Fanfic: Diário da Menina que Só Escreve à Noite | Tema: Sexo, Sonhos, Adolescência
Era como passar o verão no aquário.
Todas as tardes, eu descia para a garagem do prédio e dava partida no carro do meu pai. O motor reagia como um animal despertando. O carro em si continuava parado, aquecendo por dentro, fazendo fumaça inútil pelo cano de descarga. Eu tirava o sapato e colocava os meus pés nus para respirar sobre o painel. A garagem era como um cemitério de automóveis, no meio do dia, e não havia o que fazer por lá, senão esperar, como um gato de apartamento. O combinado era que eu ficasse no carro por quinze minutos, dando ao motor a oportunidade de funcionar, de servir para alguma coisa, mesmo que fosse apenas uns poucos minutos por dia. Era como cuidar da saúde de um homem inválido e mantê-lo vivo, respirando, não por ele próprio, mas porque a família não queria a despesa de enterrá-lo.
Eu ocupava o meu tempo no carro como podia. Naquele ponto da garagem, o rádio só sintonizava três estações. A primeira delas tocava música clássica o tempo todo e, se você não tivesse o ouvido treinado, pensaria como eu que todas as músicas eram, na verdade, uma só e a mesma. A segunda estação era da Igreja Pentecostal e os pastores se revezavam em sermões infinitos, cantados, que falavam mais no diabo que em qualquer coisa. Depois dela vinha a rádio-relógio, uma estação que anunciava o horário, minuto a minuto, intercalado com notícias aleatórias, que pareciam ser escolhidas por sorteio.
14h05 - Você sabia que hoje, Primeiro de Março, é o dia mundial do catador de lixo?
14h06 - Você sabia que 3 é um número primo? Os números primos são divisíveis apenas por 1 e por eles mesmos.
14h07 - Você sabia que, na Grécia Antiga, o sexo entre homens era algo natural? Filósofos como Platão e Sócrates provavelmente eram bissexuais.
14h08 - Você sabia que, após o nascimento, os meninos judeus são circuncidados? Circuncisão é o nome dado à operação de retirada do prepúcio do pênis humano.
Isso durava a tarde toda. Os quinze minutos transcorriam rapidamente, como nuvens passageiras na frente do sol. Eu continuava ali, ouvindo o rádio contar o tempo, às vezes até anoitecer, como um prisioneiro que recebe a liberdade de repente e não sabe o que fazer com ela. Comecei a reparar na rotina do prédio. Por volta de uma hora da tarde, o porteiro vinha fumar na garagem. Dois cigarros depois, ele voltava para a guarita, resmungando. O porteiro nunca fumava um cigarro inteiro, acendia um no outro, apenas por acender. Eu suspeitava que ele tinha começado a fumar só para morrer mais rápido.
Meia hora depois, Valentim, o professor de inglês, descia pelo elevador de serviço, com o cachorro na coleira. Ele usava aquele elevador, não porque cachorros fossem proibidos no social, mas para demonstrar sua simpatia pela classe trabalhadora. Algumas vezes tomei o elevador com ele e com o cachorro. Reparei que estava mais magro e mais velho, como se o tempo tivesse passado mais para ele do que para mim. Quando estava comigo, Valentim curvava-se como um pai sobre uma filha, para dar a impressão, talvez para si mesmo, de ser um adulto conversando com uma criança. Era como se tivesse sido picado pelo mosquito da amnésia, uma amnésia oportuna, que lhe apagara do passado a tarde em que tinha beijado a minha buceta. Certa vez, para provocá-lo, perguntei o que acontecia no final de Julgamento em Nuremberg e ele, que era mestre em esconder as emoções tão fundo dentro de si que poucos sinais chegavam até a superfície, pediu com toda a calma que eu repetisse a pergunta em inglês. O cachorro, na verdade, era só uma forma de me esquecer.
Às três horas da tarde, a mulher velha do oitavo andar chegava da rua, puxando o carrinho de compras cheio de muamba - sapatinhos de bebê, brinquedos idiotas, velas e incensos, roupas usadas - coisas que ela revendia aos passantes, a preço de calçada. Era fácil saber quando a mulher estava no prédio e quando não estava, porque sua presença era precedida pelo perfume doce, nauseante, das coisas que vendia na rua.
Entre o primeiro cigarro fumado pelo porteiro e o cheiro de rosas mulher do oitavo andar, em algum momento da tarde, chegava o menino da bicicleta. O nome dele era Vidal e devia ter quase 18 anos. Moreno de pele e de cabelo, mais forte que os rapazes da sua idade, uma cicatriz no supercílio dava a ideia de um passado de brigas na rua, algo que lhe vestia bem como uma roupa. Dentro do prédio, Vidal carregava a bicicleta nos braços e a colocava em pé no elevador de serviço, onde subia sozinha até o décimo segundo andar. Na garagem, o menino esperava a bicicleta chegar em casa, como fazem os rapazes com suas namoradas. Ele não confiava no bicicletário do prédio. Nos dias de calor, Vidal molhava a cabeça na pia da garagem, geralmente usada para lavar os carros, e saía de novo, como um cachorro de banho tomado, não se sabe para onde.
Com os pés sobre o painel do carro, eu abria as pernas como quem abre a porta. Pensava em lamber cada centímetro salgado do corpo dele: a boca, o pescoço, o peito, o pau e as bolas do saco, as pernas, os pés. Preferia os homens que se pareciam um pouco com os animais. Conhecera Rafael P. na praia, como um lagarto ao sol, e quisera dar a ele a minha virgindade. O número dois, André, fodia como um animal faminto. Valentim era a única exceção: parecia mais um livro que um homem e isso fazia dele um pássaro raro, voando sozinho. Vidal, eu não sabia ainda que bicho era.
Queria descobrir.
O décimo segundo andar cheirava à tinta fresca. Àquela hora, Vidal não estaria em casa. Toquei a campainha. A diarista abriu a porta para mim. Eu disse ser a namorada de Vidal. A mulher me olhou como quem tem problemas maiores que aquele. Ela me deixou entrar e esperar lá dentro, no quarto dele. Era como penetrar o coração de um homem. As paredes com cartazes velhos de Guns N' Roses e Daft Punk no silêncio sepulcral do quarto vazio. Os tênis arejando na janela. O guarda-roupa composto de blusas de malha, todas do mesmo corte, variando apenas a cor. A cama onde ele deitava toda a noite e batia punheta olhando para o teto. No chão do quarto, o tapete colorido - inspirado numa máquina de pinball - não combinava com o resto, era o último resquício da infância.
Fechei a porta. Assim podia ter o quarto só para mim. Deitei na cama e me toquei por baixo da calcinha, imaginando que, não estivessem separadas pelo tempo, a minha masturbação e a dele, naquela mesma cama, seriam uma cópula. A hostilidade do quarto estranho me fez gozar como se mãos de homem me tocassem. A calcinha de algodão, molhada, deixei na gaveta da bancada, sobre os cadernos do pré-vestibular, onde não haveria maneira de passar muito tempo despercebida. Em troca, eu precisava levar algo dele. Encontrei uma camisa usada, cheirando a suor, que poderia muito bem ser da antevéspera. Guardei, como se fosse minha, na mochila. Reparei que o quarto não tinha cheiro e mijei no tapete, por instinto, como fazem os animais quando amam. A diarista não me viu sair. Ao lado da porta, ficavam penduradas as chaves da casa. Roubei uma para mim. Fui embora como quem nunca estivera ali.
À noite, não consegui dormir. Pensava na reação de Vidal ao abrir a gaveta e se deparar com a calcinha de algodão, como a visão do impossível em uma pintura de Magritte. Pensava também em quanto tempo ele levaria para seguir o rastro da calcinha até mim.
O dia seguinte correu como um rio. O porteiro queimou seus cigarros, Valentim passeou com o cachorro, a mulher do oitavo andar foi e voltou com seu contrabando. Vidal colocou a bicicleta no elevador de serviço e, além de esperá-la chegar ao décimo segundo andar, esperou também o elevador retornar ao térreo, trazendo o tapete do seu quarto, todo enrolado. O tapete foi para o lixo. Vidal se despediu dele em silêncio, somente com os olhos, como se soubesse que alguém estava observando sua vida. Imaginei que a calcinha continuava no quarto, como matemática sem solução.
Pensei em voltar ao local do crime, no dia seguinte. Em casa, preparei minhas armas. Tranquei a porta do banheiro. Tirei toda a roupa do corpo. Nua, sentei sobre a pia, de pernas abertas, para fotografar minha vagina no espelho. O calor do meu corpo embaçou o reflexo, feito uma miragem. Em seguida, vesti aquelas mesmas roupas e saí para procurar, no bairro, uma loja para revelar a fotografia. O mais perto disso foi uma tenda, aberta 24 horas, no meio de uma galeria deserta. No balcão me atendeu uma menina de 12 anos, substituindo a mãe, que fora ao centro. A cidade está cheia de crianças fazendo o trabalho dos adultos. A menina não entendeu por que eu queria revelar uma única fotografia, em vez do número mínimo de dez, e não soube que preço cobrar. Eu disse que era um presente. Ao ver a fotografia em si, suponho que a menina tenha entendido menos ainda. Não me cobrou nada.
Fui ao décimo segundo andar. Ninguém me abriu a porta. Usei minha própria chave para entrar. A casa estava vazia com as ruas na madrugada de domingo. Era possível ouvir a vida nos outros andares. No quarto de Vidal, as mesmas bandas de rock fora de moda estampavam as paredes - nada mudara, a não ser o tapete. Pensei que não era justo julgar alguém pelo gosto musical. Eu mesma gostava dos Strokes e um pouco da Madonna e isso não dizia muito sobre quem eu era, naquela época. A música era apenas um gosto entre outros. O principal era encontrar um local no quarto onde eu pudesse deixar o meu cavalo de troia, sem escondê-lo e sem ostentá-lo também. Resolvi pregar a fotografia da minha vagina na cortiça, bem visível, ao lado do retrato do dia em que o menino Vidal perdera o primeiro dente. Caiu como uma pedra na decoração do quarto. Antes de sair dali, mijei no tapete novo. Era o suficiente.
Estava disposta a parar por ali. Mas, no corredor do prédio, deparei-me com o elevador aberto, sem ninguém. Dentro dele, apenas a bicicleta. A ideia cresceu em mim como uma doença – roubar a bicicleta. Tirei-a do elevador o mais rápido possível. Desci com a bicicleta pelas escadas do prédio, que ninguém usava, sem sentir os andares passarem por mim. Enquanto o porteiro fumava na garagem, o prédio ficara aberto para a rua e saí sem ser vista. Pedalei por cinco quarteirões para evitar os conhecidos. Depois larguei a bicicleta, como um animal sem dono, a mercê do destino, em uma rua onde nunca havia estado antes e nunca estive depois. Cedo ou tarde, alguém a levaria para casa, para ter uma vida nova.
Foi como derrotar um inimigo. Aquele crime não poderia passar sem punição.
No dia seguinte, renunciei aos cuidados do carro. Para meu pai, inventei um mal estar passageiro. Fui ao décimo segundo andar e sentei ao pé da porta. Queria me entregar a Vidal, como fazem os assassinos quando cansam da lentidão da polícia. O menino chegou da rua e não foi preciso dizer nada, tudo já estava dito entre nós. Ele me pegou pelo braço e me levou para a escada do prédio, onde ficamos sozinhos, respirando juntos.
- Foi você que entrou na minha casa?
Não respondi.
- Só tem um jeito de saber.
Ele abaixou a minha calcinha e comparou mentalmente o que viu com a imagem da vagina na parede do seu quarto. Meus pelos pubianos estavam molhados como a grama depois da chuva. Nem me dei ao trabalho de vestir a calcinha de novo.
- Cadê a minha bicicleta?
- Só digo se você me comer que nem um bicho.
O tempo parou. Podia ouvir o silêncio na rádio-relógio. Vidal me virou para a parede. Ele me mandou olhar para lá e ficar parada, não podia dizer mais nada. Abaixou o short e pegou o pau duro na mão. Cuspiu nele. Depois meteu o pau no meu cu, sem reticências. Pensei nos cachorros de rua, que a gente vê assim, às vezes. Era como se o pênis grosso ocupasse todo o espaço vazio no meu corpo, todos os meus buracos, e eu fosse obrigada a viver aqueles minutos fora de mim. A respiração de Vidal nas minhas costas, as mãos dele no bico dos meus peitos, o saco batendo e rebatendo na minha bunda – mesmo a minha vagina, fora de uso, era uma usina de prazer, na qual eu apertava meus próprios botões, com as mãos livres. Alheio a tudo, Vidal me penetrava de olhos fechados e, na verdade, era como se fodesse a bicicleta. Ele gozou um leite branco, provavelmente acumulado há dias no saco, desde a primeira aparição da calcinha na gaveta, e a porra escorreu pelas minhas pernas feito uma tinta. Eu gozei um segundo depois. Nós dois desarmamos no chão, meio pelados, meio vestidos, e, sentados na escada, pela primeira vez, parecíamos amigos. Vidal deitou a cabeça no meu ombro, um sinal de paz. O pau dele se transformara em um animal adormecido, um pedaço de carne crua, pesando sobre a barriga suada.
- Lambe.
Foi isso que ele me disse. Eu lambi o suor da barriga, a cabeça vermelha do pau, o sêmen seco na pele morena, assim como os animais lambem aquilo que não comem. Gozei a segunda vez e não havia ninguém dentro de mim.
- Você não tem vergonha?
- A vergonha não é um sentimento forte o suficiente para me impedir de fazer nada.
Vidal perguntou de novo pela bicicleta. A bicicleta, eu disse a ele, você nunca mais vai ter. O menino me olhou com olhos de homem. Ele me mandou ir para casa e raspar a vagina. Deixá-la como a de uma menina virgem, antes do nascimento do primeiro pelo. E voltar no dia seguinte, mesma hora e local.
Foi isso mesmo que eu fiz. Sentei na frente do espelho, de pernas abertas. Raspei a vagina toda e foi como descobrir um novo rosto. Depois coloquei as roupas do dia para lavar, porque cheiravam a sexo e isso era inconfundível. À noite, sonhei com cavalos, não me lembro o quê. Depois sonhei com uma caverna sem saída. Talvez fosse a sensação de sutil formigamento na flor do meu cu.
Vidal, quem sabe, tivesse sonhado comigo.
No dia seguinte, esperei por ele, que nunca mais apareceu.
Autor(a): larissa_m.
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