Fanfic: Os Pequenos Prazeres da Vida | Tema: Original
− UM −
19 de Novembro de 2009
Dizem que nós só damos valor quando perdemos alguma coisa. Quando perdemos aquilo que mais amamos. Sabe do que eu estou falando? Daquela sensação de achar que está tudo perdido. Desejar que fosse tudo um pesadelo ou algum tipo de pegadinha. Acho que todos já passamos por isso alguma vez na vida. Eu pelo menos já. Para você que é novo por aqui, eu chamo Lucas, e gostaria de te contar uma história, de como as amizades podem salvar a vida de alguém, isso é um resumo de algumas coisas que vivenciei no colegial e serviram para mudar a minha vida e criar as melhores memórias que eu tenho e posso hoje compartilhar com você. Deixo aqui registrado, os meus pequenos prazeres da vida.
Tudo começou quando eu tinha onze anos e estava passando o final de semana na casa do meu melhor amigo, Matheus. O ano era 2008, começo de janeiro, nós estudávamos juntos, mas estávamos em férias de verão, então, sem preocupações com escola. O sol brilhava sem parar praticamente todos os dias, e quase sempre chovia no fim da tarde. Ele morava a duas quadras de mim, em uma rua longa e elegante com grandes arbustos e fazendas, uma mais bonita que a outra. Haviam plantações por todas as partes, principalmente de cana-de-açúcar. Apesar de ser tudo muito bonito e grande, nós morávamos em uma pequena cidade do interior, era um município simples com pessoas em sua maioria de bom coração, onde as senhoras passavam o dia cuidando de seus jardins – o dia todo mesmo - e os garotos e garotas tomando sorvete na praça, andando de bicicleta ou apenas conversando sentados nos bancos espalhados pelo pequeno centro que se localizava em volta da praça principal. A cidade era rodeada por grandes bosques, plantações e montes verdes.
Era sábado, acordei por volta das oito horas da manhã com o sol que atravessava a janela semiaberta do quarto iluminando meu rosto, olhei para o teto de madeira ainda sonolento, pisquei algumas vezes para espantar o sono, mas ainda assim meus olhos pareciam que se fechavam sozinhos. Finalmente com um impulso eu consegui me sentar. Fiquei sentado na cama por mais alguns minutos, Matheus ainda roncava enquanto eu tentava fazer barulhos para acordá-lo. Bati palmas, chamei por seu nome, gritei, mas nada funcionou.
Peguei o travesseiro que estava em minha cama e o joguei em seu rosto, e finalmente com o susto, Matheus acordou, dando um pulo da cama. – ACORDEI, tô acordado, tô acordado - Ele ficou sentado por um bom tempo até tomar coragem para levantar.
- Você é um babaca sabia? – Disse enquanto calçava suas galochas vermelhas.
- Um bom dia para você também! – Caçoei enquanto estendia o lençol sobre a cama.
- Por que você não vai procurar o que fazer, Lucas?! – Continuou, enquanto esfregava os olhos para espantar o sono.
- Porque te irritar é a melhor coisa que eu tenho para fazer agora!
- É.... acho que não tenho argumentos para competir com isso - Com um grande sorriso, Matheus veio até mim e levantou a mão para um clássico toca aqui – Hoje vai ser incrível!
- Vai? – Perguntei enquanto retribuía o toque de mão.
- É claro que vai! E você sabe o porquê? – Questionou enquanto pegava uma camiseta no grande armário de carvalho que se estendia do chão ao teto da parede de madeira envernizada de seu quarto.
- Na verdade não – Fiquei levemente confuso com a pergunta, mas eu sabia que qualquer coisa que fosse seria algo incrível como nós sempre fazíamos.
- O que acha se nós explorássemos por aí?
- Tipo as ruas e os canaviais? – Perguntei enquanto amarrava meus cadarços.
- É claro que não, isso é o que a gente sempre faz. Eu estou falando dos bosques! Sabe o tipo de coisa que a gente pode encontrar nesses bosques? Tipo qualquer coisa, e isso é demais!
Matheus parecia animado com a ideia, e para falar a verdade eu também fiquei. Sempre tivemos vontade de fazer algo do tipo e agora poderia ser a hora perfeita.
- É, vai ser demais! – Concordei, dando um leve soco em seu ombro.
Depois de nos trocarmos, escovarmos os dentes e arrumarmos o quarto, descemos a longa escada em formato de L e corremos direto para a cozinha, a mãe de Matheus preparava o café enquanto nos acomodávamos em nossos lugares à mesa. Dona Maria era uma mulher simples e bondosa, com mais ou menos 1,60 de altura, sempre acompanhada de um avental amarelo surrado. Seu curto e encaracolado cabelo ruivo balançava enquanto nos entregava os pratos com o café da manhã, ela também tinha lindos olhos verdes. Matheus também possuía cabelos ruivos encaracolados, porem cumpridos, na altura do ombro. Estava sempre com algum curativo ou band aid, pois estava sempre caindo por aí. Matheus, além de herdar a cor do cabelo, também tinha os olhos da mãe. Bom, sobre o pai, eu deixo para falar mais para frente.
Depois de tomarmos o café decidimos ir andar pela rua como sempre fazíamos, lá era um daqueles lugares onde o asfalto é perfeito. Bom para correr, jogar futebol, andar de bicicleta, skate, patins, ou qualquer outra coisa. Mas nós sempre gostamos de andar de skate – ou pelo menos fingir que sabíamos - ficávamos andando pela rua, indo e voltando apostando corridas, tentando fazer manobras e pulando do asfalto para a calçada das casas, que geralmente tinham 10 centímetros de diferença.
Naquele lugar havia uma paisagem em particular que nós adorávamos, mas nunca tivemos coragem de ir apesar de ficar a apenas uns 200 metros da fazenda, era um bosque enorme, com grandes pinheiros por toda a parte, que também tinha árvores de todos os tipos e grandes montanhas por trás de todas as árvores, que se estendiam por metros. Estávamos apreciando tudo aquilo até que Matheus olhou para mim com um olhar pensativo.
– Acho que devemos ir até lá!
Tudo o que fiz foi sorrir e concordar, então ele apontou com o queixo para a paisagem e fomos correndo em direção a ela. Passamos à tarde explorando o lugar, foi bem difícil chegar até lá, mas era realmente lindo, tinha grandes pinheiros e um lago maravilhoso que descobrimos meio sem querer. Fizemos diversas coisas e nos divertimos como nunca, corremos, falhamos ao tentar construir um forte – Aparentemente é necessária a ajuda de um adulto para isso – Vimos os pássaros, pulamos no lago de roupa e tudo e nadamos por algumas horas - na verdade não sei se foi uma boa ideia, já que tivemos que ficar com as roupas encharcadas - Ficamos lá até mais ou menos cinco da tarde, até decidimos voltar para casa, para comer alguma coisa.
Quando estávamos voltando, mais ou menos na metade do caminho, Matheus parou e direcionou o olhar para uma árvore sozinha no meio do nada.
- Aí, Lucas! Olha aquilo! - Apontou
- Uau! É lindo!
- Cara, acho que devemos ir até lá! – Disse, olhando para árvore com um sorriso de orelha a orelha.
- Vamos logo então – Respondi ao mesmo tempo em que dei um leve tapa no ombro de Matheus.
Tudo o que ele fez foi olhar para mim, sorrir e concordar com a cabeça, em seguida partiu em direção a árvore – QUEM CHEGAR POR ÚLTIMO É A MULHER DO PADRE! – Então corremos até lá, infelizmente eu perdi a corrida. Quando se tratava de esportes ele era o melhor, corria como ninguém.
Parei por um instante para tomar um fôlego e percebi que onde estávamos era uma antiga plantação de cana-de-açúcar que parecia estar abandonada a um bom tempo. Não tinha absolutamente nada plantado ou crescendo em volta, a não ser aquela árvore.
Quando finalmente chegamos até lá a minha primeira reação foi sorrir. Uma sensação incomparável tomou conta de mim, a árvore que de longe parecia ser pequena, era na verdade enorme e magnífica. Nós gostamos tanto de lá que passamos o resto da tarde sentados debaixo dela, vimos o pôr do sol, contamos histórias e ficamos lá conversando até o anoitecer.
Voltamos para casa de Matheus por volta das oito da noite totalmente acabados, aquela tinha sido uma das melhores tardes da minha vida, se não a melhor. Quando entramos fomos direto para o chuveiro. A mãe de Matheus preparava o jantar enquanto nos trocávamos. Depois de comer a carne com batatas feita com perfeição por Dona Maria fomos direto para cama, dormimos como uma pedra, aquela foi uma das melhores noites de sono que eu tive.
Com o passar do tempo nós íamos brincar quase todos os dias debaixo daquela árvore, ficávamos lá até escurecer e fazíamos de tudo. Escalávamos, conversávamos, brincávamos de exploração, pega-pega, piratas e nos divertíamos muito, em pouco tempo aquele virou o nosso lugar favorito no mundo, e todos os dias no fim da tarde assistíamos o pôr do sol comendo alguma coisa que Dona Maria preparava. Tivemos essa rotina por quase um ano, até que o que era um sonho acabou se tornando um pesadelo.
Matheus se foi quando eu tinha apenas doze anos, ele cometeu suicídio dia 19 de novembro de 2009, e isso levou junto grande parte do que eu era, por mais que ele nunca tenha me dito os motivos eu tenho certeza de que sei o porquê. Apesar de tudo, esse é o modo como me lembro de Matheus, o garoto feliz que gostava de se aventurar e de explorar tudo que via.
Agora, vou contar um pouco sobre a morte dele, sobre como o encontrei e de como foi a pior sensação que eu já tive na vida. Ainda não é fácil escrever sobre isso, mas vamos lá.
No dia 19 de novembro de 2009 eu decidi ir até a árvore, já eram mais ou menos cinco da tarde e eu ainda não tinha encontrado Matheus naquele dia, fui até sua casa, mas sua mãe disse que ele havia saído bem cedo, inclusive pensou que ele estivesse comigo. Como Matheus não estava em casa, logo imaginei que poderia encontrá-lo em nossa árvore.
Caminhei até lá sem pressa, apreciando os arredores e escutando o canto dos pássaros. Quando finalmente cheguei até lá fiquei paralisado, não acreditei no que estava acontecendo, pensei estar em um pesadelo e fiz de tudo para tentar acordar, mas quando minha ficha caiu, eu finalmente percebi que aquilo realmente estava acontecendo. Olhei para arvore e vi Matheus com uma corda no pescoço presa a um galho, e um banquinho caído no chão embaixo dele, ele estava enforcado, já sem vida, meu melhor amigo havia se matado, a pessoa mais importante para mim desde sempre não iria mais fazer parte da minha vida, e eu simplesmente não conseguia acreditar, minha única reação foi me ajoelhar e chorar, como nunca antes, até que reparei que no tronco da arvore havia um pequeno bilhete:
“Lucas,
Eu tenho certeza que você vai ser a pessoa que vai me encontrar aqui, por favor, me perdoe, eu não te culpo se ficar com raiva de mim, mas eu te amo muito, e você é e sempre vai ser meu melhor amigo do mundo. Obrigado por sempre me ajudar, lutar minhas batalhas ao meu lado e me apoiar em tudo, mas dessa vez eu não aguentei, por favor, me perdoe.
Quero que guarde meu skate com você isso é uma das coisas que sempre esteve em nossas brincadeiras, então fique com ele, e lembre-se de mim sempre que andar, ou pelo menos fingir que anda com ele, e por favor, me perdoe mais uma vez.
PS: Mais uma coisa, minha mãe está com câncer e não tem muito tempo de vida, como sabe meu pai não está mais aqui, então cuide dela por mim, ela tem você como um filho, e eu tenho como um irmão.
Muito obrigado por tudo, e obrigado por existir...
Matheus. ”
Fiquei jogado no chão por mais de uma hora, olhando para o céu e tentando me conformar com o que havia acontecido, quando me recompus consegui entrar em contato com os bombeiros que chegaram em questão de quinze minutos, logo após liguei para a mãe de Matheus que chegou em minutos, correndo e já aos prantos. A reação dela foi desesperadora, ela não conseguia parar de chorar ajoelhada com o filho em seus braços, e tudo o que conseguia dizer era - Por quê? -.
Olhando tudo aquilo eu não consegui ficar lá por muito tempo, então entreguei o bilhete a ela e a abracei, um abraço longo e reconfortante.
Alguns dias depois fui visita-la em sua casa, a cumprimentei com um forte e longo abraço, conversamos um pouco e então atravessei a cozinha e a sala e cheguei até o quarto de Matheus. Dei uma olhada geral no lugar e peguei o skate que ele havia deixado para mim apoiado ao lado de sua cama. Antes de sair olhei para a mesa do computador em cima dela haviam vários porta-retratos, peguei um dos retratos que mais gostava, uma foto antiga de nós dois tomando sorvete na praça, tentei desviar o olhar e não chorar, mas não consegui segurar a lágrima, que caiu sobre o retrato que estava em minhas mãos, esfreguei os olhos e coloquei a foto no lugar, então pensei que seria melhor sair do quarto o mais rápido possível.
Naquele dia não consegui dormir, e nem na semana seguinte, na verdade, demorei mais ou menos dois meses para conseguir uma boa noite de sono. Todos os dias depois da escola eu ia para casa do Matheus, com o tempo a mãe dele precisou ficar frequentemente de repouso, então era eu que preparava a comida, cuidava da casa e fazia companhia a ela.
Com o tempo ela me revelou uma possível hipótese para a morte de Matheus, seu pai era alcoólatra, e sempre chegava bêbado em casa, Matheus sempre evitava falar sobre o pai e eu raramente o encontrava, o problema era que a bebida o tornava agressivo, então sua primeira reação ao chegar era bater em sua mulher e filho.
O pai de Matheus se suicidou com um tiro de espingarda na cabeça três meses antes do suicídio do garoto, logo depois de chegar bêbado em casa em uma noite de domingo e espancar a mulher e o filho.
A mãe de Matheus morreu algum tempo depois do filho. Cuidei dela até seu último dia, mas nunca mais fui o mesmo, quando tudo acabou, após um tempo minha família resolveu que seria melhor para mim se nos mudássemos.
Autor(a): teosilva
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
− DOIS − O Primeiro Dia Nos primeiros meses da mudança de cidade eu estranhei um pouco e levou um tempo até me acostumar, já que onde eu morava não havia nada a não ser belíssimos arbustos que as senhoras vizinhas gostavam de cultivar e grandes florestas que de noite davam um pouco de ...
Próximo Capítulo