houvesse outro rumo a tomar.
Chegamos a um trecho desativado da BR, onde a natureza crescia por cima da estrada, retomando para si mesma o espaço confiscado pelos homens. Parecia a paisagem dos meus sonhos de fim do mundo. Tudo o que havia para ver, em qualquer direção, era o mesmo terreno descampado, onde a voz fazia eco e o céu parecia maior que a terra. André parou o carro ali, como um objeto sem lugar.
- Aqui, se você gritar, ninguém vai te ouvir.
- Eu sei.
- Acho que você vai gritar.
Ele saiu do veículo e deixou a porta aberta. Eu fiz o mesmo, do outro lado. Geralmente as aulas começavam quando professor e aluno trocavam de posição no carro, o aluno passando a dirigir. Dei a volta no carro e André me mandou parar. Virou-me de costas para ele e colocou minhas mãos no capô, como um policial fazendo a revista.
- Você sabe o que vai acontecer com você, não é?
- Sei
Ele abaixou minha calcinha e senti o cheiro da terra em um lufada de vento. Em seguida, André me mandou tirar as sapatilhas e ficar descalça. Ele soltou meu cabelo.
- Assim você parece mais velha e mais nova, ao mesmo tempo.
André me colocou de joelhos no banco do motorista, com a bunda para fora do carro, empinada na direção dele. Ele dispôs minhas mãos no volante e apanhou as algemas. De repente, eu estava presa ali, como uma roupa no cabide. André abaixou os jeans surrados, a cueca e pude ver, com o canto dos olhos, o pau dele duro, grosso como o braço de um homem, com a ponta vermelha. Ele passou a cabeça do pênis na minha entrada e meteu com força, o mais fundo que alguém já entrou em mim até hoje, sem pedir licença. Eu sabia que, pelo tamanho, o pau dele tocava a parede do meu útero, mas a impressão era de que socava o céu da minha boca, atravessando todo o corpo. Sentia a brisa da estrada na sola dos meus pés, meus joelhos formigavam no couro, meu pensamento voava sem direção. Aquilo não era mais prazer, não havia nome para aquilo. Algumas coisas ainda não foram escritas. De repente entendi o que ele havia me dito antes. Comecei a gritar e a voz fez eco no nada.
André gozou uma porra espessa e tirou o pau de dentro de mim. Ele deitou no capô para ver o pôr-do-sol. Eu continuei amarrada, como um objeto vazio, enquanto o sêmen dele escorria da minha vagina dilatada e pingava quente no banco de couro novo. Sem forças, deixei-me pendurar pelos braços, feito uma boneca de pano, respirando o chão do carro. Finalmente André abriu as algemas e me devolveu o meu corpo.
Assim como a ida, a volta também foi de poucas palavras. Bob Dylan cantava It´s All Over Now, Baby Blue e, pensando nas aulas de inglês, eu repetia a letra mentalmente. De repente, minha curiosidade acordou e fiz minha única pergunta:
- É verdade que sua mulher sofreu um acidente?
- Tudo que dizem sobre mim é verdade.
O carro parou na frente da minha casa. Eu desci com as pernas bambas e o vento por baixo da saia me lembrou que a calcinha ficara no descampado, provavelmente junto de uma coleção de peças de roupa femininas perdidas.
- Qual é o seu nome mesmo? – André me perguntou, de repente.
Eu não respondi. Ele não fazia ideia de quem eu era. Devia ser assim com todas as meninas. Meus pulso estavam marcados pelas algemas e eu pensava numa maneira de esconder isso do mundo.
- Vai desaparecer em dois ou três dias. Depois você vai se sentir mais livre que antes.
Ninguém poderia saber como eu iria me sentir amanhã. Era apenas uma coisa que ele provavelmente dizia para todas para se sentir menos pior. O carro partiu em seguida e eu esperei o veículo desaparecer, com a mente vazia. Depois me arrependi do que não fiz: devia ter chupado o pau dele no carro, como nos filmes americanos. Aquela oportunidade pensei que nunca mais teria. Naquela época, eu não imaginava que André reaparecia na minha vida, anos depois, como uma chuva prestes a cair.
Voltei para casa em silêncio e escrevi o nome dele no caderno.
2. André
Não fiz o exame na semana seguinte e, em consequência disso, nunca mais dirigi um carro. A última vez foi na estada deserta. Meu pai lamentou o dinheiro jogado fora, mas concordou que, mesmo sem carteira, uma vez na semana pelo menos, eu poderia dar partida no carro e ficar sentada dentro dele, parada na garagem, só para o motor trabalhar.
Semanas depois, cruzei por acaso com uma menina loirinha da minha turma na auto-escola e ela me disse que Marina M., na quarta tentativa, finalmente havia passado no exame de direção, para a surpresa de todos. No pulso da menina loirinha, reparei as mesmas marcas vermelhas dos meus pulsos. O tempo não tinha dado conta de apagar.
Autor(a): larissa_m.
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Era como passar o verão no aquário. Todas as tardes, eu descia para a garagem do prédio e dava partida no carro do meu pai. O motor reagia como um animal despertando. O carro em si continuava parado, aquecendo por dentro, fazendo fumaça inútil pelo cano de descarga. Eu tirava o sapato e colocava os meus pés nus para respirar sobre o ...
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