Fanfic: O livro amarelo | Tema: O rei de amarelo
O livro amarelo
Excerto dos autos testamentais do tabelião Ferreira Diaz, de 17 de Março de 1345.
No dia 4 de Março de 1345, nesta cidade e comarca, faleceu meu cliente, o ilustrado Conselheiro Phillip K. Love — filho único de Robert H. Love e Rosalinda Kraft — vitimado por um suicídio. Listo a seguir os bens que meu cliente deixa para seus herdeiros. [...] À sua mãe, Rosalinda, é oferecido o casebre em Dan’har e todos os móveis e objetos que o povoam. As terras a leste do Monte Carim, até as bordas do Lago, são oferecidas à igreja [...] No cofre pessoal do Sr. Love constam: recortes de jornais antigos, cartas e outros registros e memorabilias de pouco valor, além de um livro antigo, sem título, e de capa amarelada. A estes itens e à carta de suicídio, caberá à família decidir o que será feito.
Carta de suicídio de Phillip K. Love, de 4 de Março de 1345 da Era da Serpente
Quanto mais estudei suas páginas, mais sua musicalidade e seus temas afetaram minha psique. A maldição de meu pai, por fim, recaiu sobre mim. A ele faltou prudência e rigor intelectual, a mim, coragem. Entre a destruição do Livro e a preservação da minha vida, escolhi abrir mão da última... Ou foi Ele quem escolheu por mim? – P.K.L
Trecho da página 84 do Livro Amarelo, Autor Desconhecido
[...] E quando ele bebeu do cálice, regozijou-se. Sentiu que conhecia tudo e que nada mais lhe faltaria. Seus olhos viram o sol, e ele poderia descreve-lo em detalhes a um cego. Mas ele se engasgara.
-- Não é hora de se curvar sob o peso da coroa, meu rei. – ela lhe sussurrou enquanto ele agonizava. Olhe à frente e sorria: o mistério revela-se para você.
Trecho da carta de 18 de Dezembro de 1311, de Robert H. Love a Jacques P. Chambers
[...] pois ouvistes bem, o mapa da mina existe e quando esta carta lhe alcançar já estarei em posse dele. Não disponho das linhas necessárias para dar-lhe detalhes de como o encontrei, mas basta dizer que a fama dos sulistas os precede e que eles pagam suas dívidas custe-os o que custar. Começaremos as escavações assim que o rigor do inverno terminar e que as viagens voltem a ser seguras. Se há verdade nas histórias, essa mina era um verdadeiro palácio sob a montanha. Admito, porém, que o que me interessa são os segredos que habitam sua lendária biblioteca, que devemos encontrar até o final da primavera... e então reescreveremos em letras douradas o que tantas gerações de superstições apagaram. – RHL.
Jornal A Actualidade de 24 de Fevereiro 1312
Seção do Comércio, página 12 (verso).
Os notórios proprietários da Logos & Pedras – Armarinho e Estoques fazem saber que chegaram nesta comarca mercadorias de qualidade rara e exótica vindas d’além das praias merianas: vinhos galenos, louças de Litéria e temperos do distante Sul. Boas notícias também para quem quer desbravar o palácio sob a montanha e percorrer seus salões em busca de fama e riquezas: já adornam as prateleiras as ferramentas de mineração e de exploração há muito aguardadas pelos espíritos aventureiros que habitam nossa vila, a saber:
Lamparina Melc’r (8c)
Pólvora (10c)
Pá (12c)
Corda (3c)
Picareta (15c)
... Entre outros bens da maior utilidade, que foram perscrutados pelo olhar rigoroso de Monteiro de Lima em seu diário semanal, na seção “Dan’hár: muito além da febre do ouro”, que se encontra na página 28 desta edição[...]
Relatório do Xerife da Guarda-Leste de Dan’har, de 18 de Abril de 1312.
[...] mas os moradores afirmam que não ouviram sons de explosão vindos da mina antes do desmoronamento, apenas o som abafado das pedras rolando e o tremor no chão que abalou as suas choupanas. Essa evidência junta-se às demais para sugerir que o desabamento da mina ocorreu por causas naturais. [Trecho ilegível, linhas apagadas pelo tempo] porém não sabemos o nome, idade ou região de proveniência do mineiro que sobreviveu. Margot e Teldrum, os primeiros a chegarem na cena, alegam que ele foi resgatado em meio aos entulhos, na entrada da mina. E que só conseguiram encontra-lo pois ele estava tendo uma crise de riso, e eles foram guiados por esse som. Apesar de ter perdido uma perna e fraturado diversas costelas, o homem foi trazido a esta delegacia às gargalhadas, como se estivesse alucinado. Passou todo o tempo abraçado a um livro sem título, com uma capa de couro amarelada. Tivemos muita dificuldade em separá-lo do livro, pois ele se tornou agressivo quando tentamos pegá-lo. Tivemos que usar a força. Depois foi administrado um banho e inventariamos seus pertences. Pelas roupas que usava na ocasião, este sujeito deveria ser de grande estirpe, talvez um dos mecenas dessa empreitada [...].
8 de Maio 1312, transcrição de conversa entre o Sr. Mestre-Escola Domingues e o sujeito resgatado.
M.E. Domingues: Senhor, qual o seu nome?
Homem resgatado: ...
Domingues.: De qual região da Aritânea você veio?
H.R.: ...
Domingues: Os outros trabalhadores estavam vivos quando a mina desabou?
H.R.: ...
Domingues.: O que você viu la dentro?
H.R..: HAHAHA, a felicidade é amarela! Hah! Vê? Como o ouro! Podem me devolver meu livro? Que feliz coincidência! Amarelo e radiante! Ela brilha! A felicidade é como o sol num mundo sem sombras, HAHAHAHA! Está em todo lugar! Benditos sejam os mapas e os sulistas! Eu o achei, o livro é meu! Amarelo como uma coroa! Tudo arrasta! Não tente fugir, não há porta! Ela é amarela! Amarela! Você vê?
Trecho da página 92 do Livro Amarelo, Autor Desconhecido
... e quando fechamos os olhos provamos um pouco do Mistério: a Ordem perde a razão de ser, a Lógica vira um exercício fútil e as coisas do mundo retornam ao nada original e criador. Tornamo-nos marinheiros sem vela e remo. Melhor: com os remos na mão, finalmente percebemos que não existe mar. Forçados a olharmos para dentro de nós mesmos, vemos apenas uma caixa oca, escura e vazia.
Compreendemos, tarde demais, a piada final de Pandora: ao despir o ser humano do que lhe é externo e acessório, sobra-lhe apenas a matéria prima de todos os seus impulsos: o desespero.
Autor(a): netojpv
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